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Lula acena ao centro e quer colocar o PT na rua, mas pandemia impede o clima de caravana

Coronavírus deve afastar, neste momento mais crítico da pandemia, o ex-presidente de viagens, que ficarão a cargo de Haddad. Articulação com Kalil em Minas e Freixo no Rio são prioridades. Sinalização de Maia a petistas também anima

O ex-presidente Lula conversa com Fernando Haddad durante coletiva de imprensa no Sindicato dos Metalúrgicos.
O ex-presidente Lula conversa com Fernando Haddad durante coletiva de imprensa no Sindicato dos Metalúrgicos.AMANDA PEROBELLI (Reuters)

É hora “de botar nossa gente para andar”. Em outros tempos, esse chamamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, feito na aparição de mais duas horas que capturou TVs e redes sociais nesta quarta-feira, teria causado furor entre os militantes do Partido dos Trabalhadores. Com o coronavírus ditando os rumos do país, no entanto, o clima do partido ainda não é de caravana para promover o candidato natural do partido em 2022 ―o petista, como esperado, evitou se dizer na disputa presidencial no discurso em seu berço político, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo. “A meta é andar com a divulgação do Plano de Reconstrução do Brasil”, esclarece Alberto Cantalice, membro do Diretório Nacional do PT.

O documento da Fundação Perseu Abramo ―um conjunto de propostas construídas por vários intelectuais a respeito do futuro do Brasil―, é a aposta do partido para negociar uma frente ampla para as eleições de 2022. Por enquanto, à frente desse movimento está Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo, que ficou responsável por levar o estandarte do partido em andanças pelo país para azeitar novas articulações. Haddad confirmou que há cerca de um mês, após Lula pedir “o bloco na rua”, o partido definiu um cronograma de ação, que começou com seu encontro com Alexandre Kalil (PSD-MG), prefeito de Belo Horizonte, em 25 de fevereiro.

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AME934. SAO BERNARDO DO CAMPO (BRASIL), 10/03/2021.- El expresidente brasileño Luiz Inácio Lula da Silva se dispone a quitarse el tapabocas durante su intervención pública hoy, en Sao Bernardo do Campo (Brasil). El pasado lunes, el juez Edson Fachin, de la Corte Suprema de Brasil, anuló todas las sentencias de cárcel en primera instancia dictadas contra el expresidente Luiz Inácio Lula da Silva, quien deberá ser juzgado por tribunales federales. EFE/ Fernando Bizerra Jr.
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SAO BERNARDO DO CAMPO, BRAZIL - MARCH 10: Luiz Inacio Lula da Silva, Brazil's former president, speaks during a press conference after convictions against him were annulled at the Sindicato dos Metalurgicos do ABC on March 10, 2021 in Sao Bernardo do Campo, Brazil. Minister Edson Fachin, of the Federal Supreme Court, annulled on Monday the criminal convictions against former leftist President Luiz Inacio Lula da Silva on the grounds that the city of Curitiba court did not have the authority to try him for corruption charges and he must be retried in federal courts in the capital, Brasilia. The decision means Lula regains his political rights and would be eligible to run for office in 2022. (Photo by Alexandre Schneider/Getty Images)
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Kalil é visto como um aliado importante nas eleições presidenciais de 2022 e não só pelos petistas. O prefeito de Belo Horizonte já se encontrou neste ano com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). “Kalil é um democrata, não está no campo bolsonarista e está tendo atitude muito pró-ativa na questão da pandemia. Belo Horizonte é um dos exemplos exitosos da luta contra esse terraplanismo anticientífico de Bolsonaro”, afirma Cantalice. O prefeito da capital mineira negou que a agenda com Haddad tivesse como tema as eleições. “Foi uma conversa gentil, não se tratou de 2022, porque isso não é hora”, disse ao jornal O Estado de Minas. A agenda, de todo modo, casa com o discurso de Lula nesta quarta, quando fez aceno a todos os espectros ideológicos e disse que é preciso conversar com empresários e com políticos de vários matizes no Congresso ―apesar das críticas aos preços dos combustíveis, um terror do mercado, era uma mensagem aos agentes econômicos de que não era ele o radical na praça.

A segunda escala de Haddad será o Rio de Janeiro. O ex-ministro da Educação de Lula viajaria nesta quinta-feira, 10, para um encontro com Marcelo Freixo (PSOL-RJ). “Sempre tivemos muito boa relação com o Freixo, inclusive, achamos que ele é uma grande liderança no Rio”, disse o dirigente petista. A agenda, no entanto, foi cancelada e deve ficar para a próxima semana. No Rio, Haddad também deve encontrar líderes religiosos. “Aumentou muito o número de mortes e infecções e então estamos evitando fazer eventos, mas nossa meta é cair na estrada”, diz Cantalice. A pandemia também fez o partido postergar a viagem de Haddad ao Nordeste, que aconteceria neste mês.

À espera da vacina

A chance de o próprio Lula entrar em campo em eventos presenciais no curto prazo ainda é pequena. O ex-presidente contou nesta terça que vai tomar a vacina contra a covid-19 nos próximos dias. Mas o PT prefere a cautela. Mesmo Lula tomando todas as precauções, ele é um fator de aglomeração. “Aonde ele vai, ele arrasta muita gente”, lembra Cantalice.

O Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo, conhece bem o potencial de Lula de atrair multidões. Mesmo em uma fase crítica da pandemia, foi preciso rejeitar o intento de apoiadores de organizar caravanas para acompanhar o primeiro pronunciamento livre de Lula à imprensa. O eco modesto das palmas dos cerca de 50 militantes que acompanhavam a coletiva de imprensa, em meio a uma avalanche de repórteres, nem de longe lembrava a ovação a que o presidente está acostumado. Seja como for, nem Lula nem o PT abriram mão de fazer um coreografado evento presencial, cheio de protocolos e com uso de máscara, mesmo o Estado de São Paulo estando no auge da pandemia e na fase vermelha, a mais restritiva para a circulação de pessoas.

“Lula vai cumprir tudo o que manda a ciência, usar máscara, tomar vacina e quando o grupo de risco dele puder movimentar, ele vai sair. Por enquanto é momento de entrevistas e vídeos”, explica Cantalice. O plano original do PT, aliás, não contava com o ex-presidente na linha de frente da articulação. “Ninguém esperava essa ação do [ministro Edson] Fachin. Ficamos cinco anos batendo na tecla de que era uma perseguição.” O ministro do Supremo Tribunal Federal anulou na segunda-feira as condenações de Lula feitas pela 13ª Vara Federal de Curitiba, o que devolveu os direitos políticos do petista.

O aceno de Maia e “socialismo petista”

A medida de Fachin, seguida do retorno à pauta do Supremo do julgamento da suspeição do ex-juiz Sergio Moro, que estava empatada com dois votos à favor e dois contra, antes do ministro Nunes Marques pedir vista, abriu novas possibilidades de articulação do PT para uma futura candidatura de Lula. A surpresa do dia ficou com o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia. Em rede social, ele apontou diversas diferenças entre Lula e Bolsonaro. “Um tem visão de país; o outro só enxerga o próprio umbigo. Um defende a vacina, a ciência e o SUS; o outro defende a cloroquina e um tal de spray israelense. Um defende uma política externa independente; outro defende a subserviência. Um defende política ambiental; outro a política da destruição. Um respeita e defende a democracia; o outro não sabe o que isso significa. Um fundou um partido e disputou quatro eleições; o outro é um acidente da história”, escreveu Maia.

Os petistas se empolgaram com a sinalização do deputado. “Maia assim como Eduardo Paes fazem parte de uma turma que não têm relação com a ultradireita de Bolsonaro. Eles divergem com a gente no programa, mas estão alinhados na defesa da democracia”, diz Cantalice.

José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça de Lula, também gostou do movimento do deputado. “Acho que existe um campo de diálogo ainda a ser explorado. Vejo a sociedade brasileira dividida entre os que têm matriz autoritária, para não dizer fascista, e aqueles que defendem a democracia, seja de centro ou esquerda”, diz. “O que o Rodrigo Maia disse hoje é uma verdade indiscutível, inclusive para quem tem uma posição mais à direita”.

O caminho do PT para voltar a atrair o centro da esfera política, no entanto, ainda não está claro para além do discurso de Lula que frisou: “Não tenham medo de mim”. O ex-presidente fez questão de tender pontes a grupos não tradicionalmente ligados ao PT, como os policiais e as Forças Armadas, por exemplo. Disse que eram as corporações que precisavam de bons armamentos, e não a população geral como prega Bolsonaro.

Por enquanto, o partido já vem reconfigurando suas bandeiras para se adaptar às novas demandas sociais. No Plano de Reconstrução do Brasil o partido aposta no que chama de “socialismo petista”, ou seja, que visa construir “com o apoio das maiorias populares, uma nova sociedade, livre, plural e solidária”, fora do escopo da sociedade capitalista neoliberal, considerada “injusta, excludente, discriminatória”.

Em seu novo plano de Brasil, o PT se apropria de temas que não são bandeiras tradicionais suas, mas são indissociáveis da militância progressista atual, como o combate ao racismo, o respeito às identidades de gênero, além da livre orientação sexual, bem como a temática do meio ambiente e mudança climática. Em seu discurso, Lula incluiu menções à desigualdade racial e aos direitos LGBT, o que não eram frequentes antes. Até mencionou o meio ambiente, mas não conectou isso com uma política de desenvolvimento econômico: Petrobras e venda de carros ainda reinaram absolutos.

O combate à corrupção também não foi esquecido, inclusive, com proposta de medidas para que sejam aprimoradas as leis que responsabilizam instituições financeiras que colaborem com a ocultação e evasão de fortunas obtidas por meio da corrupção, um dos pontos mais criticados da Operação Lava Jato, que foi severa com as construtoras, mas optou por blindar os bancos.

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