Eleição na Câmara ganha tom épico com traições e ameaça de impeachment de Bolsonaro na reta final
Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, apoiados pelo presidente, são os favoritos para comandarem a Câmara e o Senado nos próximos dois anos. DEM abandona candidato de Rodrigo Maia, que ameaça aceitar um dos pedidos de afastamento de Bolsonaro nesta segunda, último dia de seu mandato
A temperatura das eleições para a Câmara e Senado, que começam nesta segunda-feira, 1 de fevereiro, subiu a níveis incandescentes neste final de semana. Numa reunião de líderes de partidos na casa do atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), com líderes dos partidos da Casa terminou com a ameaça do anfitrião de levar adiante um pedido de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro, depois que o presidente da legenda, ACM Neto, anunciou que metade da bancada votaria em Arthur Lira (PP-AL), apoiado por Bolsonaro. O anúncio foi seguido pela retirada do PSDB e um aceno do Solidariedade, deixando a vitória de Lira muito mais certa do que estava há três dias. O candidato de Maia na disputa, Baleia Rossi (MDB-SP), chega neste primeiro de fevereiro fragilizado, numa provável derrota para o legado de Maia.
Rossi, um deputado de tradicional família política do interior de São Paulo que cumpre seu segundo mandato de deputado federal e é o presidente do Diretório Nacional do MDB, ainda guarda a esperança de seguir os passos de seu padrinho, que garantiu um trânsito entre a cúpula financeira do país e a fácil articulação com a capacidade de unir parlamentares de diferentes matizes em seu entorno. Mas um levantamento feito pelo jornal O Globo mostra que o emedebista teria 209 votos garantidos contra 255 de seu opositor, Arthur Lira. O voto é secreto, portanto a prova dos nove só virá no final de uma votação que deve se estender pela madrugada de terça em busca de acordos de última hora. Há quem aposte, inclusive, num segundo turno, com candidaturas avulsas correndo por fora.
Ex-integrante da tropa de choque do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha ―hoje preso por corrupção e lavagem de dinheiro —, o alagoano Lira comanda o Centrão, bloco de partidos fisiológicos da Câmara que dança conforme a música do poder. Foi desta forma que casou com os interesses do Palácio do Planalto.
De olho na sua sobrevivência política, querendo evitar um impeachment e almejando disputar a reeleição em 2022, nas últimas semanas o presidente Jair Bolsonaro autorizou a liberação de emendas extraorçamentárias de 3 bilhões de reais a deputados e senadores. Também prometeu a entrega de até quatro ministérios aos indicados pelo Centrão, o grupo do qual Maia já foi membro e atualmente é liderado por Lira.
A eventual derrota de Maia teria assim a interferência do Planalto, mas também o resultado de erros de sua condução e traições vindas de seu partido. No ano passado, o parlamentar investiu numa estratégia em que contava com o Supremo Tribunal Federal para autorizar uma virada de mesa, lhe permitindo a sua reeleição como presidente da Câmara dentro de uma mesma legislatura, numa nova interpretação da Constituição Federal. No fim do ano passado, porém, os ministros do STF reafirmaram que essa reeleição era proibida, e, só então, Maia iniciou a articulação entre o seu grupo para escolher um candidato.
A essa altura do campeonato, Lira já estava em intensa campanha. Ele já havia conseguido um ministério e centenas de cargos em segundo e terceiro escalões para afilhados do Centrão. Já tinha se aproximado de Jair Bolsonaro e garantido a estabilidade para ele na Câmara. E se lançou a viajar o Brasil em visita a a lideranças políticas em defesa do seu nome.
O candidato de Bolsonaro à Câmara tem um currículo de investigações na esteira da Lava Jato. Uma delas é o chamado quadrilhão do PP, que acusa a cúpula do partido de ingerência na Petrobras com desvio de verbas através de empresas contratadas pela petroleira. Lira é um dos nomes acusados de integrar a organização criminosa. A denúncia foi aceita pelo Supremo. Também é investigado por suposta recepção de propinas e teve até uma ação movida pela ex-mulher por violência doméstica, e acusações de ocultação de patrimônio.
Nada que o tenha tirado de combate integrando um partido que vem amealhando cada vez mais poder no Congresso, apesar de ter sido a legenda mais investigada pela Lava Jato.
Se confirmado esse cenário, Maia deixaria o cargo com uma estrondosa derrota para um candidato que contou com interferência direta do Palácio Planalto. Se vai usar sua última carta na manga, colocar o impeachment em votação —diante da pressão crescente pela saída do presidente pela sua atuação na pandemia — só se saberá nas próximas horas.
A eleição ganhou ares épicos à luz dessa ameaça, embaralhando as cartas que pareciam marcadas para esta segunda. Se levar adiante um pedido de impeachment e Lira for vitorioso, Bolsonaro verá seu projeto de blindagem ameaçado com um presidente da Câmara praticamente com mais poderes que ele. Caso contrário, o presidente pode respirar aliviado, mas não por muito tempo, principalmente diante de um bloco em que lealdade é um bem escasso. Se a pressão das ruas crescer por sua saída, Lira terá o dedo no botão vermelho.
Legado de Maia
Nos últimos anos, Maia ficou marcado por articular a aprovação da PEC do Teto de Gastos, das reformas Trabalhista, de Michel Temer, e da Previdência, de Bolsonaro, assim como o auxílio emergencial da população pobre durante a pandemia de covid-19. Outro legado seu foi evitar a derrubada desses dois presidentes ―ainda que houvesse fortes argumentos para a abertura de processos. Cabe ao presidente da Câmara iniciar esses processos. Mas ele não aceitou nenhum dos 33 pedidos de impeachment apresentados contra Temer entre 2015 e 2018, assim como não deu andamento a nenhum dos 63 contra Bolsonaro de 2019 até agora. Foi o responsável por distanciar o Legislativo do Executivo e por se opor ao presidente, ainda que pela emissão de notas de repúdio durante rompantes do chefe do Executivo.
De olho nas eleições do ano que vem, pouco importa aos parlamentares o legado para trás ou o alinhamento a um presidente em queda de popularidade. Prevaleceram interesses eleitorais, como o de ACM Neto, disposto a se eleger governador da Bahia em 2022 e, para garantir o apoio de outras legendas, abriu mão de interferir na eleição da Câmara. É nesse ponto que surge a traição dos Democratas. Dos 31 deputados, 20 podem seguir com Lira. Dois deles eram ministros de Bolsonaro até a sexta-feira passada, Tereza Cristina (Agricultura) e Onyx Lorenzoni (Cidadania). Foram exonerados de seus cargos para votarem em Lira.
Em caso de uma inesperada vitória de Baleia Rossi, porém, a tendência é que haja um acirramento da relação entre o Executivo e o Legislativo. Ele tem se vendido como o opositor de Bolsonaro nesta disputa, mas tem sofrido pressão dos partidos de esquerda, que agora o apoiam, para ir além das notas de repúdio feitas por Maia e aceitar a abertura de comissões parlamentares de inquérito que investiguem o Governo Bolsonaro ou o impeachment dele. Rossi, por sua vez, tem focado na pauta econômica, seguindo os passos de seu padrinho.
Puxada de tapete no Senado
No Senado, o jogo estava praticamente definido até este domingo. O senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) deverá substituir Davi Alcolumbre (DEM-AP) no comando da Casa. Ele também é o candidato de Bolsonaro e contou com uma ampla coalizão de partidos, além de uma traição do MDB, para concorrer. Os emedebistas, que têm a maior bancada, tinham lançado Simone Tebet (MDB-MS). Mas quando notaram que ela dificilmente venceria, desistiram de apoiá-la e concordaram em aceitar dois cargos na Mesa Diretora do Senado e a presidência de duas comissões relevantes para seguir com Pacheco.
A reunião na casa de Maia, porém, estremeceu esses acordos, e o PT chegou a ameaçar tirar o apoio a Pacheco depois do desembarque do DEM da candidatura de Baleia Rossi. Para fecharem acordos com Pacheco os partidos analisaram, principalmente, as questões regionais. O PSD, por exemplo, que tem a segunda maior bancada, concordou em apoiá-lo desde que o senador não concorresse ao governo mineiro em 2022. A legenda pretende lançar para o cargo o atual prefeito de Belo Horizonte,cAlexandre Kalil, ou o senador Antonio Anastasia (PSDB).
Apesar de ter sido impedido de concorrer à reeleição, assim como Maia, Alcolumbre usou estratégia diferente da de seu correligionário. Ao invés de se afastar do Planalto, ele se aproximou. Assim, conseguiu a garantia de emendas aos seus aliados. Entre ministros, há os que cogitam que o próprio Alcolumbre deverá ser beneficiado com o um ministério na iminente reforma ministerial que Bolsonaro fará.
Confirmadas essas vitórias, Bolsonaro seguirá a toda velocidade, praticamente sem freios, para implementar sua agenda legislativa. O preço para isso é, principalmente, o de romper com boa parte de suas promessas feitas na campanha. Entre elas, de se afastar do Centrão ou a de ceder espaços em troca de cargos e emendas. Mas, as reviravoltas de última hora deixam claro que ninguém está seguro em Brasília, além do eterno Centrão. A única certeza é que esta segunda-feira será longa para todos os envolvidos nas eleições do Congresso.