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Para conter Bolsonaro, esquerda se alia a candidato de Maia na sucessão da Câmara

Baleia Rossi, um dos articuladores do impeachment de Dilma em 2016, formaliza candidatura nesta quarta. Estratégia visa barrar ao menos pautas de costume de Bolsonaro, avalia especialista

O deputado Baleia Rossi (MDB-SP) durante entrevista em Brasília, em 23 de dezembro passado.
O deputado Baleia Rossi (MDB-SP) durante entrevista em Brasília, em 23 de dezembro passado.Luis Macedo/Câmara dos Deputados
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Por falta de opção, a esquerda representada na Câmara dos Deputados se viu numa encruzilhada. Ou apoiava o candidato de Jair Bolsonaro à presidência da Casa, Arthur Lira (PP-AL), ou seguia com Baleia Rossi (MDB-SP), um fiel aliado do ex-presidente Michel Temer e um dos articuladores pelo impeachment de Dilma Rousseff (PT) em 2016. Decidiu pela segunda opção e oficializou o suporte à candidatura do emedebista, que também é o escolhido pelo atual presidente, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Para se chegar a essa definição, contudo, ocorreram intensos debates internos entre os parlamentares do maior partido opositor, o PT, que tem 52 deputados. Em uma reunião da bancada, houve 27 votos a favor do apoio a Rossi, 23 votos por uma candidatura própria e uma abstenção. “Vamos marchar com a centro-direita para buscar o caminho de independência e de enfrentamento das aleivosias do presidente da República”, disse o líder da minoria, José Guimarães (PT-CE).

Para o cientista político Cláudio Couto, professor da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, o apoio da esquerda a um nome indicado por Rodrigo Maia representa a tentativa de manter os Poderes independentes. “É uma aliança visando estabelecer a independência do Legislativo, ainda mais diante dos arroubos autoritários do Bolsonaro. Se ele se comportou até aqui dessa forma tendo o Congresso independente, imagina se não tivesse.” A aliança também pode fortalecer João Doria (PSDB-SP), o governador paulista que tenta se cacifar para ser o nome da centro-direita na eleição presidencial de 2022. O MDB, partido presidido por Rossi, o PSDB, comandado por Bruno Araújo (aliado de Doria), e o DEM, que tem Maia como um a de suas principais lideranças, têm um acordo para seguirem juntos nas próximas eleições nacionais.

Inicialmente, a cúpula petista tentava sinalizar que a maioria a favor de Baleia Rossi, que formaliza sua candidatura ao comando da Câmara nesta quarta, era clara. O que não se configurou. Como o voto para a presidência da Câmara é secreto, há a possibilidade de defecções. Lira conta com apoio de antigos aliados do PT, de quem já foi um dos membros da base no Governo Dilma. Além do PT, outros quatro partidos de oposição já aderiram à candidatura de Baleia Rossi: PSB, PDT, PCdoB e REDE. Apenas o PSOL, que tem dez deputados, não se definiu. Deve fazê-lo em 15 de janeiro. O emedebista ainda conta com o apoio de MDB, PSDB, DEM, PV, Cidadania e PSL. Enquanto Lira tem apoio do PL, PP, PSD, Republicanos, Solidariedade, PTB, Podemos, PROS, PSC, Patriota e Avante.

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Em tese, levando em conta os apoios declarados pelos partidos, o candidato apoiado por Bolsonaro teria entre 200 e 210 votos, enquanto Rossi, entre 250 e 280. A variação ocorre porque alguns deputados de siglas que declararam apoios já anunciaram que não seguirão a orientação partidária. Para se eleger presidente da Câmara é necessário obter ao menos 257 votos entre 513 parlamentares.

A votação em 1º de fevereiro é crucial para a segunda metade do Governo Bolsonaro. Se Lira for o escolhido, há a possibilidade de andarem pautas de costumes que Bolsonaro não conseguiu emplacar em seus dois primeiros anos de mandato, como permitir uma ampliação do armamento da população, a escola sem partido ou a flexibilização da punição para policiais que matarem suspeitos em operações, a licença para matar. Além disso, há a expectativa de caminharem pautas da agenda econômica, como a privatização de dezenas de empresas públicas ou a autonomia do Banco Central.

Para apoiar Rossi, as legendas de esquerda cobraram que ele autorize a abertura de comissões parlamentares de inquérito (CPIs) contra o Governo Bolsonaro, que analise a gravidade de eventuais novos pedidos de impeachment e que declare apoio público à vacinação contra a covid-19. Também pedem algo que nem os 14 anos de governos petistas foram capazes de fazer: propor a taxação das grandes fortunas no Brasil.

Agenda econômica deve dividir parlamentares, de olho em 2022

Neste ano, a eleição tem um peso ainda mais forte por acontecer em meio a um momento particular de crise sanitária e econômica, devido à pandemia do novo coronavírus. “Temos um crescimento que é pífio, estamos esperando um primeiro trimestre muito ruim, pressão inflacionária principalmente sobre os mais pobres, temos o fim do auxílio emergencial, aumento de casos de covid-19, o barata voa da logística da vacina. Tudo isso abre o ano com um ambiente que não é bom”, explica Maria Cristina de Barros, economista e sócia da consultoria MB Associados.

Na avaliação da economista, há grande possibilidade que o Governo chegue em fevereiro sem uma agenda clara. Para Barros, o mais provável é que os parlamentares já comecem a se mover pensando nas eleições de 2022. “Vamos ter a dicotomia de um grupo querer gastar mais, porque muitos estão brigando pela reeleição, e outros vão ser comedidos na questão fiscal”. Segundo ela, o candidato do bloco de Rodrigo Maia terá uma pauta econômica mais forte e preocupada com o lado fiscal do que a do candidato Arthur Lira, embora o deputado do PP seja visto como uma pessoa que cumpre acordos. “Nós temos dúvida sobre a capacidade de Lira priorizar a pauta econômica, porque não há consenso sobre os itens que estão já na agenda e Bolsonaro não é amigável. O presidente quer o pensamento mágico, quer recursos, mas não quer brigar com os grupos de apoio “, explica.

A economista ressalta ainda que Maia sempre teve clareza da pauta econômica liberal e foi responsável em grande medida por conduzir a Câmara a reforma da Previdência. “A interlocução do Executivo foi muito pequena neste tema. Ele atuou em duas frentes, tentou passar a pauta econômica e segurar a pauta de costume, que é a agenda de Bolsonaro. O seu sucessor seguiria a mesma linha”, diz.

Já Lira, segundo Barros, deve, caso eleito, encampar mais as pautas bolsonaristas e minimizar a questão fiscal, que é o grande problema de 2021. “O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem um discurso muito ufanista, de recuperação em V, e parte das pessoas que apoiam Lira está de acordo com essa visão, de que a recessão passou e a economia vai bombar em 2021, o que obviamente não é verdade”. Ela ressalta, no entanto, que mesmo que Lira entre “fechado com o Governo Bolsonaro”, não significa que ele continuaria assim no mês seguinte. “Ele sempre vai estar fazendo a avaliação do custo benefício de estar de um lado ou de outro.”

Ainda falta quase um mês para a votação. Até lá, pode haver reviravoltas. Rossi esperava a declaração de apoio da esquerda para poder lançar oficialmente sua candidatura, o que deve ocorrer na quarta-feira.

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