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“Não estou mais preparada para ver tanta gente morrer”: a exaustão nas equipes de saúde na pandemia

Após um ano massacrante, profissionais da saúde lidam com cansaço mental e físico, sem previsão de um alívio em meio à alta de casos da covid-19 no Brasil, que não tem previsão para vacinar a população

Gil Alessi
As enfermeiras Luciana Martizez e Denise Reis Dias Pupin.
As enfermeiras Luciana Martizez e Denise Reis Dias Pupin.
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A técnica de enfermagem Luciana Martinez.
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AME6695. SAO PAULO (BRASIL), 26/12/2020.- Personas pasan frente a tiendas cerradas por un nuevo confinamiento debido al coronavirus hoy, en la calle 25 de marzo el mayor centro del comercio popular de la ciudad de Sao Paulo (Brasil). Brasil cumple este sábado diez meses desde su primer caso de coronavirus y celebrará el fin de año bajo una estricta cuarentena en buena parte de su territorio, en momentos en que la pandemia vuelve a acelerarse en un país que ya registra 190.500 decesos por el patógeno. EFE/Sebastiao Moreira
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“Estou exausta. Não estou mais preparada para ver tanta gente doente morrer. De verdade, eu estou prestes a pedir exoneração”, afirma a enfermeira Luciana Martinez, 42 anos. Ela é uma das milhares de profissionais da área da Saúde que atuam desde março na linha de frente do combate à covid-19 no Brasil. A luta contra a doença, travada em dois hospitais de São Paulo, um público e um privado, cobrou um preço alto. “Eu achei que era mais forte. Aliás, eu queria ser mais forte... Pensei que aguentaria por mais tempo, mas a maior parte dos dias eu saio dos plantões arrasada. Por isso quero pedir demissão de um dos meus empregos, preciso de tempo fora da UTI até para poder buscar ajuda psicológica.”

A pandemia do novo coronavírus, que já deixou mais de 196.000 mortos no Brasil —sendo 470 deles na enfermagem—, teve um impacto profundo na vida de todos, mas atingiu em cheio enfermeiros, médicos e outros profissionais da área, que terminaram 2020 exaustos e com uma perspectiva péssima para 2021. Além do aumento no número de casos e mortes que teve início em novembro e jogou o país de volta ao patamar do auge da crise sanitária, com mais de mil óbitos por dia, a situação deve se agravar ainda mais em janeiro e fevereiro graças às grandes festas e aglomerações que ocorreram pelo país no final do ano.

Em entrevista ao EL PAÍS concedida em maio de 2020, a enfermeira Luciana vibrava ao falar da profissão: ”Fico até emocionada de falar da enfermagem, porque sinto que foi a profissão que me escolheu”. O sentimento agora, meses depois, é de frustração. “Quando a gente estava começando a respirar de novo [entre setembro e outubro, quando o número de casos e mortes teve uma queda] piorou muito. Não foram dias fáceis na primeira etapa da pandemia, e agora voltou com tudo”, diz. Ela fica em silêncio por alguns segundos e completa: “Eu me sinto arrasada quando vejo notícias dessas festas. Fico super assustada, as pessoas não tem noção do que está acontecendo. Estamos enxugando gelo”, lamenta.

Caso peça demissão de um dos empregos, Luciana não estará sozinha. A estafa mental e física tem obrigado cada vez mais profissionais da saúde a tirarem o pé do acelerador para garantir mais tempo fora dos hospitais. Denise Reis Dias Pupin, 40, enfermeira, abriu mão da dupla jornada em julho após presenciar uma verdadeira “catástrofe”. “Sempre trabalhei com pacientes críticos, a minha carreira de mais de 20 anos de enfermagem foi cuidando de paciente de UTI, muitas vezes em estado terminal. Mas nunca vi tanta gente morrer na vida, e nunca me senti tão cansada mentalmente quanto este ano”, afirma.

A alta nos casos a partir de novembro foi um baque para todos, mas em especial para profissionais de saúde. “Quem está lá na frente, na lida no dia a dia, sentiu muito essa segunda onda. Eu voltei pra casa de um plantão em um momento no qual a UTI estava com a maioria de pacientes recuperados, e já estávamos começando a atender e internar infartos e outros problemas não-covid”, conta Denise. Ao chegar no hospital para o novo plantão, a surpresa: “Já estava cheio de casos de coronavírus de novo.”

A gota d’água para Denise foi a infecção pela doença que ela se empenhou em combater, seguida por uma internação de oito dias recebendo oxigênio. Mesmo sem comorbidades e sendo uma pessoa saudável que pratica esportes e se alimenta direito, seu caso evoluiu para problemas infecciosos e de coagulação, que fizeram com que o tempo total de recuperação ultrapassasse 40 dias. “É uma doença da solidão: você fica longe de todo mundo que ama, num ambiente sozinha. É irônico porque as pessoas se contaminam em aglomerações, mas morrem sozinhas. ‘E se eu morresse aqui, longe do meu marido e filho?’, eu pensei”.

Para deixar o início de 2021 mais sombrio, ao contrário de boa parte dos países da América Latina e Europa, o Brasil segue sem nenhuma vacina aprovada para imunizar a população. De quebra, disputas políticas entre o presidente Jair Bolsonaro e o governador de São Paulo, João Doria, podem atrasar ainda mais o início de uma campanha de vacinação. “Eu acho que os políticos podiam passar alguns minutos dentro de um hospital que atende covid-19 e eles resolveriam rapidinho essa história da guerra da vacina”, diz Luciana.

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