Interior pode empurrar São Paulo ao colapso se novas restrições contra covid-19 não surtirem efeito
Novos casos e óbitos por coronavírus crescem em maior velocidade nas cidades pequenas e médias do Estado, onde prefeitos driblam as restrições. Governo paulista decretou fechamento de regiões e espera amenizar a curva de crescimento
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A pandemia de coronavírus está se agravando no interior e no litoral do Estado de São Paulo, com a disparada de novos casos e óbitos por covid-19 e uma taxa de ocupação dos leitos de enfermaria e de UTI cada vez maior —em alguns dos principais hospitais ela já chega a 100%. Com o quadro se deteriorando, o risco de colapso é real, na avaliação do Centro de Contingência Covid-19, grupo de 20 especialistas que assessora o governador João Doria (PSDB). Se esse colapso ocorrer —sobretudo em hospitais de médio porte que servem de anteparo nas regiões de Marília, São José do Rio Preto, Ribeirão Preto ou Franca—, haverá consequentemente uma procura ainda maior pelos leitos da capital paulista e uma pressão em seu sistema, o que pode gerar outro colapso.
“Na maior parte dos últimos 15 dias tivemos 100% de ocupação dos leitos de UTI para covid-19 em nosso hospital. Se nada for feito e a transmissão continua dessa maneira, vamos entrar em colapso em duas semanas”, alerta o professor Carlos Magno, médico epidemiologista da Faculdade de Medicina da Unesp em Botucatu e um dos especialistas que assessoram Doria. Ele trabalha no Hospital das Clínicas da universidade, que atende toda a região e é referência no tratamento contra a covid-19. Conta que uma quarta ala de enfermaria para pacientes com a doença acaba de ser aberta, mas que os médicos na linha de frente “estão tendo burnout ou pedindo férias” por causa da exaustão. “Já falei para o diretor do hospital que precisamos checar os fornecedores de oxigênio. Existe uma possibilidade real de que o colapso de Manaus se repita mesmo em Estados como o Rio de Janeiro e São Paulo”.
O alerta de Magno e dos demais especialistas fez com que o Governo Doria instituísse na sexta-feira passada a fase vermelha em sete Departamentos Regionais de Saúde (DRS), que abrangem 22% da população paulista, durante toda a semana, dia e noite. Entre elas está o DRS de Bauru, com cerca de 1,6 milhão de pessoas e 63 cidades, como Botucatu (150.000 habitantes). Essa fase é a de maior restrição do chamado Plano São Paulo e somente serviços essenciais poderão seguir funcionando. O resto do território paulista (78% da população), incluindo a Grande São Paulo, passa para a fase vermelha nos finais de semana e nas noites dos dias úteis —permanecendo na fase laranja, a segunda de maior restrição, durante o dia.
“Com isso cortamos o que nós identificamos como os maiores espaços de transmissão, que são os bares e restaurantes e outros encontros noturnos onde as pessoas ficam sem máscara e juntas por muito tempo”, explica Magno. Ele fala que o grupo de especialistas propôs fechar o Estado inteiro, uma vez que as aglomerações nos transportes coletivos devem continuar. Outro agravante é a confirmação nesta terça-feira de três casos de covid-19 em São Paulo causados pela nova variante do coronavírus encontrada no Amazonas, apontada como potencialmente mais transmissível. “Se esse aumento segue como está, todo o Estado vai entrar na fase vermelha”, afirma o médico, que se diz esperançoso e acredita que as novas medidas amenizarão a curva de contágios.
O Estado de São Paulo já registrou 1,7 milhão de casos de covid-19 desde o início da pandemia e 52.170 óbitos, segundo os dados desta quarta-feira. O que mais preocupa neste momento é o forte crescimento dos novos contágios e mortes e a velocidade da transmissão. O EL PAÍS analisou gráficos com dados públicos que mostram que nas cidades do interior e do litoral de São Paulo o número de novos casos dobra com muito mais velocidade —quase que a cada 15 dias— se comparado com a capital paulista e as outras cidades da Região Metropolitana de São Paulo. Esse fenômeno se repete com o número de novos óbitos. Essa diferença na dinâmica da propagação do vírus se repete em Estados como o Rio de Janeiro, mas em níveis menores.
Em números: o interior e litoral de São Paulo registravam, em média, pouco mais de 3.500 novos casos diários na última semana epidemiológica de 2020, entre os dias 27 de dezembro e 02 de janeiro, de acordo com o Governo estadual. Duas semanas depois, entre os dias 10 e 16 de janeiro, passaram a registrar uma média de mais de 7.000 casos diários. Foi o pico de novos casos nessas regiões, mais inclusive que os meses de julho e agosto do ano passado, auge da primeira onda da pandemia de coronavírus. Já a capital paulista notificava em média mais de 1.500 novos casos diários e, duas semanas depois, passou a registrar cerca de 2.500. As demais cidades da Região Metropolitana tinham uma média de 900 casos diários e passou a notificar cerca de 1.500 duas semanas depois.
Passado o efeito imediato das festas de fim de ano, os números começaram a descer ligeiramente na semana seguinte. Mas ainda são altos. O gatilho para a mudança para fase vermelha foi a ocupação de mais de 75% dos leitos de UTI em algumas regiões. “Mais isso é uma média. Em algumas cidades menores os leitos de UTI não estão completos. Outras, como Bauru, contam com maior rede privada. Mas eu quase todo dia tenho quase 100% dos leitos ocupados”, insiste Magno. Essa ocupação máxima tem virado a regra nos principais centros de saúde de referência no combate à covid-19 e atinge também lugares como o Vale do Paraíba ou o Litoral Norte de São Paulo, conforme apurou o EL PAÍS.
Interior mais conservador e negacionista
Botucatu, onde Magno trabalha, está a apenas 80 quilômetros da cidade de Bauru. Apesar de estar na fase vermelha, a prefeitura da cidade, de 380.000 habitantes, decidiu driblar as restrições e emitir um decreto autorizando o funcionamento dos comércios. “No dia 22 de janeiro, Bauru tinha 12,9 leitos de UTI para 100.00 habitantes. No dia 26, já tinha 13,7 leitos de UTI para 100.000 habitantes. Mesmo aumentando em 6% a oferta de leitos, a ocupação foi de 84% para 86,4%”, explicou nesta quarta-feira o médico epidemiologista João Gabbardo, coordenador Executivo do Centro de Contingência Covid-19, em resposta à prefeita Suéllen Rosim (Patriotas). “Os novos casos eram de 456 por 100.000 habitantes no dia 22. Nesses quatro dias aumentou mais de 8%, para 495 novos casos por 100.000 habitantes”.
Autoridades locais sugerem que mais leitos poderão ser abertos ou contratados do setor privado. “De cada três pessoas que vão para a UTI, uma vai morrer. Mesmo tendo leito. Alguém que esteja pensando em saúde pública não pode pensar que é simplesmente aumentando o número de leitos, sem a mínima preocupação com as medidas para reduzir o numero de pessoas que vão ficar doentes”, completou Gabbardo.
“O interior é mais conservador e menos aderente às medidas de proteção e isolamento. Existem muito mais negacionistas no interior”, avalia Magno. Ele afirma que a decisão da prefeita de Bauru de manter tudo aberto vem pressionando outros prefeitos das redondezas, incluindo o de Botucatu. “Essa rebelião pode cair como um dominó nos prefeitos do interior inteiro. Vamos ter uma situação aterradora se nada for feito”. E volta a alertar: “Existe a possibilidade de crescimento exponencial dos casos de covid-19 e de colapsar o sistema em duas semanas. Espero não viver o que os colegas de Manaus contam”. O Brasil ultrapassou a marca de 220.000 mortes na pandemia. Só nesta quarta-feira, foram registradas mais 1.283 mortes.
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