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Com dificuldade federal em trazer insumos, governadores buscam novos fornecedores para vacinas

Após dias de impasse, Brasil consegue liberar doses da vacina Oxford/AstraZeneca pactadas com a Índia. Ceará, Rio Grande do Sul e Bahia dizem tentar negociar compras e falam na Sputinik

A médica e pesquisadora da Fiocruz, Margareth Dalcolmo.
A médica e pesquisadora da Fiocruz, Margareth Dalcolmo.Reprodução/TV Globo

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Dois milhões de doses da vacina da AstraZeneca devem chegar ao Brasil nesta sexta-feira (22), após uma semana de atraso. O país ―que até o momento têm poucas doses disponíveis em relação ao tamanho de sua população― ainda enfrenta entraves para conseguir importar a matéria prima necessária para produzir as vacinas contra a covid-19 nacionalmente. A questão já atrasam a entrega de novas doses e ameaçam uma descontinuidade na campanha de vacinação brasileira. Diante do impasse ―movido por uma série de desgastes nas relações diplomáticas causadas pelo Governo Bolsonaro e pela corrida global pelos imunizantes―, governadores clamam ao presidente que melhore as relações diplomáticas com a Índia e a China, os dois países que concentram a maior parte da produção mundial dos insumos. Paralelamente, alguns Estados dizem seguir suas tratativas com laboratórios para tentar comprar mais doses. Ceará, Rio Grande do Sul e Bahia são alguns dos que se mobilizam. Mas, com força de compra muito menor que o Governo Federal, têm um poder de negociação limitado e, portanto, ainda se ancoram principalmente nos imunizantes a serem disponibilizados pelo Plano Nacional de Imunizações (PNI).

A angústia com o atraso nos insumos motivou a pesquisadora da Fiocruz, Margareth Dalcolmo, a fazer um discurso emocionado enquanto recebia uma homenagem da Arquidiocese do Rio de Janeiro. Ela, que está desde o começo da pandemia atuando tanto na pesquisa quanto no cuidado de pacientes com covid-19 e agora participa dos esforços para produzir a vacina da Oxford/AstraZeneca em sua instituição, vê “absoluta incompetência diplomática do Brasil” diante do problema. “Eu adoraria estar dizendo que nosso cronograma será cumprido e que cada um receberá a única solução para este problema, mas pelo visto o que acabo de saber é que isto não poderá ser cumprido, independente de todo o nosso esforço”, lamentou Dalcolmo, em imagens que viralizaram nesta quarta-feira. A produção do imunizante está oficialmente atrasada em ao menos um mês por causa dos múltiplos desencontros com a Índia, onde fica a fábrica da Astrazeneca. Horas depois, a assessoria de imprensa da Fiocruz enviou um novo vídeo da pesquisadora, no qual ela diz que pode ter passado uma “impressão negativa” de que as vacinas não chegarão ao se pronunciar em um evento privado: “As vacinas chegarão com um atraso que gera em nós uma enorme expectativa”.

O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), já externou publicamente que há preocupação dos governadores com o baixo quantitativo de doses. Ele diz que determinou tratativas para uma possível compra futura da vacina russa Sputinik V, que tem perspectiva de produção no país e ainda não foi autorizada pela Anvisa, e mesmo de outros imunizantes. “Espero que não seja necessário, mas a forma como o próprio presidente trata o assunto faz com que se deixe um nível de tensão ainda em relação à efetiva disponibilidade das vacinas”, afirmou na última quinta-feira (18) em uma entrevista à CNN. Em nota, a Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul diz que “continua apostando e valorizando o PNI, com a perspectiva de que o Governo federal possa continuar distribuindo vacinas produzidas no Brasil e até vacinas compradas no exterior”, mas confirma o contato com laboratórios para futuras compras.

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A Bahia também tem como estratégia a compra da Sputinik. Assinou em agosto passado um acordo com o Fundo Soberano Russo, que administra o desenvolvimento da vacina, para o fornecimento de 50 milhões de doses. O Estado chegou a entrar com uma ação no Supremo Tribunal Federal para aplicar o imunizante mesmo sem o aval da Anvisa, que devolveu os documentos de pedido de uso emergencial pela ausência de testes clínicos no Brasil. A solicitação também foi negada pela falta de informações de eficácia solicitadas sobre os testes na Rússia. O ministro Ricardo Lewandowski determinou nesta sexta-feira (20) que a Anvisa apresente informações sobre a análise da Sputinik V para tomar uma decisão sobre o pedido da Bahia.

O secretário da Saúde da Bahia, Fábio Vilas-Boas, diz que também há tratativas com a Pfizer e com as chinesas Sinopharma e Sinovac. Ele espera que, com um pedido quantitativo inferior e sem entraves políticos, o Estado consiga fechar acordos diretamente com os laboratórios no exterior. “É possível que o laboratório não tenha capacidade de atender o Governo Federal, mas possa atender aos Estados. E o segundo ponto é que é possível em tese que exista alguma questão de ordem política por trás de uma negociação do Governo Federal com fabricantes e que esta dificuldade não exista com nosso Estado”, afirma.

Já o Ceará diz que tem tratativas em curso com a Pfizer. O governador Camilo Santana afirmou à imprensa local que atua em distintas frentes para tentar conseguir mais doses ao Estado. Por telefone, a Secretaria da Saúde do Estado confirmou que tenta negociar com o laboratório americano e que dialoga com outros, mas ainda em fase inicial.

A campanha de vacinação começou no Brasil com doses suficientes para vacinar apenas 4% dos grupos prioritários estabelecidos pelo Ministério da Saúde em dezembro. Outras 4,8 milhões de doses envasadas pelo Butantan já estão garantidas e devem ser distribuídas logo que a Anvisa autorize seu uso emergencial. Mas o quantitativo de vacinas concretas no horizonte, até a quarta-feira (20), ficava por aí. O Governo Federal tentava há dias importar 2 milhões de doses do imunizante da AstraZeneca fabricadas na Índia, mas dependia da negociação diplomática com o país, que tem preferido fechar acordos comas nações vizinhas. O Brasil foi o único país emergente a se colocar contra a defesa indiana pela quebra de patentes para democratizar as vacinas e gerou desgastes também ao anunciar publicamente a aquisição das doses da AstraZeneca antes da finalização das negociações. Nesta quinta-feira, a situação destravou: o Ministério da Saúde informa que as 2 milhões de doses da AstraZeneca devem chegar ao Brasil na sexta (22). “A carga vinda da Índia será transportada em voo comercial da companhia Emirates ao aeroporto de Guarulhos e, após os trâmites alfandegários, seguirá em aeronave da Azul para o aeroporto internacional Tom Jobim, no Rio de janeiro”, informou em nota.

Na corrida pelas vacinas, até a produção nacional enfrenta problemas. Esta era uma vantagem brasileira para conseguir ter doses para o país em meio à corrida global pela compra de imunizantes em um contexto no qual o Governo brasileiro apostou em contratos de aquisição com poucas farmacêuticas. É que tanto o Instituto Butantan como a Fiocruz dependem da matéria prima da China para seguirem suas produções e cumprirem os cronogramas de entrega. As negociações para a liberação do chamado IFA (Insumo Farmacêutico Ativo) pelo país asiático ainda não apresentaram soluções, embora diplomatas de carreira atuem para tentar reverter os desgastes causados pela postura do presidente Bolsonaro, seus filhos e a ala ideológica do Governo, que já acusaram a China de ser culpada pelo novo coronavírus e criticaram as vacinas fabricadas no país asiático.

Para além do desgaste político, há o fato de que a oferta dos insumos no momento é bem menor que a demanda e diplomatas ponderam que China e Índia, que concentram as produções, não estão dando conta. O problema não é exclusivo do Brasil. Até países que se prepararam para comprar vacinas de vários laboratórios estão enfrentando problemas para conseguir fazer chegar as doses necessárias para seguir vacinando sua população. O problema brasileiro para importar a matéria prima necessária à produção local também pode passar por “aspectos técnicos”, conforme o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse ter ouvido do embaixador da China no Brasil, Yang Wanming. Maia afirmou que Wanming negou que haja entraves políticos para a importação, mas disse ter conhecimento por outras fontes que o Governo brasileiro sequer procurou a embaixada para dialogar.

Em nota, o Governo Federal diz que vem “tratando com seriedade todas as questões referentes ao fornecimento de insumos farmacêuticos para produção de vacinas (IFA)” e que “é o único interlocutor oficial com o governo chinês”, em resposta provavelmente à iniciativa de Maia. O impasse sobre a questão ainda segue nos bastidores políticos e joga pressão também sobre o chanceler Ernesto Araújo, da ala ideológica do Governo. Tudo precisa ser solucionado com celeridade enquanto a pandemia se agrava no Brasil, que está em um momento de fragilidade de suas relações exteriores e isolado mundialmente após a saída de Donald Trump da presidência dos Estados Unidos. O Brasil diz que negocia a aquisição de vacinas com outros laboratórios, mas não há novos contratos firmados.

Mesmo que o Brasil consiga avançar nas tratativas para importar o IFA nos próximos dias, o cronograma de entrega da Fiocruz ―que produzirá a vacina da AstraZeneca, a grande aposta do Governo Bolsonaro para imunizar o país― já estaria atrasado. A instituição esperava entregar o primeiro lote ao Ministério da Saúde em fevereiro, mas não conseguiu começar a produção sem os insumos. Após a chegada desta matéria prima, é necessário mais de um mês para o fornecimento. Isso porque as doses fabricadas precisarão passar por testes de qualidade que demoram cerca de 20 dias, além do próprio tempo de produção. A assessoria de imprensa da Fiocruz diz ao EL PAÍS que, no momento, não tem detalhes do novo cronograma nem consegue precisar datas sobre a chegada do IFA.

A expectativa é que, na melhor das hipóteses (e se conseguir receber os insumos até 23 de janeiro), o primeiro lote seja entregue apenas em março ―justamente o mês no qual o Ministério da Saúde já esperava chegar a uma estabilização da produção local, com a entrega sistemática de doses. O problema levou procuradores da República nos Estados enviarem um ofício ao procurador-geral Augusto Aras para que cobre explicações dos ministérios da Saúde e das Relações Exteriores sobre as ações em curso.

Nesta quinta-feira (21), o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, disse à imprensa que os problemas existentes são burocráticos e não políticos. E que o contrato brasileira prevê a importação do IFA para a Fiocruz até o fim de janeiro. Portanto, ainda não é possível acionar as empresas contratualmente. “Estamos nos antecipando ao problema”, disse, negando atrasos. Pazuello também disse esperar uma “avalanche de propostas” de laboratórios que produzem vacinas nas próximas semanas. “A gente tem que estar com muita atenção e muito cuidado para colocar todas elas o mais rapidamente possível disponível, dentro da segurança e da eficácia e da nossa capacidade de colocar no lugar certo e na hora certa”, afirmou em um evento de lançamento de um programa de capacitação sobre imunização aos profissionais de saúde. O mundo tem uma corrida global pelos imunizantes.

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