Afastamento de Witzel abre precedente contra qualquer chefe de Executivo, dizem governadores
Governista Gladson Cameli (Progressistas), do Acre, e comunista Flávio Dino (PCdoB), do Maranhão, afirmam que processo legal não foi respeitado com relação ao governador do Rio
Um governador bolsonarista e outro que faz oposição ao presidente Jair Bolsonaro dizem que o afastamento de Wilson Witzel (PSC) do Governo do Rio de Janeiro pode gerar uma sequência de interrupções de mandatos em Executivos estaduais. Gladson Camelli (Progressistas), do Acre, e Flávio Dino (PCdoB), do Maranhão, entendem que a decisão monocrática de um ministro do Superior Tribunal de Justiça de afastar Witzel do cargo foi irregular e inconstitucional. Em entrevista ao EL PAÍS, ambos afirmaram que a decisão traz insegurança jurídica para todos os gestores. Nenhum dos dois analisou o mérito da questão, ou seja, se o governador fluminense cometeu ou não um crime.
Desde esta sexta-feira, Witzel está impedido de exercer o mandato para o qual foi eleito por uma decisão em caráter liminar proferida pelo ministro do STJ Benedito Gonçalves. O governador é suspeito de participar de um amplo esquema de corrupção que envolveria principalmente a área da saúde, com desvios de recursos que seriam destinados ao combate à pandemia de covid-19, e que teria a participação de membros do Legislativo e do Judiciário. Em pronunciamento, ele negou as acusações e disse ser vítima de perseguição política.
O Ministério Público Federal pediu a prisão preventiva do governador, mas o ministro Gonçalves entendeu ser suficiente o seu afastamento do cargo para evitar a continuidade das supostas atividades de corrupção e lavagem de dinheiro apontadas na investigação. Os dois governadores consultados pela reportagem são experientes na política. Dino é ex-juiz federal, foi deputado e está em seu segundo mandato como governador. Já Cameli foi deputado por dois mandatos e senador por um. Está em sua primeira gestão no Acre.
Pergunta. Como avalia a decisão do ministro Benedito Gonçalves que retirou o ex-juiz Wilson Witzel do Governo do Rio por 180 dias?
Flávio Dino. Considero que há um procedimento específico, regrado na Constituição. Esse regramento específico diz que pode haver afastamento de um governador se houver o recebimento de uma ação penal por um colegiado do STJ ou a Assembleia Legislativa fazer processo de impeachment. Tem simetria com a situação do presidente da República. Isso ocorre em proteção ao governador, não? Em proteção ao princípio da soberania popular. Entendo que o devido processo legal não foi observado. Há um risco que implica que o princípio da soberania popular seja enfraquecido. Se um governador pode ser afastado por decisão liminar de apenas um juiz, por que não o presidente da República?
Gladson Camelli. Vejo um claro enfraquecimento da democracia. Parece-me que a Constituição Federal não tem sido cumprida em seu direito. Nós, gestores, temos de fazer um juramento, em respeito à Constituição. Temos de honrá-lo. Mas parece que outros órgãos não estão cumprindo essas regras como deveriam
P. Qual o risco no futuro?
Para usar um termo em moda entre os bolsonaristas, pode passar a boiada. Outros governadores podem ser afastados.Flávio Dino
Dino. Para usar um termo em moda entre os bolsonaristas, pode passar a boiada. Outros governadores podem ser afastados. Esse é o problema das regras do jogo. Elas têm de ser cumpridas. Elas não são filigranas, não são enfeites, não são a cereja do bolo. As regras são o próprio bolo. Elas são a essência da democracia.
Cameli. A Justiça é soberana como qualquer outro poder é. Mas ela criou, sim, um mal-estar. Vivemos uma insegurança imensa. O que ocorreu com o Witzel pode ocorrer com todos nós governadores. Não estou discutindo se ele é culpado ou inocente. Mas a imagem que ficou perante a população é muito negativa.
A Justiça é soberana como qualquer outro poder é. Mas ela criou, sim, um mal-estarGladson Cameli
P. Enxerga um rompimento entre a autonomia entre os poderes?
Dino. Um governador pode remover um juiz? Não pode. Ele pode escolher o presidente do Tribunal de Justiça? Não. Da Assembleia? Não. Pode definir quantas comissões existirão no Legislativo? Não. Porque se tem autonomia de cada poder. Se se admite essa modalidade decidida pelo ministro do STJ for admitida é como entender que o Executivo seria um subpoder, o que ele não é.
Cameli. Não quero aqui que o Executivo passe por cima do Judiciário ou de um ministro do STJ. Espero que o governador possa dar suas respostas. Mas o que tem sido feito não é adequado. Prende agora para soltar daqui um tempo. Afasta por uns dias, para depois devolver o poder. Qual imagem fica para a sociedade. A pandemia nos deu lições difíceis. Vou te dar um exemplo, cheguei em um ponto que tive de chamar os órgãos de controle para dentro do Governo do Estado. Eu não mando na iniciativa privada que fez um aumento abusivo de preços em máscaras, respiradores, equipamentos de proteção. Tive de falar para os órgãos de controle: vocês compram que eu pago.
P. Como mudar esse cenário e trazer mais segurança para os mandatários?
Dino. Para ficar claro: não estou defendendo os atos do governador Witzel. Não conheço o processo dele. O que eu defendo é que o devido processo legal tem de ser levado em conta. Temos de assegurar a proteção do pluralismo político, que está previsto em nossa constituição. Ele tem direito à ampla defesa. Temos de lembrar que são os meios que justificam os fins, não o contrário.
Cameli. Ele está só um ano e oito meses no cargo. Todos sabem que ele pegou um sistema vicioso que vem de muito tempo. Quem consegue derrubar uma situação dessas assim de um dia para o outro? Ele tem direito a se defender. E o processo legal deveria ser respeitado. Quando fui senador reclamei em várias ocasiões da falta de respeito às regras do jogo. É o que parece que vem ocorrendo agora.
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