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Shoppings derrotam medo da covid-19 em São Paulo, onde 5.206 já morreram da doença

Filas e aglomerações foram inevitáveis na reabertura em centros comerciais populares na capital paulista.

Shopping Tatuapé teve fila com mais de 200 pessoas à espera da reabertura nesta quinta-feira, 11 de junho.
Shopping Tatuapé teve fila com mais de 200 pessoas à espera da reabertura nesta quinta-feira, 11 de junho.Toni Pires

Às três da tarde desta quinta-feira, primeiro dia de reabertura dos centros comerciais de São Paulo após a fase mais rígida da quarentena, já havia gente esperando às portas do shopping Tatuapé uma hora antes do horário previsto—os estabelecimentos só podem funcionar entre as 16h e as 20h—. Aos menos 250 pessoas faziam fila para entrar no popular centro de compras da zona leste da cidade. Eram famílias com crianças, casais e grupinhos de jovens que, embora com receio pelas mais de 5.000 mortes registradas na cidade por covid-19, aproveitaram a oportunidade para resolver pendências ou simplesmente matar a saudade do bastião de lazer da maioria dos brasileiros. A atração pelos shoppings derrotou o medo da doença cujo total de mortos nacionais passou de 40.000 nesta sexta-feira.

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Michelle de Jesus Inácio, 22, é vendedora em uma loja da rua Teodoro Sampaio, tradicional via de comércio do bairro de Pinheiros, zona nobre de São Paulo. No primeiro dia de reabertura das lojas desde o início da quarentena, em março, a vendedora observou mais gente em busca de novas roupas para o inverno do que de presentes para o Dia dos Namorados. "Mais do que pegar coronavírus, a gente tem mais medo é de pegar e levar para casa", diz ela.
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“Por uma parte [a reabertura] é boa, porque as pessoas precisam trabalhar e tem muita gente que depende desse comércio. Mas, por outra, com o número de mortes aumentando, não é uma boa ideia abrir agora”, pondera Ingrid Pereira da Silva, de 20 anos, também na fila para entrar no Shopping Tatuapé. Ela foi ao local comprar um tênis e contou que, assim como outros membros da família, já foi infectada pelo novo coronavírus. O Brasil já soma oficialmente 802.828 casos confirmados, de acordo com o Ministério da Saúde, um número certamente abaixo do real porque não há testes suficientes no país.

Os centros comerciais redobraram medidas de higiene e de atenção sanitária para a retomada das atividades. No Tatuapé, dois profissionais de saúde checavam a temperatura das pessoas que entravam. Esses profissionais, no entanto, descumpriam algumas das recomendações da OMS (Organização Mundial da Saúde), ao tocar, por exemplo, no ombro ou no tórax dos consumidores. Os frequentadores levavam, quase todos, máscaras de proteção facial, mas muitos as tinham no queixo, penduradas de uma orelha ou as retiravam para falar com alguém. Os responsáveis pelo shopping repetem que há máscaras e álcool em gel disponíveis para os clientes, que haverá restrição para o uso de elevadores e que um sistema de monitoramento por câmeras impede a lotação de lojas.

Ainda assim, a cena, que se repetiu por outros locais da cidade, especialmente os populares, confirma o receio de boa parte dos epidemiologistas, que apontam como prematura a reabertura do comércio tanto em São Paulo como no Rio de Janeiro. Os especialistas afirmam que as duas maiores cidades brasileiras não apresentam quedas sustentadas nem de casos nem de mortes para justificar o risco de reabrir shoppings.

Após mais de dois meses de quarentena, era compreensível o cansaço da população com o encerro. Entre os que esperavam para passear no Shopping Tatuapé, os discursos variavam. “Hoje em dia, com o número de gente que está morrendo, não deveriam reabrir. Tenho medo, mas tive que vir”, justifica-se Maurício Sérgio, de 17 anos, que acompanhava duas irmãs mais novas. “Tinha que resolver uma coisa em uma loja de eletrodomésticos e aproveitei para passear mesmo, dar uma volta”, disse.

Vera Lúcia, de 69 anos, foi comprar um tênis para o neto e defende a reabertura do comércio. “Acho que tem que tomar os devidos cuidados, usar a máscara, lavar as mãos, mas já deveria ter reaberto tudo há mais tempo. Tenho uma filha que é enfermeira e, em casa, eu lavo até a sola do sapato dela”, contou ela, que também tem uma sobrinha com covid-19 que está isolada em casa há 12 dias.

Consumo, logo existo

A corrida para os centros comerciais após a quarentena não é, no entanto, uma realidade exclusiva do Brasil. Na França, por exemplo, a saída do período de isolamento social foi marcada por filas enormes nas portas de lojas de departamento. As cenas brasileiras desta quinta carregam um simbolismo ainda maior de uma cidade que jamais parou como Madri ou Paris —seguiu mandando milhares para ruas para trabalhar na construção civil, por exemplo — e que enxerga nos shoppings um lugar muito além das compras. “Culturalmente, e também pela questão da segurança, o shopping é onde as pessoas se divertem, namoram, passeiam, onde se sentem protegidas. São lugares que fazem parte do cotidiano médio de qualquer brasileiro e esse cidadão tinha perdido seu principal lazer fora de casa”, explica a antropóloga Rosana Pinheiro-Machado, professora de Desenvolvimento Internacional da University of Bath (Reino Unido) e autora de um estudo sobre marcas, consumo e segregação no Brasil.

Shopping Higienópolis registrou pouco movimento no primeiro dia de reabertura.
Shopping Higienópolis registrou pouco movimento no primeiro dia de reabertura. Toni Pires

A alguns quilômetros do Tatuapé, o Shopping Higienópolis, frequentado por paulistanos de maior poder aquisitivo, também voltava a funcionar nesta quinta-feira, mas com menor movimento e com menos lojas abertas. Na praça de alimentação, metade dos restaurantes atendia ao pouco público que passava por ali, que só estava autorizado a comprar comida para levar para casa. Contava-se dez pessoas por andar e, ainda assim, elas não respeitavam a faixa na escada rolante que determinava o distanciamento de quatro degraus entre cada pessoa. O que se via em abundância, mas do que em circunstâncias normais de funcionamento, eram funcionários de limpeza, devidamente equipados, higienizando chão e corrimãos. Os consumidores recebiam máscaras de proteção ao chegar, tinham sua temperatura medida e tinham à sua disponibilidade totens de álcool em gel que funcionam por sensor.

Durante todo o dia, véspera do Dia dos Namorados, choveram nas redes sociais fotos e memes criticando a correria para os shopping centers. Mas Rosana Pinheiro-Machado pondera, no entanto, que esse comportamento não deveria surpreender. “A classe média que critica o consumo dos pobres, nem se vê como consumidora, apesar de mostrar todo dia nas redes sociais as caixas da Amazon ou o livro que comprou na pequena livraria local”, diz a antropóloga, que lembra as classes populares têm menos acesso à Internet ou a cartões de créditos, o que dificulta a compra online. “Sempre há uma expectativa de que o pobre não pode ter prazer, ele não pode ir no shopping, ele não pode comprar. A máxima do pobre é de que ele tem que alimentar sua prole e lutar para mudar sua vida", segue.

Nos cálculos dos epidemiologistas, São Paulo terá de monitorar detidamente os próximos 14 dias para medir os efeitos da reabertura do comércio, que, pelo fluxo de consumidores e trabalhadores terá efeito cascata também no transporte público —o prazo é uma referência ao tempo médio de incubação do novo coronavírus. O Governo promete que, se houver escalada de casos, vai recuar, como já fez em algumas cidades, como Ribeirão Preto. Por ora, a cidade comemora ter uma taxa controlada de ocupação de UTIs por pacientes da pandemia, de 65%. Ainda assim, a distribuição dos óbitos choca por espelhar a desigualdade: as franjas mais pobres da megalópole concentram as vítimas.



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