Atletas fazem de 2019 o ano da luta contra o preconceito
Personalidades da bola se manifestaram com firmeza contra a discriminação racial e de gênero
As denúncias de racismo, homofobia e sexismo nos estádios aumentam ano após ano. De acordo com levantamento parcial do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, o número de casos registrados apresentou alta de quase 20% em 2019. No entanto, vozes influentes do esporte se levantaram para confrontar o preconceito. Do brasileiro Taison, ofendido com insultos racistas na Ucrânia, à melhor jogadora do mundo, Megan Rapinoe, ativista pela igualdade de gênero, atletas começam a perceber o impacto que suas manifestações podem desempenhar no enfrentamento à onda de intolerância que afeta também o futebol.
Igor Julião
Atuante nas redes sociais, o lateral do Fluminense cobrou medidas após o companheiro Yony González ter sido chamado de “macaco” na Arena do Grêmio. “A ascensão de classe que o esporte nos proporciona incomoda muita gente. O futebol não pode ser o lugar em que racistas, xenofóbicos, misóginos e homofóbicos vomitarão seus absurdos e ficarão impunes”, publicou o jogador. Em outubro, após um jogo contra o Cruzeiro, ele presenteou com sua camisa um casal de torcedores gays do time mineiro que havia sido vítima de homofobia por causa da divulgação de uma foto em que apareciam abraçados no Mineirão.
A ascensão de classe que o esporte nos proporciona incomoda muita gente. O Futebol não pode ser o lugar que racistas, xenofóbicos, misóginos e homofóbicos vomitarão seus absurdos e ficarão impunes. Medidas precisam ser tomadas URGENTE. https://t.co/0WlrhmXXYe
— Igor Julião (@IgorJuliao2) May 6, 2019
Ludmila
Jogadora da seleção brasileira e do Atlético de Madri, a atacante fez um vídeo retratando como um segurança de supermercado na capital espanhola a seguia pelos corredores do estabelecimento. “É sempre a mesma coisa, sempre que eu entro no mercado tem um segurança pra me vigiar”, postou no Instagram. Uma de suas inspirações é a ativista norte-americana Angela Davis. Carrega como referência a frase “quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”.
Pogba
O volante do Manchester United foi alvo de ofensas racistas após perder um pênalti contra o Wolverhampton. Em resposta, ele postou uma foto carregando o filho no colo ao lado de um quadro de Martin Luther King. “Meus ancestrais e meus pais sofreram para que a minha geração pudesse ser livre hoje, para trabalhar, para pegar um ônibus, para jogar futebol. Insultos racistas são ignorância e só podem me deixar mais forte e motivado para lutar pela próxima geração.” Além da manifestação, o francês organizou um protesto em que jogadores do United usaram pulseiras contra o racismo no aquecimento para o jogo contra o Newcastle.
Rüdiger
Filho de mãe nascida em Serra Leoa, o zagueiro alemão pediu ao árbitro da partida entre Chelsea e Tottenham para interromper o duelo ao ouvir torcedores rivais proferirem gritos racistas em sua direção. “É muito triste ver novamente o racismo em um jogo de futebol, mas acho que é muito importante falar sobre isso em público. Caso contrário, será esquecido de novo em alguns dias (como sempre)”, manifestou o jogador do Chelsea.
Marta
Eleita seis vezes a melhor jogadora do mundo, a camisa 10 da seleção engajou-se como nunca na campanha por igualdade no futebol. Como embaixadora da ONU Mulheres, ela participou de eventos sobre empoderamento feminino e, durante a Copa, abraçou de vez a campanha por equiparação salarial das atletas. “Hoje temos uma mulher como a maior goleadora das Copas. Esse recorde não representa só a jogadora Marta, mas todas as mulheres num esporte ainda visto por muitos como masculino”, discursou ao celebrar a marca de 17 gols em Mundiais.
Cristiane
Igualmente envolvida na luta pela valorização do futebol feminino, a companheira de ataque de Marta ainda contribui para romper estereótipos na modalidade. Sempre que é questionada sobre a vida pessoal, não hesita em revelar sua orientação sexual nem de exaltar o relacionamento com a advogada Ana Paula Garcia, além de reforçar que o fato de ser lésbica nunca interferiu em seu desempenho no campo. “Não me deixo abalar por nenhum tipo de preconceito”, disse em sua apresentação no São Paulo.
Wijnaldum
Depois de um jogo da segunda divisão holandesa ter sido suspenso por cânticos racistas, o meia do Liverpool aproveitou a comemoração de um gol por sua seleção para chamar o companheiro De Jong, branco, e fazer um protesto contra a discriminação mostrando que a força da equipe estava justamente na mistura de raças. “Ninguém sabe o que é a dor de uma vítima de racismo. Nunca imaginei que isso pudesse acontecer na Holanda.”
Lucas Santos
Inspirado pelas letras do rap, o atacante do Vasco, embora recém-promovido das categorias de base, se tornou militante no meio do esporte contra o genocídio negro nas periferias. Criado na comunidade Para-Pedro, no Rio de Janeiro, ele tem criticado a política de segurança adotada pelo governador Wilson Witzel. “Saí da favela, mas não posso me dar ao luxo de ficar alienado enquanto matam negros e pobres”, afirmou ao EL PAÍS, quando ainda atuava por empréstimo pelo CSKA Moscou. Em dezembro, prestou solidariedade a Miranda, seu ex-colega de sub-20, que sofreu injúria racial em jogo contra o Independiente. “Macaco, não. Eu tenho orgulho da minha cor”, rebateu o zagueiro.
Balotelli e Lukaku
Principal alvo do racismo institucionalizado no futebol italiano, o atacante voltou a se rebelar contra a agressividade das arquibancadas. Em partida contra o Hellas Verona, o jogador do Brescia decidiu abandonar o campo por causa de provocações racistas, mas foi demovido da ideia por companheiros de time. Na sequência, anotou um golaço, assim como o belga Lukaku, da Inter de Milão, que encarou torcedores racistas do Cagliari depois de converter um pênalti. Ambos divulgaram posicionamentos cobrando punições severas das autoridades na Itália.
Megan Rapinoe
Ela foi escolhida como melhor jogadora do mundo depois de sagrar-se campeã e artilheira da Copa com os Estados Unidos. Ativista LGBT e contestadora do governo de Donald Trump, a atacante cobra mais participação dos atletas no combate ao racismo, sexismo e homofobia. “Se há um caso de racismo, por exemplo, e os jogadores em campo não ficam indignados, então, para mim, eles são parte do problema. Os grandes atletas precisam se engajar mais nessas questões”, afirmou em seu discurso ao receber a Bola de Ouro.
Taison
Durante o maior clássico da Ucrânia, os brasileiros Taison e Dentinho, do Shakhtar Donetsk, foram alvejados por insultos racistas de torcedores do Dínamo de Kiev. O ex-atacante do Internacional reagiu. Se voltou para a torcida adversária, chutou a bola e fez um gesto obsceno em sua direção. Expulso pelo árbitro, publicou manifesto em seu Instagram citando uma letra do Racionais MC’s e com teor semelhante ao histórico discurso de Roger Machado, técnico do Bahia, no Maracanã: “Não basta não ser racista. É preciso ser antirracista. Jamais irei me calar diante de um ato tão desumano e desprezível”.
Sterling
Após apontar racismo em parte da cobertura sobre futebol na mídia inglesa, o atacante do Manchester City tem sido uma das vozes mais potentes pelo enfrentamento à discriminação racial na Inglaterra. Em outubro, jogadores negros da seleção inglesa sofreram insultos racistas de torcedores búlgaros, que, na mesma partida, também fizeram saudações nazistas. Sterling, autor de dois gols no jogo, respondeu assim: “Sentindo pena da Bulgária ser representada por esses idiotas em seu estádio. Enfim, 6 a 0 e voltamos para casa, pelo menos fizemos o nosso trabalho”. Ele recebeu o prêmio Dignidade e Impacto por sua luta contra o racismo. “Tenho orgulho de ser negro.”
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