Designação de uma gaga como porta-voz parlamentar abre um debate em Portugal
Seu partido, o Livre, pediu mais tempo para suas intervenções, enquanto analistas políticos e alguns deputados criticam sua eleição
Nas últimas eleições portuguesas, em 6 de outubro, o partido de esquerda radical Livre conseguiu colocar sua cabeça de chapa, Joacine Katar Moreira (Bissau, 1982) na Assembleia da República. É a primeira mulher negra, feminista, antirracista e com gagueira do Parlamento português.
“Eu gaguejo quando falo, não quando penso”, anunciou a candidata da formação numa entrevista à TV durante a campanha eleitoral. “Para a Assembleia da República, os indivíduos [parlamentares] que gaguejam quando pensam são o maior risco”.
A escolha de Katar Moreira por parte de seu partido levantou a primeira polêmica logo após a posse da nova Câmara de Deputados. O Livre pediu que fosse concedido um tempo extra à representante por causa do seu transtorno na fluidez da fala. “Para que haja um tratamento igualitário e uma igualdade de oportunidades, deve haver uma tolerância e tem que ser atribuído o tempo para que a deputada possa expor suas ideias”, declarou o porta-voz da agremiação, Paulo Maucho.
Na sessão de controle do Governo da última da quarta-feira, Matar Moreira não conseguiu formular sua pergunta nos 90 segundos que dispõem os partidos que têm apenas um deputado, como é o caso do Livre. Sua pergunta sobre os incentivos à taxa de natalidade demorou o dobro do tempo estipulado e foi confusa.
Analistas políticos de todas as tendências já haviam abordado o caso, não tanto pela gagueira, mas pelo trabalho de Katar Moreira, a quem pediram que renunciasse ao cargo. “Ela precisa de uma cura de humildade”, afirmou o escritor Miguel Sousa Tavares. “O problema é a dificuldade de passar a mensagem do seu partido”, disse o comentarista Luis Marques. O colunista João Miguel Tavares enfatiza a falta de habilidade de Katar Moreira não para ser parlamentar, mas para se desempenhar na função de porta-voz. “A palavra parlamento em do francês parler, falar. Não há democracia sem debate, e não é possível debater num Parlamento sem um mínimo de fluidez discursiva. Se Joacine pertencesse a um grupo parlamentar, haveria outros deputados disponíveis para falar no recinto e ela poderia se dedicar a escrever discursos ou marcar as linhas estratégicas. Não havendo ninguém, suas intervenções na Assembleia são triplamente absurdas; para ela, que sofre horrores com aquela exposição; para os demais deputados e para os jornalistas e eleitores, que não entendem nada do que diz”.
Mas essa não é a única circunstância que tem sido criticada sobre a representante. Na semana anterior, ela se absteve na condenação a Israel pelos ataques contra Gaza, quando seu partido estava a favor, o que lhe acarretará uma medida disciplinar; ela também deixou vencer o prazo regulamentar sem apresentar iniciativas sobre a futura lei de nacionalidade portuguesa, fundamental na política de seu partido.
Numa das sessões, os jornalistas foram atrás dela para lhe fazer perguntas. Quando a encontraram, ela acabava de dar uma entrevista à rede Al Jazeera, na Sala dos Passos Perdidos da Câmara. A deputada não quis falar, mas os jornalistas insistiram. Finalmente, seu assessor, Rafael Esteves Martins, decidiu chamar a polícia para protegê-la dos repórteres, algo que jamais havia ocorrido no Parlamento.
A atuação da representante do Livre e de seu assessor foi condenada pela Ordem dos Jornalistas, que qualificou o incidente como um atentado à liberdade de expressão na casa da democracia. “Acredito que precisamos começar a respeitar uns aos outros”, respondeu a deputada. O caso não acabou aí, pois o assessor escreveu em sua conta do Twitter que “o trabalho dos jornalistas é precário, mal pago, sujeito a desordens mentais” e que “a cultura do trabalho” de Katar Moreira é uma “cultura de descanso, no sentido intelectual do termo”.
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