Camacho, o líder dos protestos na Bolívia que quer “devolver a Deus o Palácio do Governo”
Católico fervoroso, este líder oposicionista costuma pronunciar seus discursos com um terço na mão. Membro da elite boliviana, ele visitou o chanceler Araújo em Brasília em maio
O líder do movimento cívico que derrubou Evo Morales, Luis Fernando Camacho, não para de pedir. Ao longo da crise boliviana, suas demandas aumentaram rapidamente: primeiro, segundo turno das eleições; depois, novas eleições; depois, a renúncia do presidente e, agora, a de todos os parlamentares governistas e dos membros tribunais de Justiça. Nesta segunda-feira ele tentou moderar sua posição fazendo um chamado a uma transição constitucional.
Camacho não acredita no sistema político tradicional, mas apenas no "povo" que ele liderou durante o protesto que terminou com a renúncia de Morales e que agora o adora. Pela primeira vez em muitas décadas, um líder de Santa Cruz tem enorme popularidade e influência em todo o país, inclusive no oeste, geralmente mais inclinado à esquerda e enciumado do poder econômico e político da terra de Camacho.
Até onde esse personagem chegará? Ninguém sabe ao certo. Ele e seu principal companheiro, o líder cívico de Potosí, Marco Pumari, são recém-chegados ao cenário político boliviano. Lideraram o movimento por causa de sua condição de presidentes de comitês civis, associações empresariais e organizações de bairro das nove regiões, na Bolívia conhecidas como departamentos. Normalmente, esses comitês se ocupam de reivindicações regionais e são comandados pelas elites locais. Camacho, filho do empresário do ramo de seguros e ex-presidente do mesmo comitê que ele agora lidera, José Luis Camacho, é membro da elite de Santa Cruz. Tem 40 anos e nunca participou de política antes. Ele se projeta como a renovação da política e não esconde suas críticas e antagonismos com os líderes tradicionais da oposição: Carlos Mesa e Samuel Doria Medina.
Católico fervoroso, nos últimos dias quis levar uma carta de renúncia já escrita para Morales, para que este a assinasse, e fez isso "armado somente com a Bíblia". Além disso, geralmente pronuncia seus discursos com um terço na mão e se ajoelha para rezar em público. Uma de suas metas é "devolver a Deus o Palácio do Governo", dada a secularidade do Estado promulgada na Constituição de 2006. Seu catolicismo se estendeu a todo o movimento, que realizou greves, bloqueios nas vias de comunicação, vigílias, missas e orações públicas, entre outras atividades.
Visita ao Brasil e conversa com o chanceler
Em maio, já em plena campanha contra a candidatura à reeleição de Morales (conseguida por meio de uma manobra judicial), Camacho veio ao Brasília e se reuniu com o chanceler Ernesto Araújo. Depois, postou um vídeo em que dizia que o Brasil era "garantidor" da Constituição boliviana e iria apoiar o questionamento da candidatura do boliviano na CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), o que não aconteceu. Segundo o Itamaraty, a audiência foi agendada pela deputada bolsonarista Carla Zambeli (PSL-SP). Segundo o jornal Valor Econômico, o líder da revolta boliviana também esteve no Planalto, para se reunir com o assessor internacional da presidência, Filipe Martins.
Em Santa Cruz, uma região com influência de produtores rurais brasileiros lá radicados, Camacho e o grupo de líderes que ele lidera foram relacionados a Branco Marincovich, um dos oponentes de Morales que, acusado de "separatismo e terrorismo", vive no exílio. São regionalistas, liberais em questões econômicas, direitistas em política e radicalmente opostos ao ex-presidente Morales. Na política interna, eles antagonizam com o partido do atual governador de Santa Cruz, Rubén Costas, um oposicionista moderado, e é por isso que apoiaram Carlos Mesa nas últimas eleições, em vez de se juntar ao que era supostamente o candidato regional, Oscar Ortiz, que era a cartada de Costas. Esse apoio permitiu a Mesa vencer em Santa Cruz e isso, por sua vez, impediu que Morales saísse claramente eleito.
"Macho Camacho", como é chamado, desperta a admiração e simpatia da população que saiu às ruas. Agradecem-no por "libertar o país do ditador". Elogiam sua virilidade e presença física. Nas redes sociais é tão popular, ou até mais, que astros da música. Camacho tem um sorriso e um abraço para todos. Ele transita sem problema entre "collas", a população da zona indígena da Bolívia, e "cambas", o povo do leste do país, majoritariamente opositor de Morales, entre "índios" e "qharas" maneira depreciativa de chamar a população branca. E quando lê seus discursos, sempre envia agradecimentos à sua família e sua região. Com seu aspecto de garoto justiceiro e implacável, seu radicalismo, que não ficou na retórica, constitui a antítese dos dirigentes governistas e opositores do ciclo político anterior. E é por isso que ele é o homem do momento.
Tu suscripción se está usando en otro dispositivo
¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?
Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.
FlechaTu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.
Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.
En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.
Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.