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Moraes ignora Dodge e mantém inquérito do STF que apura ataques à corte

Batalha de decisões aprofunda choque institucional por investigação aberta pelo próprio Supremo. Operação da PF cumpriu oito mandados no caso das ‘fake news’ contra ministros

Alexandre de Moraes, ministro do STF.
Alexandre de Moraes, ministro do STF. Adriano Machado (Reuters)

Não há desfecho à vista na novela judicial a respeito do inquérito aberto pelo próprio Supremo Tribunal Federal para apurar ataques e propagação de notícias falsas sobre ministros da Corte. Horas de depois de a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pedir o arquivamento do controverso inquérito, dizendo que não havia previsão legal para ele, o ministro do STF, Alexandre de Morais, relator do referido inquérito, rejeitou o pedido de Dodge em termos duros. Assim, fica mantida a investigação que na manhã desta terça-feira instruiu a Polícia Federal (PF) a cumprir oito mandados de busca e apreensão em vários Estados. Também se mantém a censura aos sites O Antagonista e Crusoé, instruídos a excluir uma reportagem e notas publicadas na semana passada que mencionam o presidente da corte, Antonio Dias Toffoli, em delação do empresário Marcelo Odebrecht.

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Após o STF instaurar o procedimento de investigação no dia 14 de março, a procuradora-geral já havia solicitado ao relator informações sobre o objeto específico do inquérito e a apuração, mas não recebeu resposta, ainda que a legislação determine o envio da investigação ao Ministério Público no prazo de 30 dias. Mesmo sem resposta, a procuradora disse ter tomado conhecimento das ações autorizadas pelo ministro Alexandre de Moraes enfatizou a importância da separação das funções no processo de persecução penal. “O sistema penal acusatório é uma conquista antiga das principais nações civilizadas, foi adotado no Brasil há apenas trinta anos, em outros países de nossa região há menos tempo e muitos países almejam esta melhoria jurídica. Desta conquista histórica não podemos abrir mão, porque ela fortalece a justiça penal”, pontua na decisão em que cita a censura à revista Crusoé. "Não se configura constitucional e legalmente lícito o pedido genérico de arquivamento da Procuradoria Geral da República", rebate Moraes, dizendo que o STF tem sim o poder de instalar uma investigação.

Sob o título “O amigo do amigo do meu pai”, a reportagem da Crusoé cita esclarecimentos respondidos nos últimos dias por Odebrecht a questionamentos da PF sobre quem seria a pessoa por trás do codinome “o amigo do amigo do meu pai”, captado em trocas de emails de julho de 2007 entre o empresário e executivos do grupo. A alcunha era atribuída ao presidente da Corte, Dias Toffoli, então Advogado Geral da União do ex-presidente Lula, esclareceu Odebrecht. Embora a reportagem tenha feito a ressalva de que a informação não apontava nada ilegal – apenas sugeria que Toffoli falasse a respeito –  os sites foram notificados na segunda-feira (15/04), suspendendo a circulação da reportagem. O ministro ainda determinou uma  multa por descumprimento de 100.000 reais por dia.

A operação desta terça, ordenada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, marcou a posição da corte após críticas contundentes por toda a imprensa sobre a censura aos órgãos de imprensa. As buscas, que acontecem em São Paulo e Brasília, tem como um dos alvos o general da reserva Paulo Chagas (PRP-DF), que foi candidato ao governo do Distrito Federal no ano passado. "Caros amigos, acabo de ser honrado com a visita da Polícia Federal em minha residência, com mandato de busca e apreensão expedido por ninguém menos que o ministro Alexandre de Moraes. Quanta honra! Lamentei estar fora de Brasília e não poder recebê-los pessoalmente", escreveu Chagas em seu Twitter no início da manhã. As redes sociais dos alvos da operação foram bloqueadas, segundo informações da imprensa. Mas, a proibição do texto da revista Crusoé acabou surtindo um efeito bumerangue. A íntegra do texto foi partilhada por grupos de Whatsapp. Também o jornal digital The Intercept Brasil desafiou a decisão da corte e publicou na íntegra o texto censurado na Crusoé. 

A reportagem, interpretada como ofensiva por Alexandre de Moraes, cita um e-mail enviado por Odebrecht a dois executivos da empreiteira, Adriano Maia e Irineu Meirelles, no qual o empresário escreveu: "Afinal vocês fecharam com o amigo do amigo de meu pai?". De acordo com Odebrecht, esse "amigo do amigo de meu pai" seria Dias Toffoli. Não há referência a pagamentos no email.

Marcelo Odebrecht explicou à PF, de acordo com a revista, que a mensagem se referia a tratativas que o então diretor jurídico da empreiteira, Adriano Maia, tinha com a AGU sobre temas envolvendo as hidrelétricas do rio Madeira, em Rondônia. Após a decisão de Moraes, a direção da revista reafirmou o teor da reportagem, considerada pela publicação como censurada pelo Supremo. Moraes justificou sua decisão afirmando que a Constituição proíbe a censura prévia, mas permite reparações posteriores à publicação de um conteúdo. O ato foi condenado por políticos, entidades como a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e até mesmo o vice-presidente Hamilton Mourão. “Não tenho dúvidas de que é censura. Mas vai além da censura”, disse Mourão.

O inquérito do STF que culminou na operação desta terça foi aberto em março pel ministro Dias Toffoli para apurar, segundo a corte, fake news, ameaças e ofensas caluniosas, difamatórias e injuriosas a ministros do Supremo e seus familiares. Ela ganhou força depois que o ministro Gilmar Mendes teve dados vazados que apontariam suposta fraude fiscal dele e de sua mulher, Guiomar Mendes. Para a Abraji, a ação do STF acabou por atingir seu primeiro alvo: a liberdade de imprensa.

Lava Toga

A censura aos sites O Antagonista e Crusoé reacendeu no Senado a pressão pela aprovação da chamada CPI da Lava Toga —criticada pelo senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente—, para investigar procedimentos e possíveis ilegalidades de atos dos magistrados do Supremo. Na semana passada, a CCJ do Senado decidiu arquivar a CPI da Lava Toga. Após o episódio de censura, ela voltou a ser aventada. A palavra final será do plenário, mas o tema ainda não foi pautado. 

O advogado-geral da União, André Mendonça, nomeado pelo presidente Jair Bolsonaro, já havia emitido um parecer favorável ao inquérito do ministro Dias Toffoli no dia 3 de abril, quando a Rede Sustentabilidade entrou com ação contra o inquérito do STF. A AGU considerou, então, a ação da Rede improcedente. O presidente, por outro lado, foi às redes nesta terça dizer que é favorável à liberdade de expressão, embora apoie a autonomia dos poderes. “Acredito no Brasil e em suas instituições e respeito a autonomia dos poderes, como escrito em nossa Constituição. São princípios indispensáveis para uma democracia. Dito isso, minha posição sempre será favorável à liberdade de expressão, direito legítimo e inviolável”, afirmou em seu Twitter. Desta forma, encontrou uma maneira diplomática de se posicionar publicamente diante do imbróglio que uniu esquerda e direita contra o STF.

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