Disputa entre Lava Jato e STF se acirra com novas prisões e inquérito sobre ‘fake news’
Senadores suspeitam que ministros que enfraqueceram Lava Jato querem evitar investigação do Judiciário
No mesmo dia em que a Operação Lava Jato voltou a prender políticos de grande relevância, o Supremo Tribunal Federal (STF) colocou na rua uma equipe de agentes da Polícia Federal para apurar o que o presidente da Corte, Antonio Dias Toffoli, classificou na semana passada como fake news contra ele e seus colegas. Se a prisão do ex-presidente Michel Temer e do ex-ministro Moreira Franco, entre outros, soou como resposta da Lava Jato à decisão do STF de permitir que a Justiça Eleitoral julgue processos que contenham o crime de caixa dois, as investigações do Supremo, iniciadas pelos Estados de Alagoas e São Paulo, são encaradas como resposta às críticas feitas pelos procuradores da operação que dita os rumos de Brasília há cinco anos. Esse embate entre procuradores e ministros dos STF serve de pano de fundo, às vezes decisivo, para as disputas políticas travadas desde que a Lava Jato começou, em 2014.
No Governo Bolsonaro, a forma mais recente da disputa se materializa em torno da Comissão Parlamentar de Inquérito do Lava Toga, um nome jocoso dado à proposta de investigar o próprio Judiciário. Mal foi protocolada no Senado, a CPI já corre o risco de ser sepultada. Nas últimas semanas, senadores que se proclamam independentes uniram-se para buscar o apoio de seus pares para conseguir as 27 assinaturas necessárias para abrir a comissão. Obtiveram duas a mais do que as necessárias, mas o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), um aliado do Governo Jair Bolsonaro (PSL), sinalizou que ainda não sabe se vai instalá-la. O motivo: a consultoria técnica do Senado entendeu que parte dos 13 itens apontados como suspeitos para serem investigados são temas que, teoricamente, não poderiam ser investigados. No entendimento dos consultores, tratam-se de atribuições específicas do Poder Judiciário. Ou seja, eles não poderiam se debruçar sobre decisões de magistrados. "Há o entendimento de parte da consultoria e dos advogados do Senado, de que não existem, na sua totalidade os fatos determinados apresentados no requerimento".
Antes de dar essa declaração, na tarde de terça-feira, Alcolumbre havia dito em duas ocasiões que defendia a harmonia entre os Poderes. "Estamos vivendo um momento delicado da história nacional, em que as instituições precisam estar fortalecidas, que a independência e a harmonia têm de prevalecer". Entre os parlamentares que querem o engavetamento da apuração o consenso é que o momento seria de evitar cizânia com o Judiciário. A mobilização é puxada por petistas -- um dos poucos partidos que não registraram assinaturas na CPI -- e por membros da velha guarda no Senado, como Renan Calheiros (MDB-AL), Kátia Abreu (PDT-TO) e o líder do Governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE). Coelho ainda tentou, em vão, convencer seus colegas e retirarem assinaturas do requerimento de instalação da CPI.
Principal articulador para a criação da CPI, o senador Alessandro Vieira (PPS-SE), disse esperar bom senso de Alcolumbre e que ele cumpra as regras ao instalar a CPI. "A instalação se impõe, é um direito da minoria. Se você tem um número e tem um fato, a instalação é automática, ela não depende do juízo de valor do presidente ou de quem quer que seja". Segundo ele, há constantes tentativas de pressionar pelo arquivamento da investigação. "Ninguém está buscando guerras entre poderes, mas existem poderosos que estão se escondendo nas instituições e tentando criar esse tumulto." Nos bastidores, senadores suspeitam que ministros que enfraqueceram a Lava Jato querem evitar investigações contra o Judiciário.
Derrota da Lava Jato
Se no Congresso o embate está perto de tomar proporções grandiosas, internamente, a decisão do Supremo Tribunal Federal enfraquecendo a Lava Jato já deve trazer seus primeiros reflexos. Na semana passada, por 6 votos a 5, o STF decidiu que, quando conexos com delitos eleitorais, os crimes comuns devem ser julgados pela Justiça eleitoral. A expectativa é que haja uma avalanche de habeas corpus para reverter condenações, principalmente. Em cinco anos, só na Lava Jato, já ocorreram 242 condenações de 155 pessoas por crimes contra o sistema financeiro internacional, corrupção, tráfico transnacional de drogas, formação de organização criminosa e lavagem de dinheiro. Todos os casos passarão a ser revisados tanto por advogados quanto por procuradores. Os dois lados, aliás, se opuseram também na avaliação sobre a decisão do STF.
O coordenador da força-tarefa no Paraná, o procurador Deltan Dallagnol, que tentou tocar uma campanha nas redes sociais para tentar evitar a decisão do STF, disse que “potencialmente, todos os casos estão sob risco”. “Os casos vão ser anulados sempre que o tribunal chegar à conclusão de que o dinheiro não foi só para o bolso do envolvido, mas também para financiar campanhas eleitorais”, afirmou em entrevista para a rádio CBN. Por isso, nesta quinta, na decisão que levou à prisão de Temer, o juiz Marcelo Bretas fez questão de ressaltar que, no caso analisado, não havia "elementos que indiquem a existência de crimes eleitorais" —uma tentativa de evitar que a posição do Supremo invalide sua decisão em relação ao ex-presidente.
Segundo Dallagnol, sua equipe agora tentará provar a desvinculação dos delitos comuns dos eleitorais. Caso contrário toda a Lava Jato estará sob risco porque os tribunais poderão cancelar decisões desde que entendam que o dinheiro desviado por autoridades públicas, não foi só para o bolso do envolvido, mas também para financiar campanhas eleitorais. “Quando a gente olha o esquema como um todo da Lava Jato, era isso o que acontecia. Eram políticos e partidos que colocavam pessoas para chefiar órgãos públicos com objetivo de arrecadar propinas. Essas propinas enriqueciam eles e iam para campanhas eleitorais”.
Entre os críticos à decisão, a avaliação é que a Justiça eleitoral não tem estrutura nem expertise para analisar os casos complexos, como formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. Além disso, também questionam a transitoriedade dos magistrados eleitorais. Enquanto na Justiça comum federal um magistrado geralmente fica dedicado exclusivamente a um tema, na eleitoral, ele faz uma espécie de “bico”, de “freelancer”, já que divide suas atribuições em determinada vara de atuação com os julgamentos de casos que tratam de votações.
Já os que aplaudiram a decisão dizem que o STF apenas está cumprindo toda uma jurisprudência de três décadas. “As críticas são terroristas e vêm de uma equipe que está em vias de ser extinta”, disse ao EL PAÍS o ex-corregedor-geral de Justiça e ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça, Gilson Dipp. Segundo ele, quem diz que os juízes eleitorais não têm condições de julgar crimes comuns estão desacreditando todo o sistema judicial. “Quem é o procurador-geral eleitoral? É o procurador-geral da República. Se ele pode apresentar acusações de crimes comuns e eleitorais, por qual razão um juiz não pode julgar os dois casos?”, indagou Dipp.
Já o advogado Fernando Neisser, coordenador adjunto da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político chamou as críticas de “cortina de fumaça, pois oculta os reais motivos por trás da proposta”. “A Operação Lava Jato representa uma captura, por parte dos acusadores, sobre os julgadores. Quem acusa atua em parceria com quem julga, fazendo desaparecer a linha tão necessária que separa estas funções em uma democracia”. Esse especialista ainda diz que a Lava Jato não quer ver seus processos “fora de seu controle”. É algo semelhante ao que Dallagnol disse na entrevista para a CBN: “A gente vai tentar salvar o que a gente puder. Mas saiu totalmente do nosso controle. Não tem nada do que a gente possa fazer para reverter o que aconteceu”.
Projetos de lei e pressão nas redes
Uma das alternativas para reverter esse cenário a favor da visão dos procuradores é que o Congresso Nacional aprove um dos projetos de lei que tramitam no Legislativo com teor semelhante. Um está na Câmara, de autoria do Poder Executivo por intermédio do ministro e ex-juiz da Lava Jato, Sergio Moro, e outro que está no senado, firmado pelo senador Major Olímpio Gomes (PSL-SP). Ambos tentam dividir os processos. Ou seja, quando em uma investigação for constatado que houve, por exemplo, corrupção e caixa dois, a corrupção será julgada pela Justiça comum e o caixa dois, pela eleitoral. As duas propostas só foram protocoladas no parlamento, não há previsão de quando entrarão em pauta nas comissões e, posteriormente, nos plenários das casas.
Nas redes sociais, parte dos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PSL), convocam novos protestos para os próximos dias. Um foi realizado no domingo, dia 17. A ideia é manter elevada a temperatura do debate e a pressão sobre os ministros do Supremo. Alguns defendem o fim do STF ou que ele seja substituído. Um deles foi o deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP), que pelo Twitter elogiou o Congresso do Peru, que destituiu a cúpula do judiciário do país. Disse o deputado: “Dessa vez foi a população do Peru que deu o exemplo para região do que fazer com juízes ‘supremos’.”
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