Bolsonaro terá trégua de seis meses no Congresso para dizer a que veio
Gerenciar a máquina pública com ministério de neófitos e entregar reformas liberais serão desafios
O Governo Jair Bolsonaro (PSL) terá seis meses de trégua com o Legislativo para mostrar a que veio. Isso, se antes ele não atropelar o Congresso Nacional governando por decretos, como já anunciou que o fará em ao menos um tema, o da posse de armas para os cidadãos que não possuam registros criminais. A avaliação, feita ao EL PAÍS por três lideranças de partidos do centro e da direita, mostra que apesar de na largada Bolsonaro ter uma boa aprovação popular (65% acham que o Governo será ótimo ou bom, segundo o Datafolha), o presidente não terá vida fácil no Legislativo, seu habitat nos últimos 28 anos. E é do Parlamento e de suas três dezenas de partidos que ele depende para entregar um pilar essencial do seu Governo, a aprovação de reformas e medidas para diminuir o tamanho do Estado.
O tempo de vida nos gabinetes parlamentares reforçou que Bolsonaro jamais teve um perfil negociador. Pelo contrário. Sempre foi um deputado federal corporativista e de propostas radicais. Nunca ocupou cargo de destaque em comissões ou relatou projetos relevantes. Tampouco aprovou leis de destaques. E, agora, não faz questão buscar essas habilidades políticas nem de se cercar de quem as tenham. Durante a campanha eleitoral ele disse que negociaria com frentes corporativas/temáticas. Assim o fez quando eleito. Ao invés de destinar cargos do primeiro escalão a determinados partidos, preferiu ouvir representantes das bancadas cristã, ruralista, da segurança pública e da saúde, para escolher os seus ministros. Em tese, quis fugir do toma lá dá cá dos partidos. Na prática, terá de provar que escolher sete militares para seus ministérios e de eleger dois “superministros” com estrela própria (Sergio Moro, da Justiça, e Paulo Guedes, da Economia) funcionará.
Vendendo-se como o "antipolítico" e manejando as redes sociais com maestria, principalmente entre os que estavam exaustos dos governos petistas, Bolsonaro conseguiu se eleger e levou consigo, a reboque, uma considerável bancada de ativistas e representantes da extrema direita. O número de parlamentares, num primeiro momento, não lhe dará maioria congressual. Estima-se que ele terá cerca de 200 dos 513 deputados e aproximadamente 30 dos 81 senadores. Portanto, ele terá de seduzir seus apoiadores. Para isso, dependerá de outro veterano no Legislativo, o deputado federal reeleito e ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM). A dificuldade, neste caso, é que Onyx não é dos políticos mais afáveis ou flexíveis. É o que chamam de cabeça-dura. E, além da cota política, ele está na cota dos membros do primeiro escalão que respondem à investigação – algo que Bolsonaro sinalizou que não teria em sua gestão. Os outros são Luiz Henrique Mandetta, da Saúde, Tereza Cristina, da Agricultura, e Ricardo Salles, do Meio Ambiente.
Uma outra dificuldade nos próximos meses será o de demonstrar que os neófitos em administração pública serão capazes de gerenciar estruturas monumentais. Dos 22 ministros de Bolsonaro, apenas oito já tiveram funções no Executivo federal, municipais ou estaduais. Só dois deles foram ministros – Osmar Terra (MDB) e Wagner Rosário.
Ruídos nos escalões intermediários
A inabilidade entre os auxiliares já deu seus primeiros sinais em um dos ministérios-chave do Governo, o da Educação, que tem segundo maior orçamento da Esplanada, 122 bilhões de reais. O ministro Ricardo Vélez, um filósofo sem experiência de gestão e que diz ter como missão “desideologizar” as escolas brasileiras, demitiu seu futuro secretário-executivo antes mesmo da posse. Na última sexta-feira, Vélez disse ao cientista político Antônio Flávio Testa que ele não seria mais seu número dois na pasta.
Durante o Governo de transição, Testa havia sido o responsável por levantar todos os dados administrativos do ministério. Tinha os levantamentos relevantes referentes ao funcionamento da máquina, desde os sistemas de tecnologia da informação até o de recursos humanos. Antes, havia composto a equipe do presidente que elaborou seu plano de Governo a partir de abril deste ano. Vinculado ao grupo dos generais, era tido como um nome certo no segundo ou terceiro escalão na Esplanada. Nestas primeiras semanas ficará na sombra.
Afora as rusgas entre os seus subalternos, Bolsonaro também terá de conter a língua de seus três filhos políticos (Carlos, Flávio e Eduardo) e o envolvimento de um ex-assessor de um deles em supostas irregularidades com recursos de servidores da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Recentemente ele mandou o recado à sua prole. “A campanha acabou, agora temos de governar”.
Algo que o novo presidente fez de diferente em relação aos seus antecessores foi o de elencar uma agenda de ações nos primeiros meses do ano. Entre elas, a de no primeiro mês de trabalho rever todos os atos dos últimos sessenta dias da gestão Michel Temer (MDB). Prevê ainda que, quando completar 100 dias de Governo, possa fazer uma cerimônia para comemorar o período – algo semelhante ao que os presidentes americanos fazem. Nesse período já será possível se ter uma ideia qual será o Brasil de Bolsonaro, de fato. Se o que ele apresenta aos seus apoiadores, com palavras radicais, ou o que ele discursa nos atos solenes, nos quais defende a Constituição e as instituições.
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