Conselheiro de Bolsonaro: “Nos preocupamos em retomar a economia e, se possível, gerar emprego”
Cientista político Antônio Flávio Testa que apoiou Collor e votou em Lula, é voluntário na campanha do militar. Ele atua em um grupo de técnicos que elabora projetos para candidatura do PSL
O cientista político Antônio Flávio Testa já apoiou bandeiras diferentes. Foi aliado de Fernando Collor (PTC), quando o alagoano foi presidente. Colaborou com gestões antagônicas no Governo do Distrito Federal, como de Cristovam Buarque (ex-PT, hoje no PPS), Joaquim Roriz (PMN) e José Roberto Arruda (PR). Já votou em Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para presidente. E agora, depois de quase 50 anos de profissão, decidiu seguir Jair Bolsonaro (PSL). Convidado para colaborar com o programa de governo do presidenciável de extrema direita, Testa é um dos elos do político militar reformado com o meio acadêmico. Coordena um grupo que reúne cerca de 40 técnicos e é subordinado a uma tríade de generais do Exército.
Servidor aposentado do Senado e professor da Fundação Getúlio Vargas, ele acredita que o capitão reformado Jair Bolsonaro e seu vice, o general Hamilton Mourão (PRTB), são compromissados com a democracia, diz que muitas vezes são mal interpretados pela imprensa e que é necessário esquecer o passado para o país avançar. Afirma ainda que se tornou apoiador voluntário de Bolsonaro por compartilhar das ideias dele. “O que foi feito no Brasil nos últimos 20 anos foi um desmando enorme. Era uma utopia que podia ter dado certo, mas ela descambou para o clientelismo, para o toma lá, dá cá, para a corrupção”.
A entrevista concedida ao EL PAÍS ocorreu na semana passada, no Kifilé, um tradicional restaurante na Asa Norte da capital federal, conhecido por receber a velha guarda da Universidade de Brasília (UnB).
Pergunta. Você acha que Bolsonaro e Mourão têm compromisso com a democracia?
Resposta. Sim. Total. Pela primeira vez na história do Brasil você vê um deputado de sete mandatos disputar legitimamente uma eleição, ao lado de um cara que nunca esteve na política e estão em vias de se elegerem presidente e vice. Com Bolsonaro, não vejo a menor possibilidade de que haverá um caos, de que a polarização estragará o país. Do ponto de vista da democracia, os militares têm o estrito dever de cumprir a Constituição. Isso está na alma deles. Tanto que aceitaram a intervenção no Rio de Janeiro. Se houvesse uma rebeldia, eles não aceitariam porque a sua função precípua é outra.
P. E essa história de autogolpe? Não há essa ameaça?
O Lula fala assim, cadê as mulheres do grelo duro? O Lula pode falar.
R. Impossível. São 513 deputados, 81 senadores, 21 governadores...
P. Mas em 1964, quando houve o golpe militar, também havia um Congresso Nacional em pleno funcionamento.
R. Tinha. Mas, nesse ponto o Bolsonaro está certo, foi feita uma eleição para escolher o presidente. O Congresso declarou vazio o cargo de presidente da República e, pela Constituição, você não pode ficar sem comando, e os militares chegaram. Claro que foi tudo planejado, foi tudo articulado. Mas foram os políticos que fizeram isso. Em acordo com os militares.
P. Você nega, assim como o Bolsonaro, que tenha havido uma ditadura militar?
R. Foi uma ditadura, claro. Mas foi um contragolpe. Depois que você cria o senador biônico, governador biônico é o acordo com a oligarquia. Naquela época era o jogo do poder. Só que, depois que você senta na cadeira, você não sai. Agora, não vejo essa possibilidade. Todos estão respeitando o que está previsto hoje, disputando legitimamente com base nas regras que a Constituição estabeleceu.
P. O que se faz para acabar com essa sombra de que o país corre o risco de enfrentar uma nova ditadura?
R. Tem de deixar outras pessoas falarem. Não pode ser só a visão da [jornalista da Globo News] Miriam Leitão.
P. Como assim?
R. O pessoal constrói um discurso que é equivocado. A Rede Globo hoje tem o Arnaldo Jabor e a Miriam Leitão falando o tempo inteiro de tortura (a jornalista foi torturada). Mas a Miriam estava na guerrilha. O tal do comandante [Carlos Brilhante] Ustra, que era um cara cruel para cacete, estava cumprindo missão. Dos dois lados tiveram perdas. A Comissão da Verdade, por exemplo, não considerou os 39 militares que foram assassinados durante o regime militar. Só levou de um lado. Outra coisa, ficar discutindo coisas que já estão resolvidas, não nos leva ao futuro. Essa guerra acabou.
[Nota da Redação - A Comissão Nacional da Verdade identificou que o Estado brasileiro é responsável pela morte e pelo desaparecimento de 434 pessoas entre os anos de 1946 e 1988, inclusive durante o regime militar. A comissão decidiu examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas "por agentes públicos, pessoas a seu serviço, com apoio ou no interesse do Estado", e não tinha por atribuição legal investigar a conduta de pessoas].
P. Esse é o discurso do Bolsonaro, que quer se esquecer do passado.
R. É. Tem de ser daqui para frente. São coisas de quase sessenta anos atrás. Como vamos revirar a história? Para com isso.
P. Se é para discutir o atual, a atualidade nos coloca diante de um candidato deu declarações homofóbicas, misóginas e racistas. O que vocês tem a dizer?
R. Isso é tudo construção. Isso colou em um segmento da sociedade. Ele tem três casamentos, com quatro ou cinco filhos, se não me engano.
As forças não são dos partidos, mas das frentes partidárias.
P. São cinco filhos. A quinta, que é a única mulher, ele diz que deu "uma fraquejada".
R. Mas aquilo ali é papo de botequim. “Porra, fraquejei...” Todo brasileiro sabe disso, como é conversa de homens. O Lula fala assim, cadê as mulheres do grelo duro? O Lula pode falar. O Lula fala que Pelotas é a capital da viadagem, que exporta viados. Mas ele pode falar. Agora, se o Bolsonaro falar que uma menina é gostosa. Porra, o cara é um abusador! É tudo construção. Dizer que o cara é misógino, é demais. Ele foi vítima de uma facada e as três mulheres com quem foi casado foram visitá-lo no hospital. Você acha que se ele fosse um agressor de mulheres, você acha que as três iam visitá-lo?
P. Mas a ex-mulher dele diz que ele a ameaçou de morte.
R. Isso foi montagem.
P. Mas há registros oficiais disso. Há documentos do Itamaraty. Há processo judicial sobre o assunto.
R. Ela está gravando e dizendo que não foi nada disso. Não vou afirmar que não tenha havido discussões entre eles [Bolsonaro e a ex-mulher Ana Cristina Valle]. Pode ter tido. Por que a ex-mulher do Lula gravou, na eleição de 1989, aquela história de que ele tinha a induzido a abortar? Porque a turma do Collor a pagou. Aquilo ferrou com o Lula no debate. Foi tudo armação. A gente vive em um mundo de fake news. Eu nem sabia que o Bolsonaro tinha essa ex-mulher que morou na Noruega. Não tenho contato com essa parte da família. Mas isso tudo faz parte do jogo sujo. Vamos discutir outras coisas.
P. Como você avalia a participação do Mourão na campanha do Bolsonaro? Ele tem feito falas polêmicas...
R. Eu acho que a imprensa edita muito. Mourão é um cara muito preparado, tem uma cultura baseada na metodologia da Escola Superior de Guerra, tem bom conhecimento filosófico, mas tem discurso muito pragmático. É um discurso que não é político. Aí, a imprensa pega uma palavra e constrói um discurso. Essa questão do 13º salário como jabuticaba, essa história de que o negro é indolente e que o índio é isso ou aquilo, não foi da fala dele (há registros na imprensa e em áudio das declarações). Acho que, em nenhum momento ele falou nada de estapafúrdio.
P. Nem a fala sobre os desajustados criados por mães e avós?
R. Não. Trabalhei por muitos anos acompanhando as câmaras setoriais voltadas para a paternidade responsável e para a maternidade juvenil. É uma tragédia no Brasil. Em 2004, você tinha 2% da população em risco. Mourão disse que as famílias que são desestruturadas, comandadas pelas avós e pelas mães, tendem a serem mais frágeis e sob o jugo do crime porque elas estão na periferia. Se você olha a história do país, vai notar que o Brasil é uma sociedade sem pais.
P. Mas ao ponto de chamar de desajustados? Não houve um exagero aí?
R. Aí é que está. A formação desse cara [Mourão] é uma formação muito militarizada.
P. Você está tentando me explicar uma das diversas falas do Mourão. Mas analistas experientes dizem que, na política, quando você tem de explicar um discurso, há algo errado aí.
R. É verdade. Você tem de aprender a falar como político: mentir. Ou, não falar a verdade.
P. A campanha pediu para o Mourão amenizar essas falas?
R. Entre eles, entre a cúpula e os generais, pediram. Eu não vou falar. O próprio Bolsonaro pediu para ele pegar leve.
P. Quanto você tem recebido para ser consultor da campanha de Jair Bolsonaro?
R. Nem eu nem os outros membros dos grupos de trabalho recebemos nada. Somos todos voluntários. Não recebemos nem um centavo. Trabalhamos por um projeto de Brasil.
P. Como você se aproximou desse projeto?
R. Moro há 62 anos em Brasília. Tenho vinculação muito grande com artes marciais. Minha vida toda aos esportes. Já tive relação com vários políticos e autoridades por causa do caratê, até presidente da República.
P. Presidente foi o Fernando Collor?
R. Sim, o Collor. Eu ajudei na campanha dele porque ele ajudou muito o esporte. O Collor, quando tinha 18 anos, foi um dos primeiros campeões de caratê em Brasília. Ele ajudou muito o esporte. Desde sempre ajudei um ou outro político.
P. No que você atua, especificamente?
R. Sou coordenador de discussão em grupos ligados a pacto federativo, reforma política, Brasil produtivo. O mote da campanha é: Mais Brasil, Menos Brasília. Isso significa descentralização, diminuir a burocracia e as forças municipais. Essa que é a grande inovação da campanha. Em torno disso, a gente tem feito articulações com Confederação dos Municípios, com organizações estaduais e municipais, tentando discutir as melhores iniciativas para que o Governo, logo no começo, possa encaminhá-las ao Congresso. A ideia é propor a reorganização do funcionamento do Estado. Tenho convidado vários especialistas que vêm de diversas regiões do país. Trabalhamos em grupos, sugerimos medidas, as submetemos às plenárias e levamos para os generais Heleno e Ferreira.
P. Você é o elo entre os generais e a academia. É isso?
R. Sim. Mas não sou o único. Tem também o cientista político Marcus Vinicius Rodrigues, e o doutor em finanças Carlos Alberto Decotelli, ambos da FGV, o cientista político Paulo Kramer, e tem outros profissionais que vêm fazer apresentações. Tem vários especialistas na área de ciência e tecnologia. Tem também o professor Hélio Mendes, que foi secretário de Planejamento e de Meio Ambiente em Minas Gerais. É um grupo que não tem vinculação partidária. Estamos preocupados em retomar o crescimento econômico e, se possível, gerar emprego. Também eu trouxe técnicos de terceiro e quarto escalão que conhecem a microeconomia.
As pessoas votam achando que o presidente pode tudo, e não pode
P. Mas economia não é com o Paulo Guedes?
R. Sim. É com ele. O grupo dele conhece muito bem. Mas nada acontece no Brasil sem a inteligência tática de Brasília. Nada acontece sem que o corpo técnico dos ministérios e das autarquias estejam comprometidos com o projeto.
P. Então, entre esses técnicos há servidores que hoje ocupam cargos nos ministérios?
R. Eu não tenho autorização para dar nomes, mas, sim. São todos voluntários. Hoje temos umas 40 pessoas e todo dia chega mais um.
P. Desde quando vocês atuam na campanha?
R. Os generais atuam mais próximos ao Bolsonaro há mais ou menos dois anos. Eu cheguei há três meses. O pessoal de infraestrutura está com ele há mais tempo. Foram instrutores juntos e têm uma relação pessoal muito próxima. Entre eles, não há interesse partidário ou empresarial. A ideia é fazer um projeto Brasil. Um lado bem patriota que ficou um pouco distorcido e que conseguiu unir gestores qualificados.
P. Você já atuou em vários governos, pelo que contou. Por que aceitou entrar no projeto Bolsonaro?
R. Por que eu compactuo de várias dessas ideias dele. O que foi feito no Brasil nos últimos 20 anos foi um desmando enorme. Era uma utopia que podia ter dado certo, mas ela descambou para o clientelismo, para o toma lá,dá cá, para a corrupção. O resultado disso são milhões de desempregados, violência crescente e crime organizado ocupando espaço da economia, o que é inaceitável. Isso tem de ser revertido.
P. Você acha possível ele nomear ministros de partidos que não o apoiaram?
R. Não vejo dificuldades porque partido não significa nada. As forças não são dos partidos, mas das frentes partidárias. As bancadas ruralistas, evangélica, da bala, da bola e uma das mais fortes que é a do servidor público. Se ele não tiver esse diálogo, não há quem governe. Nem a ditadura conseguiu fugir desse debate com os servidores, por exemplo.
P. Essa bancada dos servidores é formada, principalmente, por parlamentares do PT, PCdoB, PSOL, legendas que o Bolsonaro já disse que não vai sentar para conversar. Como um presidente pretende governar esse país sem dialogar com todas as forças políticas?
R. Ele vai ter de conversar, não existe possibilidade. Não tem como. Evidentemente, acho difícil pressionar o Bolsonaro chantageando, como fizeram com o Lula, como fizeram com o Temer. Ele tem o perfil de ir para a porrada. Mas isso se flexibiliza. Não será só o presidente para conversar, você terá ministros, assessores e outras lideranças. Haverá muitas instâncias de negociação. Agora, com o servidor público, ele terá problemas. Terá problemas quando discutir a previdência, o plano de carreira, de obrigar o servidor a prestar serviço e a melhorar a qualidade do que entrega. Isso terá de ser feito, independentemente de quem vier a ser o presidente do Brasil.
P. Em segurança pública diz-se que o discurso do comandante reflete na tropa. Em um episódio recente no metrô do Rio de Janeiro, um homem olhou para o vagão exclusivo de mulheres e gritou: “ano que vem isso vai acabar. Com Bolsonaro presidente, isso vai acabar”. Por que, em sua opinião, esse pensamento se espalha?
R. As pessoas votam achando que o presidente pode tudo, e não pode. Tem atribuições que não são dele. Ganhar o voto desse cara é parte do jogo. Quem votava no Lula também pensava assim. Votar no Lula era mostrar que não tinha medo de nada. Hoje, o Lula está em cana, está preso. Acho que, se lá na frente, crescer essa onda do Bolsonaro, vira uma seita também. E isso é ruim. Agora, se Bolsonaro vier a ser presidente, será um Governo de transição.
P. E esse manifesto de que dizem que Bolsonaro vai assinar, comprometendo-se com a democracia? Você participa dessa discussão?
R. Não participo. Se tiver, será uma decisão dele e da família dele. Mas não é do estilo dele. O que ele pode fazer são as lives nas redes sociais explicando esse comprometimento.
P. De que maneira esse discurso desestabilizador, de que as urnas eletrônicas são passíveis de fraude, interfere na campanha? Lembrando que não há nenhuma prova de fraude em cinco eleições gerais consecutivas.
R. Criou-se no Brasil essa questão da fraude. Tenho certeza de que são. Cientistas e técnicos que dizem isso. É um sistema que se reprograma, se ele identifica um erro, ele corrige. O problema está na programação. Levaria semanas para os especialistas alterarem isso.
P. Se a urna é fraudada, para que concorrer, então?
R. Qual é a regra? A única forma de chegar ao poder é essa.
P. Por qual razão o Bolsonaro nunca questionou a urna nas vezes em que ele foi eleito deputado federal?
R. São votações proporcionais, não é só para uma ou duas pessoas. Essas são mais difíceis de fraudar. Para o Executivo são dois finalistas. É uma eleição diferente. Agora, vamos acompanhar. Na medida do possível, vamos chamar a população para ficarmos atentos. Nesta eleição há muitos interesses.
P. Qual seria o principal interesse, na sua visão? Eleger Haddad? Barrar Bolsonaro?
R. O de não eleger o Bolsonaro. Mas, para a Rede Globo, o maior interesse seria eleger o Haddad porque há muitas vinculações com o BNDES. E o Bolsonaro já falou várias vezes que a Rede Globo tem 40% da audiência e 80% da verba publicitária da União, o que deveria ser um pouco mais equilibrado. Nas palavras dele, a Globo deveria ter o tamanho real que ela tem. E é claro que, com isso, ele criou uma antipatia imensa. Antipatia essa que o PT não tem.
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