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#EleNão: Após tomar as redes, movimento liderado por mulheres contra Bolsonaro testa força nas ruas

Estudo do Labic, centro da Universidade Federal do Espírito Santo, revela que ataque de apoiadores de candidato do PSL à mobilização provocou adesão e multiplicação

Vídeo: EPV

Na mitologia grega, a Hidra de Lerna era um monstro que tinha corpo de dragão e inúmeras cabeças de serpente. Quando se cortava uma cabeça, cresciam duas em seu lugar. Ao atacar as criadoras do grupo "Mulheres contra Bolsonaro" e invadir a mobilização no Facebook, há duas semanas, os apoiadores do militar da reserva acabaram por provocar uma reação em cadeia. Se a expectativa dos invasores era tirar o grupo do ar, diversos outros surgiram para substituí-lo. Como as cabeças de Lerna, os polos de articulação foram se regenerando e se multiplicando. Inúmeros grupos de Facebook e eventos convocatórios para protestos foram criados. Logo após o ataque cibernético, no fim de semana do dia 16, as citações às hashtags da campanha #EleNão tiveram seu maior pico no Twitter, mostra estudo do Laboratório de Estudos sobre imagem e Cibercultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), e tomaram as redes ultrapassando as arenas de debate de partidos e movimentos sociais específicos e invadindo as timelines de celebridades. No Facebook, eventos que convocam protestos contra o candidato do PSL para este sábado, dia 29, se multiplicaram: ao menos em 18 capitais e em outras 65 cidades há registro de mobilização. A grande prova de fogo será nesta tarde: depois de mostrar força nas redes, o movimento liderado pelas mulheres contra a candidatura de extrema direita mostrará musculatura nas ruas a uma semana do primeiro turno das eleições?

Na última semana, as pesquisadoras do Labic, da UFES, observaram um crescimento exponencial de eventos no Facebook “contra Bolsonaro”, muitos deles com teor humorístico, próprio das redes sociais, e que não ocorrerão necessariamente no ambiente offline, nas ruas, mas que ajudam a criar uma onda em terno do tema. Adriana Ilha, diretora do Labic, frisa: “A criação de eventos reforça o 'todos contra Bolsonaro' de maneira divertida e, ao mesmo tempo, aviva e amplia a mobilização para os grandes a mobilização para os grandes eventos que ocorrerão no dia 29.”

Foram identificados, até o fechamento desta reportagem, um total de 299 eventos "Contra Bolsonaro". As pesquisadoras do Labic explicam que cerca de 195 destes eventos aparentam ser ligados diretamente ao movimento que se prepara para tomar as rua, iniciado pelas mulheres. Os eventos estão espalhados por todas as regiões do país, com maior participação da região Sudeste (Rio de Janeiro, São Paulo e Minas), Sul (Porto Alegre e Curitiba) e Nordeste (Recife, Fortaleza e Salvador). Em São Paulo, foram criados dois eventos de mesmo nome - "Mulheres Contra Bolsonaro" - tendo eles registrados 301.881 e 301.466 participantes entre confirmações e interessados, são os que mais reúnem pessoas no Brasil.

Ainda que as cifras sejam de difícil comparação, mostrar quanta gente se leva às ruas virou uma métrica política decisiva no Brasil depois das grandes marchas de 2013, nas quais uma multidão de esquerda, direita, organizada e não organizada, decidiu sair de casa. De lá para cá, houve as grandes marchas, lideradas pela direita, pelo impeachment de Dilma Rousseff. Houve também os movimentos contrários à deposição nas ruas, capitaneado pelo PT e outros atores da esquerda. Houve também manifestações feministas ou protestos contra o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL). Agora, o #Elenão quer mostrar que é possível construir uma coalizão um pouco mais transversal que atravesse as bolhas das redes sociais de novo. A base é a o rechaço das mulheres a Bolsonaro. Segundo a Datafolha da sexta-feira, 52% no eleitorado feminino rejeita o militar da reserva, que lidera as pesquisas para o primeiro turno, com 28%. Mas são as mulheres mais pobres que seguram o crescimento do candidato do PSL. No eleitorado geral, Bolsonaro está empatado com Fernando Haddad, do PT, com 21% e 22%, respectivamente.

 A mobilização no Twitter

O Labic também fez fez um exaustivo estudo sobre o impacto da mobilização nas redes, com dados  coletados entre os dias 6 e 25 de setembro, especialmente no Twitter. Ainda que a rede não seja tão relevante quanto o Facebook ou o WhatsApp, a movimentação do microblog segue como termômetro de ativação e para ver que grupos estão sendo mobilizados.

Presença das hashtags distribuídas pelo período de análise (6 a 25 de setembro).

Foi no dia 12 de setembro, data em que o grupo das "Mulheres Contra Bolsonaro" chegou a 1 milhão de participantes, que o Labic observou o primeiro pico de citações às hashtags contra o candidato do PSL (#elenao; #elenunca; #elejamais; #mulherescontraobolsonaro; #mucbvive). Como reflexo desse movimento, também teve início um movimento pró-Bolsonaro, amparado nas tags #elesim e #mulherescombolsonaro. Apoiadores de Bolsonaro, que é uma potência nas redes e é o candidato com mais seguidores no Facebook, empenharam esforços para tentar conter a onda, mas sem sucesso. O Labic verificou uma relativa estabilidade no engajamento com as hashtags favoráveis ao militar da reserva. A atividade de apoio ao candidato do PSL permaneceu em níveis bastantes inferiores em relação ao volume de engajamento observado na campanha contrária, pelo menos durante a maior parte do período.

No sábado, 15, uma nova onda de ataques à mobilização, ainda mais intensa, teve início, e começou a se organizar também uma contrarreação. Pessoas-chave da campanha do ex-militar também foram responsáveis por espalhar mentiras sobre o grupo contrário ao candidato. Adriana Ilha, coordenadora do Labic, explica que quando o Facebook retirou o grupo do ar temporariamente na madrugada do dia 16 em resposta às denúncias, a discussão no Twitter acabou se intensificando ainda mais, o que resultou no maior pico de publicações da campanha. A onda de denúncias contra os ataques acabou potencializando ainda mais a rejeição e alcançando segmentos que não estão vinculados ao debate cotidiano sobre questões de gênero.

A análise do Labic sobre a hashtag #EleNão identificou três grandes grupos. Dois deles representam a defesa do movimento, enquanto o terceiro reúne perfis contrários à organização das mulheres contra o presidenciável do PSL Jair Bolsonaro. Na gráfico ao lado, as comunidades identificadas em tons de rosa e roxo estão as usuárias que repercutiram o #EleNão. A azul é de pessoas ligadas a Bolsonaro e grupos apoiadores, como o MBL. A repercussão do movimento #EleNão alcançou grupos de famosos que comumente não se manifestam politicamente. A atriz Deborah Secco foi uma das celebridades que aderiram ao movimento contra o presidenciável do PSL. Junto a ela, as atrizes Patrícia Pillar e Leandra Leal, e as cantoras Valesca, Pitty e Anitta também demonstraram apoio à campanha e foram responsáveis por picos de engajamento.

A ajuda de Mourão contra Bolsonaro

Uma das grandes surpresas foi a adesão da jornalista Rachel Sherazade, que tradicionalmente defende posicionamentos conservadores. No entanto, diante da fala do general Mourão, candidato a vice na chapa de Bolsonaro, sobre lares apenas com “mãe e avó” serem “fábricas de desajustados”, a jornalista se pronunciou em seu twitter dizendo: “Sou mulher. Crio dois filhos sozinha. Fui criada por minha mãe e minha avó. Não. Não somos criminosas. Somos HEROÍNAS! #elenao”.Quando a mobilização parecia arrefecer, a frase injetou novo ânimo.

O movimento ultrapassou também as fronteiras nacionais e alcançou artistas de renome no mercado internacional. No grafo elaborado pelo Labic, personalidades políticas aparecem na comunidade com tom rosa, com críticas a Jair Bolsonaro. A defesa do movimento #EleNão e denúncias sobre os posicionamentos considerados retrógrados e conservadores do candidato também são uma evidência neste grupo, assim como denúncias contra os ataques cibernéticos sofridos pelo grupo “Mulheres Unidas Contra o Bolsonaro” no Facebook.

Ficou claro que a mobilização seguiria independentemente de lideranças específicas. Muito embora movimentos sociais, partidos políticos e candidatos de diversas bandeiras e tendências ideológicas tenham manifestado apoio às mobilizações, grande parte dos grupos e eventos são de iniciativa e gestão de pessoas comuns, não necessariamente envolvidas em questões políticas ou com organizações já consolidadas.

A exceção à esse padrão de atividade foi observada em um importante salto de crescimento a partir do dia 24 de setembro. Adriana Ilha, coordenadora do Labic , explica que esse aumento fora do padrão pode ser justificado pelo surgimento da hashtag #elesimno1turno, predominantemente utilizada em apoio ao candidato do PSL. Contudo, a análise em profundidade também identificou a presença, ainda que residual, de uso da tag associada ao candidato do Partido dos Trabalhadores, Fernando Haddad.

O mapa exibe as publicações do Twitter diferenciadas por cores: lilás para as publicações do grupo #elenão e marrom para os tweets do grupo #elesim. Os tuítes são mostrados temporalmente, de acordo com o momento de publicação do tweet.

A análise regional

Por fim, o Labic também fez uma análise geográfica. Para entender como as narrativas contra e pró Bolsonaro (#elenão e #elesim) se espalharam pelo território nacional nos últimos dias, as pesquisadoras do Labic identificaram as publicações que possuem informações sobre geolocalização disponíveis. Foram identificadas 848 publicações com geolocalização e outros 11.622 tweets tiveram suas posições inferidas por meio de características textuais, como nome de cidades, por exemplo. Veja o gráfico.

O mapa de calor agrupa publicações no Twitter de uma mesma região, definindo regiões mais quentes ou mais frias de acordo com a intensidade de mobilização nas redes. O tamanho das regiões varia de acordo com o nível de zoom dado à visualização.

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