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Bolsonaro, da revolução eleitoral a um teste inédito e arriscado no Congresso

Presidente eleito ignora siglas na montagem da Esplanada e levanta dúvidas sobre solidez da base para aprovar reformas. Senado deve ser Casa mais problemática

Bolsonaro e o soldado Celso Morais. O presidente eleito foi condecorado pelo Exército por ter resgatado Morais quando os dois serviam, em 1978.
Bolsonaro e o soldado Celso Morais. O presidente eleito foi condecorado pelo Exército por ter resgatado Morais quando os dois serviam, em 1978.Joédson Alves (EFE)
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O presidente eleito Jair Bolsonaro montou o seu ministério ignorando o que até agora era considerada uma regra de ouro inescapável do modelo político brasileiro: a distribuição de pastas estratégicas na Esplanada para partidos políticos, buscando assim fidelizar uma sólida base de apoio no Congresso Nacional. Nos 20 ministérios que farão parte do Governo Bolsonaro —ainda faltam ser anunciados os titulares do Meio Ambiente e dos Direitos Humanos—, há apenas cinco que serão chefiados parlamentares. Três deles (Onyx Lorenzoni, Luiz Henrique Mandetta e Tereza Cristina) são filiados à mesma legenda, o Democratas; Osmar Terra, que será o ministro da Cidadania, é do MDB e Marcelo Álvaro Antônio, futuro ministro do Turismo, é do PSL. Um arranjo que, ao menos no modelo atual de governabilidade, é insuficiente e deixa de fora partidos importantes como PR, PSD e PP, cujos votos Bolsonaro fatalmente precisará para aprovar sua agenda social e de reformas econômicas, ansiada pelos investidores do mercado financeiro que apostaram em sua eleição.

"O que vai ser testado é se é possível montar um governo sem negociar a participação dos partidos no ministério", avalia o cientista político Sérgio Abranches, que cunhou, ainda em 1988, o termo presidencialismo de coalizão (expressão que define as alianças políticas que o presidente da República no Brasil precisa selar com diversos partidos políticos para construir uma coalizão de apoio no Congresso Nacional). "Ninguém sabe se é possível ter condições de governabilidade com esse método, que nunca foi usado", acrescenta.

Bolsonaro e Lorenzoni, seu chefe da Casa Civil, têm afirmado que a nova administração terá uma forte base de apoio no Legislativo e que, para isso, inaugurará um novo modelo de relacionamento com o Congresso Nacional. Foram-se os tempos —apregoa Lorenzoni— em que os votos necessários no Parlamento eram obtidos a partir do fatiamento da máquina pública, com o loteamento de ministérios e de cargos no segundo escalão. "O famoso toma lá, dá cá destruiu a relação política e será completamente revisado", anunciou Lorenzoni nesta segunda-feira. No mesmo dia, o futuro ministro da Casa Civil, que terá entre as suas atribuições justamente cuidar da articulação política com o Legislativo, disse que Bolsonaro trabalha para ter uma base parlamentar de entre 330 e 350 deputados, numa Câmara que tem 513 integrantes.

É a partir desse ponto que começam a surgir as dúvidas, tanto entre analistas políticos quanto entre parlamentares. Como Bolsonaro montará uma aliança congressual tão ampla, que lhe daria condições inclusive para aprovar emendas à Constituição, sem convidar os caciques dos partidos políticos para indicar quadros para o seu ministério? Até o momento o presidente eleito deu apenas indícios do que planeja fazer. Disse num primeiro momento, por exemplo, que pretende pautar a sua relação com os parlamentares a partir das bancadas temáticas, como a ruralista ou evangélica –mas nem essa última ele parece ter conseguido contemplar plenamente. Os próprios ministros Osmar Terra e Tereza Cristina, dizem os aliados do presidente eleito, foram indicações das frentes paramentarias da assistência social e da agropecuária, respectivamente, e não dos seus partidos. A princípio o tamanho dessas frentes — a da agropecuária tem hoje 209 deputados signatários e a evangélica, 179 — sugere que esse tipo de aliança, por si só, daria um forte suporte a Bolsonaro, mas especialistas e os próprios legisladores apontam que trata-se de uma ilusão.

Bolsonaro em reunião com a bancada do PR.
Bolsonaro em reunião com a bancada do PR.Governo de Transição

"Governar só com as frentes parlamentares não existe. Quem vota são os partidos, quem orienta as votações são os partidos. As pessoas são filiadas a partidos e têm, em princípio, que seguir as orientações deles", afirma o deputado José Rocha, da Bahia, líder do PR na Câmara. "Ele [Bolsonaro] começou dizendo que iria atender apenas as bancadas temáticas [...] Mas a bancada temática é fluída, ela só existe no tema. Se você pedir aos ruralistas ou à bancada da segurança pública para aprovar a reforma da Previdência, eles se dividem", complementa o cientista político Abranches. Além do mais, o próprio tamanho dessas bancadas temáticas pode ser questionado, uma vez que o número de deputados que realmente milita nesses temas de forma coordenada é substancialmente menor do que o total de signatários das frentes.

Depois de um mês de transição, período em que praticamente ignorou os partidos políticos, o capitão reformado do Exército parece ter avaliado que uma articulação política baseada apenas nas frentes temáticas não será suficiente para lhe garantir uma base parlamentar consistente. Desde esta terça-feira, iniciou uma rodada de reuniões com s bancadas das principais siglas do Congresso. Recebeu em seu gabinete deputados do MDB, PR e PSDB. Nesses encontros, Bolsonaro defendeu a reforma tributária e pediu a colaboração dos parlamentares para levar adiantes as reformas econômicas que pretende implementar. Além do mais, Lorenzoni foi à Câmara ter uma conversa semelhante com a bancada do PSD. Essas siglas afirmam que, embora não integrem formalmente o governo, apoiarão Bolsonaro na votação de propostas da área econômica, como as mudanças na Previdência. 

Lua de mel e emendas parlamentares

Na Câmara, as previsões sobre como será a relação política do Palácio do Planalto com o Congresso Nacional são várias. Há certo consenso de que Bolsonaro deve ter bastante força no Parlamento principalmente no primeiro semestre do seu mandato, quando ainda deve surfar no apoio popular que lhe garantiu a contundente vitória nas eleições, considerada uma revolução eleitoral que catapultou o até então nanico PSL. 

As dúvidas se aprofundam no que vai acontecer no momento subsequente: o novo modelo proposto por Bolsonaro, no qual os partidos não compõem o Governo, vai ser suficiente para garantir-lhe maioria no Congresso passada a lua de mel ou ele terá que incorrer na prática que prometeu extirpar? "Ainda é cedo para fazer qualquer conclusão. Na realidade ele [Bolsonaro] está inaugurando um novo relacionamento, em que os partidos não foram chamados a partilhar a formação [do governo]. Mas em algum momento eles serão chamados [a participar], não sei se agora ou depois", aposta um influente senador do MDB.

É certo que a distribuição de ministérios para os partidos aliados não é o único instrumento que um presidente da República tem para fidelizar a sua base congressual. O governo tem centenas de cargos federais para serem preenchidos nos Estados, o chamado segundo escalão, que podem ser direcionados para indicações políticas. "Esses cargos do segundo e terceiro escalão para eles [deputados] têm mais importância por causa da capilaridade", afirma Abranches. Não há indicações de que Bolsonaro vá lotear esses postos entre deputados e senadores, mas as demandas dos parlamentares por essas posições certamente chegarão até ele.

Outra linha de atuação são as emendas parlamentares. Onyx Lorenzoni montou na Casa Civil duas secretarias para tratar da relação com os congressistas. Para elas, convocou deputados que não foram reeleitos para tratar dessas organizações. Um deles será Leonardo Quintão, de Minas Gerais, que aponta que novo governo continuará atendendo os pedidos dos deputados. Promete a descentralização dos recursos dos ministérios e o pagamento das emendas que os congressistas fazem ao Orçamento. "A liberação de emendas é um direito dos deputados. [Vamos] tentar liberar 100% das emendas dos deputados", diz.

José Rocha, líder do PR, afirma que Bolsonaro tem sim condições de preservar uma base estável no Legislativo mesmo sem a partilha de cargos, desde que sua equipe consiga atender as demandas locais dos parlamentares. "Eu posso atender a minha base dentro de um programa de governo. Por exemplo, no dia que a BR-135 for concluída, você está atendendo a minha base", afirma o deputado. "Além do sistema de adutoras lá na minha região, que vai atender as sedes municipais. O dia que o governo conseguir colocar isso dentro do Orçamento, está atendendo a minha base. Eu não preciso de cargos", diz.

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