Um terço dos europeus mal ouviu falar do Holocausto
Pesquisa da CNN: para mais de um quarto dos consultados, judeus têm muita influência nos negócios
O crescimento da extrema direita nas urnas europeias é acompanhado de lemas e símbolos que lembram, e não apenas aos olhos dos judeus, o clima que reinava no continente nos anos 1930. À medida que passa o tempo desde o fim da Segunda Guerra Mundial, o Holocausto começa a cair no esquecimento de um passado distante, alertavam no primeiro semestre os autores do estudo anual da Universidade de Tel Aviv sobre o antissemitismo. Agora, uma pesquisa feita em sete países da Europa para a rede de TV CNN acaba de confirmar essa percepção. Um terço dos europeus não sabe nada ou mal ouvir falar do extermínio de mais de seis milhões de judeus pelo regime nazista. O Yad Vashem, museu e centro de pesquisa de Jerusalém sobre o Holocausto, alertou para “a persistência de atitudes antissemitas na civilização europeia 75 anos depois” da chamada solução final.
Estereótipos que pareciam abandonados ressurgem com o eco perturbador da expansão do fascismo. Mais de um quarto dos 7.000 cidadãos consultados pelo instituto ComRes na Alemanha, França, Reino Unido, Polônia, Áustria, Hungria e Suécia consideram que os judeus têm muita influência no mundo dos negócios, e 20% acham que eles dominam a política e os meios de comunicação. Porcentagens semelhantes consideram que os israelenses estão por trás da maioria das guerras e conflitos ativos, segundo a pesquisa − feita antes do ataque de 27 de outubro contra a sinagoga de Pittsburgh, que deixou 11 mortos.
O conceito de antissemitismo não está universalmente definido. A Aliança Internacional para a Memória do Holocausto, integrada por 31 países ocidentais, entre eles Alemanha, Espanha e Reino Unido, adotou em 2016 a seguinte definição, sem força legal: “É uma determinada percepção sobre os judeus, que pode ser expressa como ódio em relação aos judeus. As manifestações verbais e físicas de antissemitismo são dirigidas a indivíduos judeus ou não judeus e ou suas propriedades, e a instituições e centros religiosos da comunidade judaica”.
O banco de dados do Centro Moshe Kantor para o estudo do antissemitismo e do racismo contemporâneos, ligado à Universidade de Tel Aviv, destaca que em 2017 houve uma queda de 9% no número de incidentes violentos contra os judeus. Na Espanha, esse observatório registrou apenas dois casos de antissemitismo agressivo, em comparação com 99 casos nos Estados Unidos, 55 no Reino Unido e 36 da Alemanha. “Mas essa redução dos ataques é ofuscada pelo aumento de outras manifestações antissemitas − como as que ocorrem nas redes sociais ou na forma de bullying nas escolas –, muitas das quais não são nem mesmo denunciadas”, advertiu o Centro Kantor.
O Museu do Holocausto de Jerusalém alerta para a persistência de atitudes antissemitas 75 anos depois da chamada solução final
A erosão da vida pública dos judeus, que deixam de participar de reuniões tradicionais com seus símbolos para não ser marcados socialmente, é a principal consequência desse fenômeno, segundo o relatório da Universidade de Tel Aviv. “O uso pejorativo do termo judeu e de seus derivados é inseparável das percepções antissemitas”, conclui.
Na pesquisa encomendada pela CNN, que deve ser divulgada em sua totalidade pela emissora nesta sexta-feira, constata-se também que um terço dos europeus considera que os judeus usam a lembrança do Holocausto no mundo em seu próprio benefício. Em contrapartida, 40% dos consultados acreditam que os judeus estão ameaçados pela violência racista em seus próprios países e precisam ser protegidos. Por fim, 28% acreditam que o aumento do antissemitismo na Europa se deve principalmente à política e às ações do Estado de Israel.
O primeiro-ministro israelense, Benjamim Netanyahu, disse à CNN na noite de terça-feira que embora na Europa “exista um velho antissemitismo da extrema direita, também há um novo, vindo da extrema esquerda e de redutos radicais islâmicos” no continente. Durante a entrevista, Netanyahu elogiou líderes ultraconservadores europeus, como o húngaro Viktor Orban e o austríaco Sebastian Kurz, por terem fundado centros de estudos e organizado conferências sobre o Holocausto.
“O antissionismo e a oposição às políticas de Israel são a expressão mais atual do antissemitismo”, argumentou o líder israelense, que hoje chefia o Governo mais direitista da história de Israel. “Agora costumam dizer: ‘Não estamos contra os judeus, apenas contra o Estado de Israel’”, acrescentou.
Em uma entrevista ao EL PAÍS, o escritor israelense Amos Oz, alinhado com a esquerda pacifista, aventou outra definição: “O que é o antissemitismo? É complicado. Nem todos que criticam Israel são antissemitas. Eu mesmo faço isso. Se você critica o que os judeus fazem, pode ter razão ou não, mas é algo legítimo. Mas se você critica os judeus por serem quem são, aí existe antissemitismo. Onde está a linha vermelha? Não sei, mas existe”.
Netanyahu diz que novo antissemitismo vem da extrema esquerda e de redutos islâmicos radicais, e isenta Governos ultraconservadores como o de Orban na Hungria
Um terço dos europeus acredita que os partidários de Israel recorrem às acusações de antissemitismo para silenciar as críticas ao país. Um décimo, porém, nega que seja assim. Até 18% das pessoas consultadas na pesquisa veem o antissemitismo como uma resposta social ajustada ao comportamento cotidiano dos judeus em seus próprios países.
“Os resultados da pesquisa demonstram a necessidade de intensificar a educação e a conscientização sobre o Holocausto”, assinalou na terça-feira o Yad Vashem. Ante o esquecimento, o centro conclamou a manter viva a chama do conhecimento e a reavivar as brasas da memória.
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