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‘Big Brother Brasil’, um imbatível poder de atração

Decadente em outros países, formato absorve cultura das redes sociais e mostra fôlego com recorde de audiência na edição da maioridade

Os finalistas do BBB18: Kaysar, Ayrton, Gleici e Ana Clara (da esq. à dir.): programa chega à final nesta quinta.
Os finalistas do BBB18: Kaysar, Ayrton, Gleici e Ana Clara (da esq. à dir.): programa chega à final nesta quinta.Reprodução (TV Globo)
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O Big Brother Brasil atingiu a maioridade. E nessa afirmação não há qualquer constatação sobre relevância e importância (ou falta de) do programa para o cenário cultural brasileiro. Tão amado quanto odiado, o reality show de maior sucesso da televisão brasileira encerra nesta quinta-feira, 19 de abril, sua 18ª edição e nada indica que será a última. Ao longo dos anos, o programa criou um léxico próprio – os participantes são chamados de "sisters" e "brothers", os dias de eliminação são conhecidos como "paredão" e por aí vai… – que se estende para além da época de exibição; foi “berço” de políticos e atrizes de projeção nacional; acabou virando assunto geral entre aficionados e detratores em todas as sua edições. Mesmo decadente em outros países (na Espanha a franquia amargou sua pior audiência da história em dezembro passado), aqui o formato mostra fôlego.

Neste ano, interrompendo uma tendência de queda, o BBB18 conseguiu os melhores números de audiência em seis anos – até agora, 25.5 pontos em média, segundo aferição feita pela Kantar Ibope, 10% a mais do que a edição de 2017. Mas talvez a medida do sucesso recente do reality esteja menos no ibope que conquistou na televisão e mais na Internet. Um levantamento próprio do EL PAÍS mostra alguns dados surpreendentes. No Brasil, já há algum tempo, o termo “BBB” é a principal busca do ano no Google no Brasil. Isso vale para 2013, 2014, 2015 e 2017 e, claro, deve valer também para 2018. O dado impressiona, já que entre 2013 e 2018, o Brasil viveu nada menos do que: os protestos de 2013, uma eleição presidencial, uma Copa do Mundo e um impeachment presidencial. Somente em 2016, ano dos Jogos Olímpicos no Brasil, o termo BBB ficou em terceiro lugar nas buscas, perdendo somente para as Olimpíadas no Rio e para o fenômeno do Pokemon Go, –mas ainda à frente de temas políticos de repercussão mundial, como o impeachment de Dilma Rousseff.

A atual edição, além da recuperação de audiência, também foi longe na Internet. No Twitter, faz três meses que fica nos trending topics mundial (assuntos mais comentados na rede social) nos dias de eliminação dos competidores do programa. Fim de semana passado, 14 e 15 de abril, termos relativos ao reality foram mais buscados no Google do que qualquer tema relacionado ao bombardeio dos EUA na Síria. Para completar, por fim, a frase “quem ganhou a prova do BBB18” teve o mesmo volume de buscas do dia em que o juiz Sérgio Moro ordenou a prisão do ex-presidente Lula. A prova em questão era um desafio de resistência: quem ficasse mais tempo sem comer, beber, dormir ou ir ao banheiro, ganharia um carro e “imunidade”, ou seja, não poderia ser eliminado do programa. Neste dia, os participantes Kaysar e Ana Clara resistiram por quase 43 horas e empataram, e tiveram de decidir entre si quem ficaria imune no paredão.

Em entrevista ao Estadão no começo deste ano, o publicitário e estudioso do assunto, Arthur Guedes disse que parte do sucesso do programa vem do fato de que ele acaba virando, ano após anos, um assunto transversal. “É um tema que está atravessado em diversas telas e plataformas, com participação de fãs e antifãs que falam a respeito dele, sem necessariamente gostar ou assistir. O poder de aversão é até mais forte do que o dos fãs para transformar o programa em um assunto de destaque”. Em conversa com o EL PAÍS, o Chico Barney, colunista de entretenimento do UOL, traduz a opinião de Guedes em outras palavras: “O BBB é assunto, gera notícia, fofoca… Fora isso, como é uma competição concentrada em um determinado espaço de tempo, acaba engajando também uma parcela extremamente barulhenta de espectadores, que torce, vota e puxa mutirão”.

Na edição passada do programa, por exemplo, o participante Marcos Harter foi expulso do programa depois de uma série de abusos – que foram de gritos a apertões e terror psicológico – contra a competidora Emily Araújo, que acabou vencedora. O assunto, como se viu, dividiu não apenas os fãs do programa, mas ganhou as redes e foi discutido por todos. Já no BBB18, a escolha de um “elenco” mais diverso trouxe ainda mais repercussão do programa. Por duas vezes, por exemplo, um competidor eliminado saiu do Big Brother Brasil fazendo discurso e pedindo “Fora, Temer”. Em outras ocasiões, o refugiado da Síria Kaysar, um dos mais bem cotados para ganhar o programa, foi vítima de comentários ácidos, beirando a xenofobia. Uma competidora chegou a dizer sobre a possibilidade do sírio ganhar: “Porra! Não tem um brasileiro melhor do que alguém de fora para ganhar o programa?”.

O caso da xenofobia e do abuso sofrido por Emily na última edição ilustram bem como o programa tem conseguido transcender seu público cativo. Ao saber que Kaysar estava sendo atacado, pessoas completamente fora da realidade do BBB resolveram opinar. Foi o caso, por exemplo, do jornalista Guga Chacra, que saiu em defesa do sírio. “Sério que há imbecis torcendo contra o brimo [Chacra tem ascendência síria] Kaysar no BBB pq ele é sírio? Que absurdo. Torço por ele justamente por ser sírio. Se meus avós não tivessem emigrado, meu pai poderia ser refugiado. Hoje é médico do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, um dos melhores do Brasil”, tuítou o jornalista da Globo News.

O sucesso de audiência da atual edição do Big Brother Brasil parece vir na esteira de uma percepção da produção do programa do sucesso inequívoco que ele é na Internet. É como se tivessem notado, que, como Guedes disse, os assuntos gerados na casa são muitas vezes transversais e é necessário absorvê-los no programa. Assim que, nesta edição, os três finalistas para ganhar o prêmio de 1,5 milhão de reais foram (além do já citado Kaysar) a estudante Gleici, natural do Acre, que, de origem humilde, personifica boa parte dos brasileiros que hoje se declaram eleitores do PT, e a Família Lima, composta por filha (Ana Clara) e pai (Ayrton), que já geraram diversos debates na rede sobre abusos e relações familiares. Embora o âncora do programa, Tiago Leifert, tente, em diversas ocasiões, manter a política longe do BBB, o perfil dos três finalistas é um pouco o retrato do momento brasileiro e a Internet aparentemente percebe isso.

Kaysar e Ana Clara, dois dos finalistas do 'BBB18'.
Kaysar e Ana Clara, dois dos finalistas do 'BBB18'.

Para Chico Barney, a atual edição teve o melhor elenco em muito tempo e, apesar de não ter apresentado muito confrontos diretos, conseguiu criar boas histórias com personagens carismáticos e, além disso, ainda surfou no sucesso da atual novela das 21h da Globo (O Outro Lado do Paraíso). Ele completa, contudo, a ótima interação que o programa fez com as redes sociais. “Foi o programa de TV que melhor usou as redes a seu favor. Tanto na linguagem do Tiago Leifert, quanto na construção de alguns VTs. Ficou tudo muito fluido, orgânico. Parece que finalmente alguns programas estão perdendo aquele ranço de ‘tiozão’ tentando se enturmar com o que não entendem”, opina.

O Big Brother, criado em 1999 pelo executivo holandês John de Mol, é um caso único no Brasil. No resto do mundo, o programa foi exibido em cerca de 75 países, mas em nenhum chegou a tantas edições. Não que brasileiro goste mais de reality do que o resto do mundo – Chico Barney lembra que o mesmo modelo do programa, com algumas diferenças, ainda é aplicado em outros lugares do mundo –, mas aqui o confinamento de estranhos em uma casa por alguns meses tem encontrado um terreno fértil que, como mostram os dados de sucesso, não irá se esgotar muito cedo, gostem seus críticos ou não.

Colaborou Marina Novaes, em São Paulo.

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