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Lula no STF: o que está em jogo no julgamento do ‘habeas corpus’

Nesta quarta, os 11 ministros começam a decidir se o ex-presidente irá para a prisão nos próximos dias

Lula em ato no Rio, no último dia 2.
Lula em ato no Rio, no último dia 2.MAURO PIMENTEL (AFP)

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidirá nesta quarta-feira, a partir das 14h, se Luiz Inácio Lula da Silva irá para a prisão nos próximos dias. Os 11 ministros da Corte julgarão um habeas corpus da defesa do ex-presidente, que pede que ele não seja preso até que se esgote o último recurso a que ele tem direito nas instâncias superiores, como o STF e o Superior Tribunal de Justiça (STJ).

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Em 24 de janeiro passado, o Tribunal Regional Federal 4 (TRF-4), órgão de segunda instância, condenou Lula a 12 anos e um mês por corrupção passiva e lavagem de dinheiro por ter recebido como propina da construtora OAS um tríplex no Guarujá e reformas neste imóvel, num valor total de 2,4 milhões de reais. Este dinheiro teria vindo de uma conta corrente mantida pela construtora para o partido, alimentada por dinheiro desviado de contratos da Petrobras investigados pela Lava Jato. Nesta condenação, o tribunal também determinou que a pena de prisão já seria cumprida assim que todos os recursos da defesa em segunda instância fossem esgotados. Lula ainda tem direito a mais um recurso no TRF-4. Entenda abaixo o que está em jogo neste julgamento.

O que argumenta a defesa?

A defesa diz que o TRF-4 determinou por ofício (sem pedido do Ministério Público Federal) a antecipação do cumprimento de pena do ex-presidente. Não há, segundo os advogados, motivo para que Lula seja preso antes de esgotados todos os recursos nas instâncias superiores.

O que argumenta a acusação?

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, afirmou, em um parecer enviado ao STF em 14 de fevereiro, que o pedido da defesa esbarra em um precedente do próprio Plenário do Supremo. Este precedente decidiu que o cumprimento da pena, quando esgotados os recursos de segunda instância, não fere a presunção de inocência, mesmo que ainda estejam pendentes os recursos nas instâncias superiores. "O princípio da presunção de inocência é compatível com o do duplo grau de jurisdição. Os direitos individuais do réu são assegurados pela revisão da condenação pelo tribunal [de segunda instância]", ressaltou ela. Dodge também afirma que a decisão favorável à defesa representaria retrocesso para o sistema, que perderia estabilidade e credibilidade.

O que diz a Constituição?

O artigo 5º inciso LVII afirma que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. A frase, segundo alguns especialistas, não é tão clara em relação a prisão. Os que não concordam com a prisão após o julgamento em segunda instância argumentam que o inciso afirma que ela só pode acontecer quando não existam mais recursos, já que só assim alguém é considerado "culpado", segundo a Constituição; por isso, a prisão antes disso seria ferir a presunção de inocência do indivíduo. Os que defendem a prisão após a segunda instância afirmam que considerar "culpado" é diferente de prender e que a expressão constitucional serve apenas para colocar o nome do réu no rol dos culpados. 

Qual o entendimento do STF sobre o impasse?

Este entendimento já mudou algumas vezes. Até 2009 havia um entendimento dominante no STF de que a presunção de inocência não impedia a execução de pena após o julgamento em segunda instância. Mas em fevereiro de 2009 o plenário do STF concedeu, por sete votos a quatro, um habeas corpus para que o produtor rural Omar Coelho Vítor pudesse recorrer aos tribunais superiores em liberdade pela condenação de sete anos e seis meses de reclusão por tentativa de homicídio duplamente qualificado. Reportagem de O Globo desta terça-feira mostra que o recurso dele contra a condenação em segunda instância passou 12 anos no Superior Tribunal de Justiça (STJ) até que o crime foi considerado prescrito em 2014. Ele ficou impune.

Em 17 de fevereiro de 2016, o STF mudou o entendimento. O Supremo negou o habeas corpus em que um ajudante-geral condenado a cinco anos e quatro meses de prisão por roubo qualificado pedia liberdade até o final dos recursos. O Plenário da Corte entendeu que a possibilidade de início da execução da pena após a confirmação da sentença em segunda instância não ofende o princípio constitucional da presunção de inocência. O relator do caso foi o ministro Teori Zawaski, que defendeu esta tese. Ele afirmou que a manutenção da sentença na segunda instância encerra a análise dos fatos e provas, o que autoriza a execução da pena. Concordaram com a decisão dele os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. Discordaram da decisão os ministros Rosa Weber, Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski. O caso abriu precedentes importantes, fazendo com que outros recursos fossem julgados desta forma.

Após esta decisão de fevereiro, o Partido Nacional Ecológico (PEN) e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) entraram com duas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs), de número 43 e 44, em que pediam, inicialmente, uma medida cautelar para suspender a execução antecipada da pena de todos os acórdãos em segunda instância. As ações alegavam que o julgamento do habeas corpus do ajudante-geral havia gerado "grande controvérsia jurisprudencial" sobre o princípio da presunção de inocência porque tribunais de todo país passaram a adotar o mesmo posicionamento, ignorando o disposto no artigo 283 do Código de Processo Penal (CPP). O código diz: "Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva".

O relator das ADCs é o ministro Marco Aurélio. Em setembro de 2016, ele concordou com a tese da OAB e do PEN. No início de outubro, a maioria do Plenário do Supremo discordou dele e considerou que o disposto no CPP não veda o início do cumprimento da pena após a segunda instância. Votaram a favor da prisão após a segunda instância Edson Fachin, Roberto Barroso,  Teori Zavascki (que morreu em janeiro de 2017 e foi substituído por Alexandre de Moraes), Luiz Fux, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia.  Foram contrários à prisão após a segunda instância, além do relator Marco Aurélio, Rosa Weber, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski. Já o ministro Dias Toffoli concordou em parte com a liminar pedida pelas ADCs  —segundo ele, a execução da pena não deve ficar suspensa após segunda instância nos casos de recurso ao STF, mas deve ser nos casos em que o recurso está no STJ, que abrange situações mais comuns de conflito de entendimento entre tribunais.

A decisão dada em outubro de 2016 referiu-se apenas a medida cautelar das ADCs. O mérito dela ainda não foi julgado, apesar da pressão gerada pelo habeas corpus de Lula. Desde então, Gilmar Mendes já sinalizou que mudou o seu entendimento, o que poderia virar o placar, já que Alexandre de Moraes, que entrou no lugar de Zavascki, tende a ser contrário à prisão após segunda instância. Mas o voto de Rosa Weber é dúvida, apesar de ela ter se posicionado sempre contrariamente à prisão após a segunda instância, ela tende, em suas decisões, a respeitar o que já foi estabelecido pelo Plenário do STF. Levantamento da Folha de S.Paulo mostrou que ela foi contra réus em 57 dos 58 habeas corpus que julgou desde 2016.

Se o habeas corpus for negado Lula será preso?

Sim, mas não imediatamente. Se o Supremo negar o HC significa que está válida a posição do TRF-4 de que ele será preso, após serem esgotados todos os recursos em segunda instância. Lula ainda tem direito a um último recurso, que não tem data para ser julgado. É um recurso contra a decisão do TRF-4 do último dia 26, que negou os embargos declaratórios impetrados pela defesa. Os embargos são um recurso que permite se questionar ou tirar dúvidas em relação a sentença proferida em janeiro. Com a negativa, restou à defesa entrar com o pedido de embargo dos embargos, o que ainda não foi feito, de acordo com o advogado de Lula Cristiano Zanin Martins.

Segundo a assessoria do TRF-4, a defesa de Lula tem até as 23h59 do próximo dia 10 para apresentar este recurso. Depois, ainda há um prazo de dez dias para que o Ministério Público Federal apresente seus argumentos para negá-lo, caso se considere que o pedido da defesa pode mudar o resultado do acórdão, o que é difícil. E, ainda assim, o TRF-4 precisa tomar sua decisão, algo que não tem prazo para acontecer. Os embargos dos embargos raramente são aceitos na Corte, mas serviriam à defesa para protelar a prisão, caso o STF recuse o habeas corpus nesta quarta-feira. Caso o HC seja aceito, Lula poderá ficar em liberdade até o julgamento final de seus recursos nas instâncias superiores.

Por que procuradores dizem o HC prejudicará a Lava Jato?

Quando, em 2016, o STF concordou com a prisão após a segunda instância, uma das teorias era que isso ajudaria as investigações da Lava Jato, já que, por medo da prisão, suspeitos aceitariam firmar delações premiadas. O procurador Deltan Dallagnol, que coordena a força-tarefa da Lava Jato no Paraná, afirmou em seu Twitter que "uma derrota significará que a maior parte dos corruptos de diferentes partidos, por todo país, jamais serão responsabilizados, na Lava Jato e além. O cenário não é bom. Estarei em jejum, oração e torcendo pelo país”. 

Quais os desdobramentos de uma prisão de Lula nas eleições?

A prisão não tem uma relação direta com qualquer impedimento eleitoral, já que mesmo preso ele pode se candidatar e fazer campanha, explica o o professor de direito eleitoral da FGV-SP e do Mackenzie, Diogo Rais. A única forma de ele ser impedido de concorrer às eleições é se o Tribunal Superior Eleitoral negar a candidatura dele, com base na Lei da Ficha Limpa. A Lei tornou possível que o TSE negue a candidatura de pessoas que tenham uma condenação em um órgão colegiado, como é o TRF-4. Ou seja, após a condenação final na segunda instância o ex-presidente já pode ser enquadrado na Lei. Assim, ele pode apresentar sua candidatura para as eleições deste ano, mas corre grandes riscos que ela seja impugnada (entenda mais sobre estes trâmites aqui).

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