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Parque Augusta, nova área verde de São Paulo e “negócio da China” para construtoras

Acordo fechado entre gestão Doria e empresas encerra anos de impasse sobre área no centro da cidade Especialistas dizem que terreno a ser trocado é mais valioso e suspeitam que haja conflito de interesses

F. B.
Área do Parque Augusta, em março de 2015, em São Paulo.
Área do Parque Augusta, em março de 2015, em São Paulo.Fernanda Carvalho (Fotos Públicas)

São Paulo finalmente terá o parque Augusta, uma área verde reivindicada durante anos por movimentos sociais e associações de moradores. A Prefeitura de João Doria (PSDB) soluciona assim um caso que já se arrasta há quase 40 anos, desde que o Colégio Des Oiseaux fechou as portas, em 1969, e foi demolido, cinco anos mais tarde. Entretanto, este ganho para os paulistanos terá um alto preço e resultará a longo prazo em maiores vantagens para as construtoras que atualmente são donas do terreno, segundo avaliam especialistas consultados pelo EL PAÍS.

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O acordo – que já é dado como certo, mas só será divulgado oficialmente no dia 4 de agosto – entre a Prefeitura, o Ministério Público de São Paulo e as construtoras Cyrela e Setin prevê o seguinte: as empresas cederão o terreno de 24.000 metros quadrados em uma área de proteção ambiental, na qual uma pequena porcentagem é edificável, localizado em um bairro central de São Paulo; em troca, receberão 18.000 metros quadrados de um terreno público na Marginal Pinheiros, uma área nobre e com um potencial de construção máximo – ou seja, torres mais altas podem ser erguidas. O valor venal do terreno do parque, entre a rua Augusta e a Caio Prado, é estimado em 120 milhões, enquanto que o preço do terreno a ser cedido, na avenida das Nações Unidas, ainda está sendo avaliado pelo MP. A permuta, adiantada pela Folha de S. Paulo, ainda precisa ser aprovada pela Câmara dos Vereadores.

"Trocar os terrenos é um negócio da China para as construtoras. Ele [Doria] está trocando diamante por uma coisa do menor valor possível. É uma troca em que a cidade perde de forma brutal", avalia o arquiteto e professor Silvio Oksman. O especialista em preservação de patrimônio arquitetônico chama atenção para o fato de que a área disponibilizada pela Prefeitura é "um dos últimos terrenos da Marginal Pinheiros, em uma das áreas mais valorizadas de São Paulo, com o potencial de construção mais alto e na boca do trem". Ou seja, "atende mais ao público alvo da Cyrela que o terreno do parque Augusta", explica. Ele diz também que o tamanho da área prevista para a permuta é menos importante que o potencial de construção e potencial de venda. "Quanto vale o metro quadrado vendido em um lugar e em outro? O terreno de Pinheiros tem um potencial de valorização infinitamente maior. No baixo Augusta existe um estigma, as construtoras sabem que vai ser complicado fazer negócio ali", argumenta.

Célia Marcondes, fundadora e diretora do departamento jurídico da Sociedade dos Moradores e Amigos do Bairro Cerqueira César, aplaude a atuação do prefeito e opina que dessa vez, ao contrário das anteriores gestões, houve "vontade política". Critica ainda "os especialistas que tentam partidarizar" o pacto. "Não temos partidos e não queremos entrar numa luta partidária. Queremos que seja uma questão de negócios. A questão amadureceu, chegou a tal ponto que o caminho era esse. Era parque ou parque. A atual gestão decidiu não comprar briga com o povo e fazer um acordo. Foi uma saída inteligente da gestão municipal", argumenta.

O urbanista e vereador Nabil Bonduki (PT), que foi relator do Plano Diretor e secretário de Cultura do petista Fernando Haddad (2013-17), rebate. Ele concorda com Oskman e diz que o terreno a ser cedido fica "em uma região fabulosa, dentro da operação urbana na qual pode-se construir mais alto e com muita flexibilidade da ocupação do solo". São "regiões completamente diferentes", explica. Para ele, "uma permuta significa que apenas um único ente privado poderá ter acesso" a um espaço que é público – e que, neste caso, está dentro do pacote de bens a serem desestatizados enviado por Doria aos vereadores. "Não sou contra vender, porque o valor é muito alto. Mas o certo seria fazer uma licitação ou leilão para se conseguir o melhor preço. Talvez valesse a pena vender área inteira do terreno [50.000 metros quadrados] e não só um pedaço [os 18.000 cedidos pela Prefeitura]. Então a venda daquele terreno poderia gerar a compra não só do Parque Augusta, mas de outros terrenos para outros parques na cidade. Aí faz o que o plano diretor prevê, que é privilegiar varias regiões e não só uma em detrimento de outra", defende. A gestão Haddad, da qual fez parte, chegou a oferecer 70 milhões pelo terreno do parque Augusta, mas não encontrou uma solução para a questão.

O pacto ainda prevê contrapartidas que somam 30 milhões para a Prefeitura: a construção de uma creche, de uma nova sede da prefeitura regional de Pinheiros, que atualmente se encontra no terreno público a ser cedido, e de um centro temporário de acolhida na Cracolândia. A Cyrela e Setin também ficarão responsáveis pela implantação e gestão durante dois anos do parque Augusta e pela recuperação e gestão durante dois anos da praça Victor Civita. Além disso, segundo destacou Doria nesta terça-feira em entrevista a jornalistas, o MP liberará 100 milhões de reais que foram resgatados das contas no exterior do ex-prefeito Paulo Maluf, condenado por corrupção e lavagem de dinheiro, para serem investidos em educação e programas sociais. A Procuradoria insistia que esse dinheiro fosse usado para a compra do terreno. "Encontramos uma solução muito melhor. Não vamos gastar nada e vamos receber os 100 milhões", celebrou Doria, que ainda citou as contrapartidas mencionadas acima. A Prefeitura não quis entrar em mais detalhes sobre a permuta, que será anunciada formalmente em conjunto com o MP no dia 4 de agosto. Uma vez confirmada, o MP também retirará uma ação contra as construtoras que pede o pagamento de 500.000 reais para cada dia em que o terreno da Augusta esteja inutilizado. Caso fossem condenadas hoje, o valor a ser pago estaria por volta de 600 milhões.

O vereador Bonduki rejeita a ideia de "vender patrimônio público para pagar as contas do mês", ainda que haja uma "crise orçamentaria". "Eu pensaria no futuro. A venda daquele terreno poderia gerar a compra não só do parque Augusta, mas de outros parques, que são essenciais para o equilíbrio ambiental da cidade. Mas Doria quer resultados rápidos e aparecer como o cara que resolveu em três meses o que já dura 40 anos", argumenta. Já o arquiteto Oksman opina que as contrapartidas são "pífias". Ele também explica que já existe uma legislação que obriga que o terreno seja um parque. "Isso não está em discussão. A questão é como este parque vai ser, com prédio ao lado ou sem prédio. A área verde continua a existir mesmo que a Cyrela decida construir amanhã um edifício", explica.

Fernando Tulio Rocha, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil em São Paulo, se diz preocupado por um possível "conflito de interesses entre o mercado imobiliário e o poder público". Isso porque, recorda Rocha, o secretário de Investimento Social da gestão Doria, Cláudio Carvalho, era vice-presidente da Cyrela, onde trabalhou nos últimos 12 anos até assumir a pasta, em junho deste ano. Doria é explicitamente próximo aos executivos da construtora, que doou no início deste ano a reforma dos banheiros públicos do parque Ibirapuera.

Rocha destaca ainda que alguns detalhes do acordo, além de fatores técnicos, precisam ser esclarecidos pela gestão Doria. "Por que esse terreno e não outros? Qual interesse público por trás de sua escolha? O que será feito lá? O que poderia ser feito com esses recursos dessa área?", questiona. Ele diz que uma solução seria a construção de habitações sociais e de equipamentos públicos na região. Do contrário, diz ele, corre-se o risco de "reforçar o conceito de uma cidade murada e desigual em um terreno que é público, onde poderia haver outras atividades ou esses recursos poderiam ser investidos em outras áreas da cidade".

Grupos favoráveis ao parque se dividem

Oksman ressalta algo que para ele é inusitado: a convergência entre Doria, que "faz uma gestão para agradar o mercado", e ativistas pelo parque Augusta que em sua maioria rejeitam o setor privado. Contudo, a solução encontrada pelo tucano também dividiu aqueles que demandam por uma nova área verde. Célia Marcondes, da Sociedade dos Moradores e Amigos do Bairro Cerqueira César, comemora as novas áreas para idosos, crianças, cães e passeio, além da preservação da área verde e da restauração de uma construção histórica que ficou no local. "Há 16 anos estamos nessa luta. Em todos os Poderes. O acordo resolve o impasse e dá o parque para a população. Nós queremos o parque. Mas que seja agora, e que seja já", diz. Ela pondera que a população deve continuar de olho para que a transação seja "justa" e "cristalina", sem dar vantagens "para quem quer que seja".

Daniel Escadurra, do Movimento Parque Augusta, que promoveu a ocupação do espaço no verão de 2015, tem uma posição diferente. Em resumo, diz não querer o parque a qualquer preço. Seu grupo defende que as multas das construtoras sejam cobradas na Justiça e que o terreno seja repassado à Prefeitura como parte do pagamento. O resto, opina, deveria seria destinado para outras áreas verdes da cidade. "A gente exige o contrário do acelera São Paulo. Com uma luta de tantos anos, por que precisa definir assim dessa forma? Vemos como uma espécie de premiação: as construtoras estão cheias de multas, o terreno é um mico imobiliário que eles teriam muitas dificuldades de construir, e agora estão tendo essa saída", argumenta o músico, de 29 anos. O rapaz também aproveita que Doria fala em desestatização para sugerir um novo modelo de gestão: "Somos contra a privatização, mas também questionamos o atual modelo de gestão pública centralizada. Gostaríamos que fosse público de fato. Gerido pela comunidade. Que a gente pudesse criar um modelo de gestão novo, que levasse em conta essa possibilidade da participação popular, sem necessidade de um administrador único", explica.

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