Parque Augusta levanta acampamento
Grupo por preservação de área no centro de São Paulo deixa local por ordem da Justiça
“Olhe no meu olho e receba o meu amor”, dizia uma garota baixinha, com os cabelos cumpridos, presos por um rabo de cavalo, a um policial da tropa de choque de São Paulo. Não eram nem seis horas da manhã desta quarta-feira, horário em que a polícia faria a reintegração de posse do terreno ocupado por um movimento que reivindica a abertura do Parque Augusta na cidade.
O quadrilátero entre as ruas Caio Prado, Augusta, Marquês de Paranaguá e Consolação, com 24.000 metros quadrados de área, estava ocupado por militantes do Organismo Parque Augusta, Aliados do Parque Augusta e outros ativistas desde o dia 17 de janeiro. O terreno, de propriedade das construtoras Cyrella e Setin, está destinado à construção de dois prédios. Pelo projeto, as construtoras se comprometem a manter uma área verde, já que parte do local é tombado pelo Patrimônio Histórico, nessa que é uma das regiões mais cobiçadas pelo mercado imobiliário da cidade. No papel, o parque proposto pelas construtoras ficaria aberto ao público. Pelo Plano Diretor da cidade, ali seja criado um parque.
Desde sua ocupação, o local recebia diversas atividades diariamente, como oficinas, aulas de pilates, yoga e shows. No fim de semana anterior à reintegração de posse, diversos artistas se apresentaram por ali. Uma vigília foi feita da noite desta terça para quarta-feira.
“Eu quero ser o último a deixar o parque”, dizia um ativista. Muitos deles choravam. Aline Pereira, de 24 anos, estava com suas três malas em um carrinho. Moradora de rua, terá de encontrar um novo endereço para viver. “Vou para a Praça Roosevelt agora”, dizia. Ela estava ali desde o Carnaval. “Mas a gente ainda vai voltar pra cá”.
Um dos advogados do movimento, Luiz Guilherme Ferreira, não sabia dizer se, de fato, a reintegração de posse seria feita de forma pacífica, como a maioria dos ativistas havia decidido na noite anterior em uma assembleia. “Negociamos com os oficiais a saída, mas quando tem a Polícia Militar envolvida, a gente nunca sabe”, disse. A proposta do movimento era não resistir para que a violência da polícia não acabasse, mais uma vez, com alguma manifestação na cidade.
Com uma muda de paineira nas mãos, Jennifer Alves, de 21 anos, lamentava ter de deixar o lugar. “Estamos perdendo mais um pedaço da Mata Atlântica”, dizia. Os ativistas levaram diversas mudas, de diferentes espécies, para plantar no Vale do Anhangabaú, que está sob o risco de perder diversas árvores centenárias devido a um projeto de "requalificação" do local.
Durante o fim da madrugada e início da manhã desta quarta-feira, dezenas de pessoas recolhiam seus pertences e barracas do parque e saiam pelo portão. O barulho do movimento incomodou alguns vizinhos, que saíram nas janelas dos prédios ao redor para reclamar. “A gente não quer esse terreno pra gente, é para cidade”, gritava o artesão Piauí.
Por volta das 6h30 da manhã, na porta do parque, a PM comunicou à imprensa presente que daria uma coletiva. Levou jornalistas para fora do cordão de isolamento que estendera na rua do parque, concedeu uma coletiva e não deixou que a imprensa voltasse para a frente do parque, criando um cercadinho que isolava principalmente as redes de TV. Logo em seguida, às 7h15, o Batalhão de Choque se aproximou do portão e entrou no terreno.
Não houve confronto. A maioria saiu sozinha do terreno. Alguns poucos resistiram em cima das árvores centenárias do parque, mas desceram minutos depois. Um policial bateu com o cassetete em Izabela Alzira, que ficou com as pernas marcadas. “A polícia é a única que bate em quem está no caminho”, diz ela, que estava na frente dos policiais quando eles iniciaram a entrada no parque.
Em uma assembleia no meio da rua, os militantes decidiriam que iriam até a frente da Prefeitura para falar com o prefeito Fernando Haddad (PT). Cerca de 200 pessoas marcharam até a Prefeitura pela rua Augusta, às 9h. Por volta das 10h, pararam em frente a um stand da construtora Setin, uma das donas do terreno, para se manifestarem contra a construção dos prédios. O cruzamento da rua Coronel Xavier de Toledo com as ruas da Consolação e Martins Fontes, no coração da cidade, ficou com o trânsito totalmente interditado por alguns minutos.
Às 10h40 chegaram à Prefeitura, com a expectativa de ser recebidos pelo prefeito. Houve uma sinalização de que a vice-prefeita, Nádia Campeão, e Alexandre Padilha, secretario de Relações Governamentais, receberiam as lideranças. Não houve acordo, já que a conversa era esperada com Haddad. O ato foi encerrado por volta das 11h40 sem que houvesse diálogo entre manifestantes e o poder público.
Os militantes se reunirão nesta quinta-feira, às 20h na Praça Roosevelt, local onde eles se reuniam antes da ocupação do parque, para decidir os novos rumos do movimento. No final da manhã desta quarta, o parque já estava fechado, com sete seguranças em frente ao portão, e dois cachorros Rottwelleirs.
Verba para o verde
O movimento pela criação do Parque Augusta faz parte de onda de mobilização por parques e regiões verdes na cidade de São Paulo. Há algum tempo a população vem se manifestando para isso, sem que Prefeitura se mostre aberta à negociação. "A questão é falta de interesse do prefeito", disse Célia Marcondes, fundadora da Sociedade Amigos, Moradores e Empreendedores de Cerqueira Cesar (SAMORCC), bairro onde está inserido o terreno do Parque Augusta. "Esse é o último resquício de Mata Atlântica no centro da cidade. É só uma questão de querer. O dinheiro já está na mesa", disse.
Célia se refere ao montante de 63 milhões de reais que os bancos UBS e Citbank movimentaram desviados do ex-prefeito de São Paulo, Paulo Maluf (PP). O Ministério Público anunciou no dia 13 de fevereiro que havia assinado dois Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) com os dois bancos estrangeiros estabelecendo que esse dinheiro deveria ser utilizado para a compra do terreno do Parque Augusta, avaliado em 128 milhões de reais. Os bancos movimentaram dinheiro que teria sido desviado por Maluf durante as obras na Avenida Roberto Marinho e na construção do Túnel Ayrton Senna, durante a década de 1990. Segundo o MP, os bancos não estavam envolvidos nos desvios, mas aceitaram pagar esse valor como indenização à população por terem sido depositários dos valores irregulares. Nas contas da Promotoria, mais de 850 milhões de reais foram desviados nessa época.
Após o anúncio do MP, Fernando Haddad incluiu uma segunda opção no acordo: usar o dinheiro para a criação de novas creches. “A existência desse dinheiro é uma boa notícia. Mas se trata de uma verba pública, de todos os paulistanos. Assim, teremos de avaliar se o ideal é investir no Parque Augusta ou em creches”, disse o prefeito.
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