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Guerra contra as drogas no México entrega muitos mortos e poucas soluções

Nos primeiros anos do conflito, mais da metade dos confrontos acabou com todos os criminosos mortos

Pablo Ferri
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Longe de se ajustarem à retórica oficial do Governo de Felipe Calderón no México, os dados produzidos pelos primeiros quatro anos da guerra contra o narcotráfico mostram uma realidade bem diferente. O Centro de Pesquisa e Docência Econômica, CIDE, uma prestigiosa universidade mexicana, analisou 3.327 combates entre autoridades e supostos bandidos ocorridos entre 2007 e 2011. Mais da metade, 1.223, acabou com todos os criminosos mortos.

Além disso, os analistas do CIDE descobriram que a grande maioria dos 3.327 confrontos ocorreu por “atividade” das autoridades. Alejandro Madrazo, um dos autores do estudo, explica que “em 84% dos casos, quando o evento começa, as autoridades estavam fazendo alguma coisa, por exemplo dando uma batida em uma casa e atendendo uma ligação anônima”.

Uma das descobertas mais surpreendentes foi que apenas uma pequena parcela das operações teve amparo legal de um juiz. “Descobrimos que foram menos de 5%”, diz. Na maioria das ocasiões, explica, as autoridades agiram por sua conta, sem a supervisão do ministério público e mandato de um juiz. “31% dos combates”, acrescenta o especialista, “ocorreram quando as autoridades estavam patrulhando”.

Quando Calderón chegou à presidência em dezembro de 2006, anunciou que enfrentaria o crime organizado com toda a força do estado. Para isso, mobilizou milhares de policiais e militares no centro e norte do México. Era, disse, uma batalha justa e imprescindível. Na imprensa começaram a aparecer informações sobre confrontos entre autoridades e grupos criminosos. A polícia e as Forças Armadas explicavam em sucintos boletins que alguns delinquentes haviam morrido e outros haviam ficado feridos; que haviam sido aprendidos fuzis, cartuchos e granadas. Em muitos deles, os boletins diziam que todos os delinquentes haviam morrido na troca de tiros.

A situação degenerou muito rápido. E ao mesmo tempo começou a crescer a sensação de que tudo aquilo era muito estranho. Era normal que em um combate existissem mais criminosos mortos do que feridos? Que todos os delinquentes morressem nos tiroteios? Analistas, acadêmicos e especialistas se faziam essas perguntas.

Em 2011, pesquisadores da Universidade Nacional Autônoma do México adaptaram um indicador para avaliar se os agentes abusaram da força nesses anos. O indicador se chamava índice de letalidade. Outros colegas o usaram no Brasil com bons resultados.

O índice de letalidade mede a relação entre civis feridos e mortos em um confronto. “Não se trata”, escreveram os acadêmicos, “de que por si só determinem a existência de privações arbitrárias da vida, mas de números que alertam sobre um contexto de preocupação”. Assim, qualquer confronto que acabasse com mais mortos do que feridos era motivo de alerta.

Os pesquisadores do CIDE retomaram agora o índice de letalidade. Graças a um vazamento dos dados com os quais o Governo do próprio Calderón trabalhou, descobriram que a metade dos combates acontecidos nos primeiros quatro anos de seu mandato acabou com todos os delinquentes mortos. Já não com mais mortos do que feridos: todos mortos. Os pesquisadores do CIDE consideram que um combate em que todos os civis morrem apresenta um índice letalidade perfeita.

As hemerotecas da imprensa mexicana estão cheias de situações desse tipo. Em 26 de fevereiro de 2010, o jornal Reforma informou, por exemplo, a morte de quatro criminosos após um confronto com militares próximo a Matamoros, Tamaulipas, na fronteira com os Estados Unidos. A Secretaria de Defesa Nacional explicou depois em um comunicado que um comando armado havia atacado os militares. No tiroteio, os quatro criminosos morreram. Sem feridos. Sem perguntas. Sem mais repostas.

Em escala regional, a maior quantidade de cenários como esse ocorreu no nordeste. Dos 1.223 confrontos que apresentaram um índice de letalidade perfeita, 502 ocorreram nos estados de Nuevo León e Tamaulipas em 2010 e 2011. Quase a metade. Os dados batem com a explosão de violência na região pela guerra entre cartéis.

Zetas, Golfo e atividade militar

Em fevereiro de 2007, o presidente Calderón iniciou a Operação Conjunta do nordeste. O mandatário ordenou a mobilização de 3.500 policiais, militares e fuzileiros navais em Nuevo León e Tamaulipas, além de nove helicópteros, três aviões e 48 veículos táticos militares. Depois viriam mais. Era a terceira operação organizada pelo presidente em apenas dois meses de Governo. A batalha havia começado.

Na época, o cartel Los Zetas ainda respeitava a cadeia de comando do Cartel do Golfo. Se o Cartel de Sinaloa dominava os cultivos de maconha e amapola na região noroeste, o Golfo controlava a fronteira nordeste e a costa atlântica das mãos do Los Zetas. Mas tudo aquilo mudou. A prisão de vários líderes de ambas as organizações e as contínuas brigas entre os novos quadros acabaram em uma guerra que afetou os dois estados.

Presos em meio à batalha, a Polícia Federal, o Exército e a Marinha tentaram tomar o controle. Assim, Nuevo León e Tamaulipas concentraram quase a metade dos 3.327 combates ocorridos no país durante esses anos. Em 2010 foram 447 de 1.027. No ano seguinte a história se repetiria: 623 de 1.441.

A quantidade de denúncias nesses quatro anos por violações aos direitos humanos beirou o incomensurável. O ombudsman mexicano recebeu 4.000 queixas e preparou dezenas de relatórios com grande quantidade de práticas inadequadas das autoridades, especialmente das Forças Armadas.

A pergunta é óbvia: o que realmente aconteceu durante esses anos no nordeste de México?

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