Júri de Dilma, dia 4: Um discurso para a história com pouca chance de mudar seu curso
Petista faz sua defesa por 14 horas no Senado e precisa virar até sete votos para ser absolvida
Diante de um Luiz Inácio Lula da Silva apreensivo, que esfregava as mãos na barba, e de 81 senadores atentos e silenciosos, Dilma Rousseff fez nesta segunda-feira um discurso duro, com os olhos no registro histórico. Defendeu-se, em uma fala inicial de 40 minutos, não só contra os crimes dos quais é acusada, mas também contra as manchas que o processo pode trazer à sua biografia. Comparou a defesa diante dos senadores com a que foi obrigada a fazer diante dos algozes da ditadura militar. A voz embargou ao lembrar de sua história.
Dificilmente as mais de 13 horas de sessão -em que após o discurso, Rousseff respondeu a todos os questionamentos de 47 senadores- mudarão opiniões políticas já formadas de senadores. Mas sua defesa foi, sem dúvida, importante para que ela, finalmente, se posicionasse pessoalmente das acusações, com transmissão pela TV, e humanizasse o processo. No plenário, a grande maioria dos inscritos não deu sinais de arrefecer posições. Mais efeito podem ter, entretanto, as ações de Lula nos bastidores, enquanto ela falava: o ex-presidente deixou o Senado no meio da tarde e, segundo um aliado, não estava "nem no hotel, nem com Chico Buarque", cantor que também esteve na sessão. "Estava fazendo política", explicou. Encontrava-se com senadores que ainda se mostravam indecisos, tentando arrancar os últimos votos necessários. Dos 81 senadores, 54 precisam votar pelo impeachment para que ele seja aprovado. As estimativas feitas pelos jornais calculam entre 48 e 52 o número de votos pró-impeachment. A expectativa é que o julgamento, a ser retomado `as 10h desta terça-feira, seja concluído na madrugada da próxima quarta-feira ou se alongue pela manhã.
Entre os argumentos explorados por ela estiveram: a crise econômica foi amplificada pela política, um impeachment sem crime de responsabilidade é golpe, um dos principais articuladores do processo de impedimento da presidenta da República foi o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) -e o fez por vingança. A todo momento, Rousseff disse ser inocente e alegou que os delitos aos quais responde não podem ser configurados como irregularidades.
Essa foi a primeira vez que um chefe de Estado foi ao Congresso se defender de acusações. O Brasil já passou por outros dois processos de impeachment. O de Getúlio Vargas, em 1954, parou na Câmara. E Fernando Collor, agora senador julgador de Rousseff, renunciou antes da votação no Senado, em 1992.
As estratégias de Rousseff para tentar ser absolvida eram defender um plebiscito para consultar a população sobre a reforma política e a redução do mandato presidencial, assim como ensaiar um mea-culpa. Neste segundo caso, ela até chegou a pedir perdão duas vezes, algo raro em nos quase cinco anos e meio que administrou o país. Na primeira ocasião, ela se desculpou pelo seu partido, o PT, não ter apoiado a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal. Na segunda, desculpou-se por não ter conversado tanto com políticos.
Em resposta ao senador Eduardo Amorim (PSC-SE) que cobrou mais diálogo, a petista disse: “Senador, o senhor receba as minhas desculpas por não ter atendido às suas expectativas quanto ao diálogo. É algo que eu tenho clareza: que é importante que seja feito”. Rousseff afirmou, contudo, que deixar de conversar não é razão para esse processo de impeachment, pois entende que não cometeu nenhum crime de responsabilidade.
Ao longo de toda a sessão, notou-se que a petista foi bem treinada por seus auxiliares e acabou sendo beneficiada pelo formato do interrogatório, em que a réplica dos questionadores era vetada. Cabia aos apoiadores do impeachment recorrerem à imprensa para fazerem o contraditório a ela. “Não conseguiu esclarecer nenhuma dúvida”, afirmou Ana Amélia (PP-RS). “A presidente perdeu a oportunidade de se explicar à sociedade”, reclamou Cássio Cunha Lima (PSDB-PB). “Ela aproveita cada pergunta para fazer um discurso político”, concluiu Aécio Neves (PSDB-MG).
Assédio
Enquanto Rousseff falava, era observada, no início da sessão, pelo seu mentor político e antecessor, Lula, e por intelectuais como o cantor Chico Buarque e a filósofa Márcia Tiburi. O cantor e Lula foram bastante assediados, inclusive por parlamentares que queriam ser fotografados com eles. Entre os convidados da acusação, estavam representantes de movimentos sociais que estimularam os protestos a favor do impeachment como Movimento Brasil Livre, Vem Pra Rua, Revoltados Online e Nas Ruas.
Durante quase todo o dia, o plenário estava lotado. O ar condicionado em alguns momentos parecia não funcionar. Deputados federais, que têm livre trânsito no Senado, se aglomeraram nos arredores das mesas dos senadores para assistirem ao discurso da presidenta, de manhã. Quando a petista concluiu sua fala inicial, que durou pouco mais de 40 minutos, vários dos parlamentares, a aplaudiram e gritaram um lema da campanha (“Dilma, guerreira, do povo brasileiro”). Por conta dessa manifestação espontânea, o presidente do Supremo Tribunal Federal e coordenador dos trabalhos, Ricardo Lewandowski, precisou interromper os trabalhos por dois minutos.
Nesse discurso, Rousseff atacou Eduardo Cunha em ao menos nove ocasiões, disse que, ao contrário dele, não responde por “crimes de lavagem de dinheiro, por ter contas no exterior, nem tampouco por utilização indevida de legislação, aprovação de legislação ou por desvio de dinheiro público”. Ao longo das respostas aos senadores, ela citou o deputado afastado outras duas dezenas de vezes, pelo menos. Em síntese, ela disse que seus opositores “encontraram, na pessoa do ex-presidente da Câmara, o vértice da sua aliança golpista”. Na versão dela, ele só acatou a abertura do processo de impeachment por vingança, já que o PT votaria a favor da representação contra ele no Conselho de Ética da Câmara.
Um raro momento de descontração ocorreu quando Rousseff tratava, exatamente, do peemedebista. Ao responder que seu impeachment não era apenas uma manifestação espontânea das “ruas”, ela disse que parte das lideranças desses movimentos “eram as mais enfáticas e esfuziantes em tirar retratos com o senhor deputado Eduardo Cunha”. “A vida é assim, senador [Cássio Cunha Lima]: dura. Então, senador, não há como se falar da espontaneidade desse processo”. Houve uma risada quase generalizada no plenário.
Sem citar diretamente o nome do presidente interino, Rousseff também atacou Michel Temer (PMDB). “Se consumado [o impeachment], resultará na eleição indireta de um governo usurpador”. Citou ainda que a gestão dele não tem mulheres em seus ministérios, “quando o povo nas urnas escolheu uma mulher para comandar o país”. “É um governo que dispensa os negros na sua composição ministerial e já revelou um profundo desprezo pelo programa escolhido e aprovado pelo povo em 2014”.
Do lado de fora do Congresso, os protestos contrários e favoráveis ao impeachment foram bastante tímidos. Enquanto na primeira etapa do processo em abril, na Câmara dos Deputados, mais de 100.000 pessoas ocuparam a Esplanada dos Ministérios, dessa vez menos de 2.000 se aglomeraram no local. Conforme a PM, durante a noite, cerca de 1.500 estavam entre os apoiadores de Rousseff e 200 do lado de seus opositores. Durante o dia, enquanto ela discursava, esse contingente não passou de 150 nos dois lados.
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