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Júri de Dilma, dia 2: Destempero de Renan é parte de nova estratégia do impeachment

Presidente do Senado incendiou sessão ao chamar processo de burrice e atacar senadora do PT

Renan discursando cercado pelos petistas Lindbergh, Fátima e Gleisi.
Renan discursando cercado pelos petistas Lindbergh, Fátima e Gleisi.MARCELO CAMARGO

As emoções que faltaram no primeiro dia do julgamento da presidenta afastada Dilma Rousseff (PT) sobraram no segundo. O protagonista da vez foi o presidente do Senado Federal, Renan Calheiros (PMDB-AL), um político habilidoso que se aliou, ao menos por alguns períodos, a todos os governos brasileiros desde a redemocratização do país. Desde que o processo de impedimento da petista chegou ao Senado, Calheiros dizia que seria imparcial, tentando preservar ao máximo sua imagem de chefe da Casa e mantendo as pontes possíveis com os dilmistas. Seu inusual e destemperado discurso nesta sexta-feira mostra que, aparentemente, ele embarcou de vez no Governo, prestes, ao que tudo indica, a deixar de ser interino, de Michel Temer (PMDB). À imprensa, entretanto, ele nega: diz que ainda não decidiu se votará ou não no julgamento.

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Em menos de oito minutos, Calheiros incendiou o plenário do Senado. Falou que a Casa se comportava como um “hospício”, que o que vinha ocorrendo no Senado era de uma “burrice infinita” e atacou uma das principais defensoras de Rousseff na Casa, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR). Calheiros chegou a dizer que ele, pessoalmente, impediu que a parlamentar e seu marido, o ex-ministro Paulo Bernardo, fossem indiciados pelo Supremo Tribunal Federal. Bernardo chegou a ser preso em junho em um desdobramento da Operação Lava Jato.

“Ontem, a senadora Gleisi chegou ao cúmulo – chegou ao cúmulo – de dizer aqui para todo o país que o Senado Federal não tinha moral para julgar a presidenta da República. (...) Como uma senadora pode fazer uma declaração dessa? Exatamente, senhor presidente, uma senadora que, há 30 dias, o presidente do Senado Federal conseguiu, no Supremo Tribunal Federal, desfazer o seu indiciamento e do seu esposo que havia sido feito pela Polícia Federal”, disse o senador de Alagoas.

A agitação se instalou e a sessão foi interrompida. Pouco depois, Calheiros disse à imprensa ter se arrependido. “Nem sei como isso aconteceu porque não é do meu temperamento.” E concluiu: “Achei desproporcional aquela provocação [da senadora Gleisi] e reagi. Quando isso acontece, me arrependo e tenho uma brutal ressaca no dia seguinte”. Declarou ainda que não foi ele, diretamente, que agiu para evitar o indiciamento da senadora, mas a Mesa Diretora, a Advocacia Geral e a Presidência da Casa. Ao final da entrevista, ironizou dizendo que o Legislativo deveria aproveitar as mudanças que são propostas no Código Penal para acrescentar o “crime de ingratidão”.

Vieram as reações. Os petistas e seus aliados reclamaram da conduta de Calheiros. “O presidente Renan perdeu a chance de ficar calado. Ele devia ter tido uma fala para tentar acalmar os ânimos. Pelo contrário, ele tocou mais fogo”, afirmou Lindbergh Farias (PT-RJ), que tem participado de todas as discussões acaloradas do julgamento.

Entre peemedebistas há duas leituras sobre a cena de Calheiros. Uma ala do partido diz que o presidente da Casa só quis defender a instituição e se excedeu ao reagir às provocações dos petistas -ele disse à noite que, enquanto fazia ao microfone uma mensagem que pretendia que fosse pacificadora, ouvia nos fundos os defensores de Rousseff o acusando de mentir. A outra leitura é a de que ele decidiu escolher um lado, o de Michel Temer. Nesta hipótese, ele que se considerava um aliado de Rousseff até há algumas semanas, poderia votar a favor do impeachment dela na próxima terça-feira e selar o embarque ao Governo com um voto de grande simbologia. Ele nega. “Quem está especulando sobre isso é porque realmente não me conhece”, afirmou. “Eu ainda não decidi, estou refletindo. Este processo é longo e traumático. E a reflexão também”.

Discurso eleitoral e pressa

Enquanto Calheiros reflete, os aliados de Temer têm pressa. Eles desistiram de fazer perguntas às cinco testemunhas da defesa e à própria Rousseff, sob a alegação de “economia processual”, conforme explicou o senador Aécio Neves (PSDB-MG). De acordo com o líder dos peemedebistas no Legislativo, o senador cearense Eunício Oliveira, a decisão de não questionar testemunhas ou a presidenta faz parte da estratégia de não se deixar provocar a partir de agora. “Descobrimos que o PT está com várias pessoas filmando a sessão para usar os debates na campanha eleitoral. Não vamos mais discutir nada para não dar esse espaço a eles”, afirmou ele. E completou: “Além do mais, a essa altura do campeonato, todos já estão com sua convicção formada. Ninguém vai mudar voto. Queremos logo uma definição”.

Um dos auxiliares mais próximos do presidente interino, o secretário-executivo de Investimentos, Moreira Franco, diz que a estratégia do PT é tentar desqualificar seus adversários. “O clima de intolerância das ruas diminuiu, mas parece que o PT quer reavivar a militância. Não podemos cair nessas provocações”, ponderou. Vice-presidente do Senado, Jorge Viana (PT-AC), rebateu: “Ninguém está pensando em campanha. Está se tendo um golpe parlamentar no Brasil. Estamos em uma sessão de julgamento, usando artigos da Constituição Federal de maneira falseada. Não pensamos em eleição agora.”

Seja como for, os depoimentos do dia 2 do júri de Dilma Rousseff não trouxeram grandes novidades. A defesa de Rousseff decidiu abrir mão de uma das testemunhas, a professora Esther Dweck, ex-secretária do Orçamento Federal. Além disso, transformaram outros dois depoentes, Luiz Gonzaga Belluzzo e Ricardo Lodi Ribeiro em informantes. Belluzzo depôs nesta sexta-feira, assim como o professor de direito processual Geraldo Prado e o ex-secretário-executivo do Ministério da Educação Luiz Cláudio da Costa. O professor Lodi e o ex-ministro do Planejamento e da Fazenda de Rousseff, Nelson Barbosa, irão depor no sábado. A previsão é que no domingo a sessão seja suspensa, sendo retomada na segunda-feira, com o depoimento da ré Dilma Rousseff.

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