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Apuração no Peru indica vitória de Kuczynski por margem mínima

Com 97% dos votos apurados até o momento, candidato liberal fica à frente de Keiko Fujimori por meio ponto

Pedro Pablo Kuczynski acena para eleitores.Foto: atlas | Vídeo: MARIANA BAZO

A contagem final dos votos na eleição no Peru confirmou a inesperada derrota por uma mínima diferença da direitista Keiko Fujimori  e a vitória do liberal Pedro Pablo Kuczynski (PPK). Com quase todos os votos apurados, o resultado mostra que os Fujimori repetiram seu fracasso de 2011, quando ficaram sem a vitória na reta final frente a Ollanta Humala. De novo a onda antifujimorismo do final da campanha, neste caso com um respaldo de última hora da esquerda ao liberal Kuczynski para frear Fujimori, parecem ter tido um efeito surpreendente. A diferença entre Kuczynski, que segue a frente, e Fujimori foi diminuindo até ficar em pouco mais de 55.000 votos sobre um total de quase 18 milhões (0,33%) com 97,5% contabilizados.

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Uma diferença tão escassa e o habitual voto envergonhado em Fujimori faziam todos os especialistas agirem com cautela na noite de domingo, prevendo apuração longa e tensa, na qual poderia ser crucial a atuação de fiscais e interventores partidários – algo em que a rede do fujimorismo é muito mais poderosa no país inteiro.

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Num ambiente de grande tensão, com uma diferença tão escassa e muitas preocupações com fraudes, Kuczynski compareceu diante de seus seguidores com uma expressão de inquietação muito contida. “Não ganhamos ainda, para isso será preciso esperar os resultados oficiais. Temos que ser vigilantes para que não nos roubem os votos na mesa. Mas tenho certeza de que a ONPE [organização eleitoral] sairá [nesta segunda-feira] à noite com seu veredito em favor da democracia. Teremos um país democrático. Por isso tomamos estes veredictos oficiais com otimismo, mas com modéstia. Nós abominamos a ditadura e amamos o diálogo”, afirmou o candidato. E com isso chamou ao diálogo, imprescindível por estar em minoria no Congresso. “Somos conciliadores, apesar do que dizem sobre nós, e vamos poder governar o Peru para um horizonte brilhante e melhor. vamos conversar com todos. Chega de sarcasmo e enfrentamento.”

Pouco depois falou Keiko Fujimori e, longe de reconhecer a derrota, anunciou ser a ganhadora e disse que sua vitória seria confirmada quando fossem apurados os votos do interior. “Enche-nos de orgulho saber que contamos com 50% de respaldo popular”, afirmou. “É uma votação apertada, mas vemos a vitalidade da democracia do nosso país. As cifras que vemos na televisão nos mostram um empate técnico. Vamos esperar com prudência, durante toda a noite chegarão os votos das regiões e o voto rural do Peru profundo. Por isso estamos otimistas. Hoje dissemos que não queremos ódio, queremos unidade e reconciliação. Estamos contentes rumo à vitória”, bradou.

Keiko Fujimori em um mitin.
Keiko Fujimori em um mitin.STRINGER (REUTERS)

Antes da divulgação dos dados oficiais, duas pesquisas de boca de urna apontavam uma vitória mínima de Kuczynski (50,4% x 49,6%, segundo o Ipsos, e 51,2% x 48,8%, segundo GFK), ao passo que outra, do CPI, indicava a vitória de Keiko com 51,1% x 48,9%. O tradicional voto fujimorista oculto causava uma desconfiança geral – mas a apuração das primeiras seções já não é uma pesquisa, e sim um dado real.

Fujimori centrou sua campanha na segurança pública, buscando o voto dos pobres. Há apenas uma semana, sua vitória parecia inevitável, com 5 ou 7 pontos de vantagem sobre Kuczynski. Mas o candidato deu um giro radical na sua campanha, endureceu seus ataques e, sobretudo, surfou na onda antifujimorista estimulada pela esquerda e nos escândalos que afetaram o partido de Fujimori – seu secretário-geral precisou sair de cena devido a uma investigação da DEA, agência antidrogas dos EUA.

Fujimori parece ver esfumar-se uma vitória que tinha nas mãos, sobretudo graças ao voto dos pobres, que apostavam nela motivados pelo desespero da insegurança e a sensação de desproteção. No centro de votação do colégio Leoncio Prado, no bairro de Pamplona Alta, muito perto de uma favela onde Keiko é popularíssima, essa realidade salta à vista. Os habitantes fecharam suas próprias ruas com enormes grades, para se proteger dos ladrões. Cada morador dessas casas baixas, conta Maribel, dona de um quiosque de comida, tem chaves do portão. Os carros não podem circular em nenhum momento, e de noite as ruas ficam completamente fechadas, inclusive aos pedestres. “Como a prefeitura não cuida de nós, nós mesmos cuidamos. É por causa das quadrilhas”, diz ela. Em Lima, quase todas as casas dos bairros de classe média têm cercas eletrificadas, e em todos os bares e restaurantes há correntes sob a mesa para prender a bolsa e evitar furtos. A insegurança é um assunto central, sobretudo para os mais pobres, que a sofrem mais.

“Moradores unidos contra o roubo. É proibida a entrada de delinquentes. Serão presos e punidos pela patrulha dos moradores”, diz um cartaz em outra rua do bairro fechada pelos moradores, o que dá uma ideia dessa autogestão. É nesse ambiente que o fujimorismo e suas propostas linha-dura cresceram. Entretanto, mesmo aqui, em território fujimorista, há pessoas como Alicia que votaram em Kuczynski, “porque tem mais experiência [77 anos, frente aos 41 de Keiko]”, disse ela ao sair da sua seção eleitoral. “As pessoas das invasiones [favelas nos morros] votam em Fujimori porque estão gratas pelo leite que lhes dão de manhã e pelos refeitórios populares que têm. Mas eu vou apoiar PPK pelo bem do país”, diz Teodulfo.

Na universidade privada Ricardo Palma, num bairro limenho de classe média, dois jovens que faziam pesquisa de boca de urna para dois institutos diferentes comentaram que a votação “está muito apertada”. Lima é crucial porque nesta metrópole vive um terço dos quase 23 milhões de peruanos aptos a votar. E é onde Kuczynski estava mais forte, especialmente depois de receber o apoio inestimável da líder esquerdista Verónika Mendoza. Graças a ela, conseguiu entrar nos bairros pobres de Lima e no sul do país, onde sozinho não teria nenhuma força. Os primeiros dados indicavam que Kuczynski ganhou em Lima e no sul, precisamente graças aos votos de Mendoza.

Ela deixou claro que apoiou o liberal Kuczynski apenas para evitar a vitória de Fujimori, mas que não irá aderir ao novo Governo. “A partir de segunda-feira faremos uma oposição vigilante”, afirmou a ex-candidata de esquerda após votar em Cusco, sua cidade. Esse é outro dos grandes problemas. Se Kuczynski confirmar a surpresa neste segundo turno, terá pela frente um Congresso controlado pela família Fujimori. Alguns analistas, no entanto, acreditam que muitos parlamentares fujimoristas acabarão se aliando a Kuczynski, e que Keiko, após uma segunda derrota, entrará em uma guerra familiar com seu irmão Kenji, que aspira a sucedê-la, e que só o pai deles, preso, poderia dirimir essa disputa. Confirmando essa análise, Kenji distanciou-se claramente da irmã e se absteve de votar. Seja como for, o eventual Governo Kuczynski enfrentará dificuldades parlamentares.

A guerra de fundo é total, mas o Peru é um país onde as formalidades são sempre respeitadas e todos demonstram uma enorme tranquilidade e respeito. Os candidatos mantiveram um ritual especial em um país que tem uma das cozinhas mais famosas do planeta: o generoso café da manhã eleitoral diante das câmeras. Em ambiente festivo, os candidatos abrem suas casas ou algum local ligado ao partido para tomar o café da manhã com cobertura ao vivo de todas as redes de televisão.

Kuczynski tomou café com sua esposa, Nancy Lange – prima da atriz Jessica Lange – em La Victoria, um bairro popular. “Que hoje ganhem a democracia, a unidade e o diálogo. Votem com alegria”, pediu aos seus seguidores. Keiko Fujimori fez a refeição diante das câmeras com suas filhas e seu marido, Mark Vilanella, além de seu irmão Kenji e sua mãe, Susana Higuchi, que nos anos 90 se divorciou de seu pai e denunciou a corrupção fujimorista. Agora os pares dos dois candidatos são cidadãos dos EUA. “É um dia de festa, estou contente, com esperança”, disse Fujimori antes de votar. Somente a apuração determinará de quem será a festa dessa vez.

AS PARTES FRÁGEIS DO PROCESSO ELEITORAL

J.Fowks

No Peru, as distâncias geográficas não são importantes somente por sua difícil geografia e insuficiente infraestrutura de transporte. Existem urnas que precisam ser transportadas de canoa pela selva por vários dias antes da votação e só podem ser apuradas um dia depois. Além disso, poucas pessoas estão informadas sobre o que é legal e o que não é nas eleições, e essa vantagem é aproveitada por quem quer contestar votos e invalidar uma mesa. O empate técnico previsto pelas pesquisas aumenta a tensão. O fantasma da fraude de 2000, quando Alberto Fujimori foi reeleito pela terceira vez, aumenta o alerta dos que têm memória.

A eleição foi mais tranquila do que no primeiro turno, com muito menos filas – era mais simples com dois candidatos e foram estabelecidas medidas adicionais – mas ocorreram problemas em algumas mesas porque os mesários não chegaram e as pessoas que, segundo a lei, deveriam assumir a função, isto é, os primeiros na fila para votar, não quiseram assumir a responsabilidade.

Outras pessoas denunciaram diversas irregularidades, uma delas comum desde as eleições anteriores: as cédulas previamente marcadas por um dos candidatos. Em mesas de Lima e Arequipa foram encontradas cédulas a favor de Keiko Fujimori antes que os eleitores votassem. O presidente da mesa 37891 em Lima rasgou uma. Mas esse comportamento pode não ter se repetido em lugares sem fiscalização eleitoral e sem observação da população.

Em Lima pessoas se identificaram nas mesas de votação como personeros (fiscais) de um candidato, quando eram na realidade infiltrados do adversário: os personeros defendem os votos de seu partido, mas devem se registrar antes na organização política e tornarem-se aptos. No Facebook foram divulgadas fotos de uma mulher que se fez passar por personera do partido Peruanos por el Kambio, e tentou confundir os representantes do Escritório Nacional de Processos Eleitorais (ONPE) e os verdadeiros personeros registrados.

Por outro lado, na sexta-feira algumas pessoas divulgaram no Facebook fotos de uma urna da ONPE levada de uma casa particular em Lima a um táxi, quando as urnas devem ser transportadas em grandes quantidades pelo meio de transporte contratado formalmente pela entidade, geralmente caminhões.

Além disso, desde o primeiro turno especialistas em informática alertam que não existem auditores independentes para revisar tanto o servidor central da ONPE, para detectar possíveis invasões e vazamentos, como o software e o servidor do voto eletrônico.

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