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Mulheres elegem filmes e livros (sobre mulheres) que você precisa conhecer

Cineastas e escritoras brasileiras compartilham suas histórias preferidas sobre mulheres

Uma Thurman no filme 'Kill Bill', de Quentin Tarantino.
Uma Thurman no filme 'Kill Bill', de Quentin Tarantino.

A voz feminina está se fazendo ouvir, em alto e bom tom, em diversas cidades brasileiras.

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Enquanto milhares de mulheres se manifestam nas ruas do país em prol de seus direitos e de sua integridade, no cinema e na literatura mundiais suas histórias de resistência vêm sendo contadas através de livros e filmes imperdíveis. Muitos deles merecem e precisam ser ouvidos, especialmente em tempos como os atuais, de conservadorismo retrógrado e daninho.

Por isso, convidamos cineastas, escritoras, professoras, jornalistas e pesquisadoras para fazer uma lista de indicações culturais que ajudaram a formar os olhares delas sobre o tema – e que você precisa conhecer.

Confira abaixo as escolhas da mulherada e divirta-se com um tema sério e urgente. Nem que seja por um fim de semana.

Anna Muylaert, cineasta

Filmes:

Força maior, de Ola Fløttum (Suécia; 2014)

Juno, de Jason Reitman (EUA; 2007)

Kill Bill, de Quentin Tarantino (EUA; 2003)

Excêntrica família de Antônia, de Marleen Gorris (Holanda; 1995)


Petra Costa, atriz e cineasta

Filmes:

Cléo das 5 às 7, de Agnes Varda (França; 1962)

Pippi Longstocking, de Olle Hellbom (Suécia; 1969)

A cor púrpura, de Steven Spielberg (EUA; 1985)

Beaches, de Garry Marshall (EUA; 1988)

Livros:

Personas sexuais, de Camille Paglia

Problemas de gênero, de Judith Butler

Segundo sexo, de Simone de Beauvoir

Misconceptions, de Naomi Wolf

Vagina – Uma biografia, de Naomi Wolf

Um teto todo seu, de Virginia Woolf

 
Cláudia Lage, escritora

Um teto todo seu, de Virgina Woolf

As boas mulheres da China, de Xinram

A aventura de contar-se, de Margareth Rago

Três vidas, de Gertrude Stein


Marianna Teixeira Soares, agente literária

Livros:

Um defeito de cor, de Ana Maria Gonçalves

Mundos de Eufrásia, de Cláudia Lage (leia um trecho abaixo)

Um útero é do tamanho de um punho, de Angélica Freitas


Erika Balbino, escritora e pesquisadora

Livros:

Um defeito de cor, de Ana Maria Gonçalves

Quarto de despejo, de Carolina de Jesus


Silvia Beatriz Adoue, professora

Filmes:

A fonte das mulheres, de Radu Mihaileanu (Romênia; 2011)

Incêndios, de Denis Villeneuve (Canadá; 2010)


Sheyla Smanioto, escritora

Livros:

Rezem pelas mulheres roubadas, da Jennifer Clement

Paraíso, da Tatiana Salem Levy

Um útero é do tamanho de um punho, da Angélica Freitas

Vitamina, da Juliana Bernardo

Séries:

Bob's burger

Parks and Recreation


Leusa Araújo, escritora e pesquisadora

Filmes:

Dez, de Abbas Kiarostami (Irã; 2002)

O casamento de Maria Braun, de Rainer Werner Fassbinder (Alemanha; 1979)

Duas ou três coisas que sei dela, de Jean-Luc Godard (França; 1967)


Marina Terra, jornalista

Livro:

Quando me descobri negra, de Bianca Santana

Trecho do livro 'Mundos de Eufrásia'

Cláudia Lage

(sobre a espera amorosa, e outras)

Na Chácara de Hera, Eufrásia seguia de longe a irmã pela casa, impressionada com a nódoa escura que tomava o seu rosto, com o modo que vagava silenciosamente pelos aposentos. Os pés trôpegos mancavam com maior desequilíbrio, porém, com súbita delicadeza, imperceptíveis sobre o chão de madeira. Eufrasinha contava os passos, somava os suspiros, diminuía os sorrisos de Francisca. Ela podia estar lendo com esforço um livro, comendo sem apetite, ou imersa no nada, não importava. Fizesse o que fizesse, Eufrásia podia ver, por trás da leitura, da falta de apetite ou do vazio, a espera. Quando Francisca acordava, quando dormia, bebia água, tomava banho, dedilhava o piano, na verdade, não despertava, nem sonhava, nem matava a sede, limpava o corpo ou tocava música, na verdade, esperava. Apenas esperava.

Por uns bons meses, na Chácara de Hera, coube à mucama Cecília a árdua tarefa de consolar as duas mocinhas decepcionadas com a lealdade masculina. Cecília às vezes deixava de encontrar com o negrinho Inácio em um canto escuro da senzala para enxugar o choro e dormir de mão dada com Eufrasinha, que lhe pedia para cantarolar baixinho as canções dos escravos e dos amores perdidos da África. Com a sinhazinha mais velha, se limitava a sentar ao seu lado, aguardando pacientemente, com o lenço de cambraia estendido, as lágrimas que Chiquinha não derramava mais.

“Por que não choras?”, Eufrásia perguntou um dia à irmã. Não se conformava por Francisca prender o sofrimento por Marco Antônio no corpo cada vez mais inclinado, e no rosto cada vez mais sombrio. Francisca não respondeu, preferiu revidar, “E tu, por que choras tanto?”. E entendendo que a irmã caçula havia absorvido o seu desespero. “Pare com isso!” E vendo que os olhos de Eufrasinha umedeciam. “Não chores por mim!” E sentindo no próprio olhar a umidade, “não tens este direito!”.

Se afastou, rápida e trôpega. Eufrasinha saiu correndo na direção oposta, assustada com a voz cavernosa da irmã. Mais tarde, a encontrou debruçada na janela, em uma espera esquecida. Nos cotovelos feridos de Francisca, Eufrasinha viu a sua própria espera pelas cartas do menino Nabuco, viu o alvoroço das primas na espera pelos futuros maridos, futuros filhos, futuros bordados de linho para enfeitar a futura mesa da sala de jantar e cobrir a futura cama de casal. Viu a tia Cândida, com os doces maravilhosos que fazia sem dar conta da maravilha. Precisava esperar aflita o marido passar a língua nos lábios e os filhos rasparem o prato para dar a compota como benfeita. Viu a tia Ernestina, que criticava seu pai por lhe ensinar mais aritmética do que o comum para uma mocinha quando ela própria se atrapa- lhava nas contas do armazém. Tinha que esperar hesitante o marido chegar para conferir se havia somado ou diminuído corretamente. De novo viu tia Cândida, que dizia ter mais o que fazer do que enfiar as cabeças nos livros, enquanto esquecia as receitas que ela mesma inventava. O seu português ruim a fazia confundir a ortografia dos ingredientes e a escrever mal as palavras. Precisava esperar o marido Cristóvão ter tempo para uma coisa tão tola quanto receita de doce para passar o que recordava da cabeça para o papel. Viu a prima Julieta, bordadeira do linho mais branco, que esperava que seu futuro marido, que nem sequer conhecia, fosse apreciar no escuro leito conjugal mais a suavidade dos lençóis do que a sua pele roliça. Viu a prima Evangelista, que fazia todos os tipos de simpatia na lua cheia para que sua primeira gravidez fosse de um varão, esperando assim conquistar de vez o futuro marido, que nem havia ainda despontado no horizonte. De novo, a tia Ernestina, que falava pelos cotovelos da vida de Deus e do mundo, dando opinião sobre tudo e todos, e quando entre os homens, calava-se respeitosamente, na espera vã e aflita de lhe ser direcionada alguma pergunta. Viu a mãe Ana Esméria, que reunia as mulheres no oratório da casa para rezar, numa espera febril de merecimentos e milagres, um rosário interminável a Santo Antônio e outro a Santo Expedito, que ela sabia muito bem ser um o santo casamenteiro e outro o das causas impossíveis. Naquela mesma tarde cinzenta, Eufrasinha guardou as cartas de Quinquim num pequeno baú de coisas envelhecidas, decidida a não precisar nunca da chegada de ninguém para fazer uma conta, escrever uma receita, ou o que quer que fosse.

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