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Pela primeira vez no cinema, os mistérios da gravidez

Entra em cartaz o ‘Olmo e a Gaivota’, novo documentário de Petra Costa, de 'Elena' Filme expõe a transformação que vem com a maternidade no corpo de uma atriz

São Paulo -
Olivia Corsini em 'Olmo e a Gaivota', de Petra Costa.
Olivia Corsini em 'Olmo e a Gaivota', de Petra Costa.Divulgação

Quando a atriz e documentarista brasileira Petra Costa (do celebrado documentário Elena) pesquisava referências cinematográficas para o seu segundo filme – Olmo e a Gaivota, que retrata a transformação do corpo e da vida de uma atriz quando ela se descobre grávida –, encontrou um deserto. Não havia, no horizonte, uma obra significativa que tivesse mostrado nas telas do cinema o que sente uma mulher diante da chegada da maternidade, desejada ou não, ainda que a gestação seja o fenômeno pelo qual o mundo está povoado de seres humanos.

Então a diretora de 32 anos, nascida em Belo Horizonte, radicada em São Paulo e formada em Antropologia e Artes Cênicas em Nova York, buscou um pouco mais e se deparou com um filme de terror: O bebê de Rosemary, dirigido por Roman Polanski em 1968. Nele, a personagem de Mia Farrow cai nas mãos de uma seita que, contra a sua vontade, quer que ela dê à luz a um messias do mal, um ser estranho a ela, que eles poderão seguir depois de ela ser descartada. “Significativo”, pensou. E decidiu colocar seu grão de areia, longe do terror, muito mais perto da realidade.

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Em cena estão dois atores: a italiana Olivia Corsini e o francês Serge Nicolaï, da companhia teatral francesa Theatre du Soleil. Olivia e Serge formam um casal em uma relação estável, que abre as portas para a chegada de um filho e se descobre grávido no meio da encenação de uma peça – Gaivota, de Anton Tchekhov. Ambos são maduros, têm boa condição financeira (em Paris), mentes abertas e carreiras que alimentam seus corações e intelectos e, mesmo aparentemente tão equilibrados, verão a vida dar uma boa chacoalhada. Olivia principalmente, quando nas primeiras cenas do filme seu lugar na peça se torna ameaçado pela presença da barriga e, mais diante, ela descobre que sua gravidez é de risco e por isso deve passar os próximos meses trancada em casa.

Não há titubeio: repouso é preciso e repouso ela fará. Mas, além das óbvias alegrias, há custos. E é deles que Olivia e Petra, ao lado da diretora dinamarquesa Lea Glob, queriam falar quando se conheceram e decidiram fazer um filme sobre a condição feminina. “A ideia inicial era filmar um dia na vida de uma mulher, entrar em questões subjetivas que a tornam extraordinária e tentar desenhar uma arqueologia do feminino. Mas a Olivia engravidou e decidimos acompanhar esse processo, tão pouco retratado na arte”, conta a brasileira – que começou a dirigir porque como atriz só se deparava com papeis femininos presos à dicotomia entre santa e puta.

Divulgação

Olivia é atriz, mas, pela primeira vez em sua trajetória de amor à arte, faz o papel dela mesma nessa história – uma daquelas que esticam, com muitos benefícios para ambos lados, os limites entre documentário e ficção. “Tenho medo que seja o começo do fim”, diz ela, que ainda que não conheça a mulher que está se tornando não pensa em se despedir da carreira teatral. Enquanto ela repousa, sua barriga cresce na tela, aos olhos do espectador, que vê crescer com ela (Olivia) os medos, as incertezas, as alegrias e as tristezas que virão com sua nova face, a de mãe. “Olivia queria muito fazer um filme, e isso foi essencial para eu topar abordar assim a intimidade de alguém. Entramos em lugares provocadores, e eles dois foram supergenerosos”, conta Petra, sobre a parceria que lhe permitiu partir de um caso em particular para tocar o que é universal.

A diretora faz intervenções, orientando e instigando o casal em algumas cenas que deixam claro que nem tudo aconteceu espontaneamente, mas ainda assim o que fica é uma sensação de é tudo verdade. Estamos no cinema, mas até parece terapia. “Minha intervenção é para desarmar algumas situações, sair do terreno da encenação. Atores ou não, sempre estamos interpretando papeis”, ela rebate, evitando psicologismos.

Para quem se pergunte, o pai da criança – batizada de Olmo, o nome em italiano de uma árvore (que simboliza o enraizamento da família, versus a Gaivota de Tchekhov) – jamais é alheio a tantas transformações, mas permanece em segundo plano, já que a barriga transforma a mulher em mãe, porém o homem só muda depois. Assim, como na metáfora de um provérbio africano, Serge a acompanha até o começo da ponte e a espera no fim da travessia. “Como é ser pai?”, pergunta a ele um amigo que chega para a festa que Olivia organiza para celebrar o bebê. “Ainda não sou pai”, ele responde.

Olmo e a Gaivota estreou nesta quinta-feira em salas brasileiras, depois de ser lançado este ano no Festival de Locarno, onde foi vencedor do prêmio do Júri Jovem, e de arrematar o troféu de melhor documentário do Festival do Rio. Mas prêmios são reconhecimentos que outros filmes de qualidade podem ganhar – este, que faz pensar sobre um tema essencial, deveria ser incluído na lista de tarefas de quem começou a flertar com o projeto de ter filhos, seja homem ou mulher. Antes mesmo de ir ao médico, cortar a pílula e começar a tomar ácido fólico.

'Meu corpo, minhas regras'

Quando foi receber o prêmio de melhor documentário, no encerramento do último Festival do Rio, em outubro, Petra Costa dedicou o troféu às mulheres usando a mesma peruca azul que exibe sua personagem em uma das cenas do filme.

Falou em prol das liberdades individuais, do aborto e da maternidade com plenos direitos e, apesar de ter sido aplaudida no palco, recebeu uma avalanche de críticas nas redes sociais. Algumas bastante agressivas, do tipo "se não quer ter filho, fecha as pernas".

Em resposta, ela fez o vídeo Meu corpo, minhas regras, encenado por diversos artistas que denunciam a voz silenciada das mulheres no cinema e no que diz respeito ao seu próprio corpo. Com o timing perfeito das manifestações que levaram milhares de mulheres às ruas de várias cidades brasileiras nos últimos dias para defender o aborto e gritar contra Eduardo Cunha, o recado dado reforça o filme e já se tornou viral.

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