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AYELET WALDMAN | ESCRITORA E AUTORA DE 'BAD MOTHER'

“Há quem pense que mães não têm direito a uma vida própria”

Autora de ‘Bad mother’ priorizou a maternidade como tema, mas critica mães superdevotas

Ayelet Waldman em Paraty, em julho.
Ayelet Waldman em Paraty, em julho.Divulgação/Flip

Há quem pense que a vida da escritora norte-americana de origem israelense Ayelet Waldman, de 50 anos, deu um giro quando ela declarou publicamente em um artigo: “Não sou apaixonada por nenhum dos meus filhos, e sim pelo meu marido” —e passou a sofrer represálias constantes das pessoas. Na realidade, não: mudou mesmo quando ela se viu a mãe de quatro crianças que a fizeram encarar a maternidade com novos olhos, muito mais curiosos —e críticos também.

Ser mãe fez de Ayelet, até então uma advogada de sucesso e especializada em políticas públicas de combate às drogas, uma escritora que vende livros, interessada sobretudo nos mistérios da vida com filhos. Foi só com Amor e memória, divulgado no Brasil no começo de julho durante a Festa Literária de Paraty, que ela decidiu deixar para trás sua galeria de personagens mães, marca forte de sua literatura. O romance, publicado no Brasil pela Casa da Palavra, aborda heranças de família, roubos de obras-primas e um amor trágico.

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Casada com o escritor ganhador de um prêmio Pulitzer Michael Chabon, também de origem judaica, Ayelet foi companheira de classe Barack Obama na Universidade de Harvard, onde ambos se formaram, em 1991. Quando o colega deu um passo rumo à presidência, fez uma intensa campanha para levantar fundos para apoiar sua candidatura —coisa que a deixa orgulhosa, ainda que se declare “decepcionada” com o  presidente.

Fez-se escritora profissional com a série de 1997 The Mommy-Track Mysteries, em que conta com humor a vida de uma dona de casa que passa a trabalhar como detetive para se livrar do tédio. Ficou alguns graus mais famosa com The centre of my universe, o artigo em que declarou seu amor ao marido e criticou a devoção sem limite aos filhos e as cobranças e culpas sem fim que recaem sobre as mulheres nos dias de hoje.

Não há um amor tão pouco percebido como o amor de uma mãe por seu filho adolescente. Porque a função deles é odiar você. Então, graças a Deus, meu marido e eu ainda temos um ao outro

Com seu inegável talento não só para as declarações fortes e inclusive para as polêmicas, mas também para a escrita, Ayelet já tem quatro livros lançados, está escrevendo um novo romance e, se tudo der certo, deve publicar este ano suas memórias. Seu livro mais vendido, sem surpresa alguma, é a compilação de crônicas de Bad Mother, desenvolvimento da polêmica desatada pelo artigo que a fez participar de um programa da Oprah, onde enfrentou gritos de mulheres raivosas.

Sem abdicar de seu peculiar instinto maternal, a escritora busca imprimir a marca de uma mulher que fala o que quer, escreve o que fala e não aceita, em um esforço também de autocrítica, engrossar a fila de mulheres que vive os dilemas das conquistas femininas das últimas décadas sem refletir a respeito. “Minha mãe não gastou um minuto pensando se ela era uma boa mãe. Ela fez o que tinha que fazer e trabalhou, porque a gente não tinha dinheiro. Hoje eu grito com meus filhos e passo dois dias pedindo desculpa a eles. Isso é louco”, avalia.

Pergunta. O que fez você enveredar para a vida de escritora? A influência do seu marido?

Resposta. Não. Na verdade, foi o fato de eu ter me tornado mãe. Eu trabalhava muitas horas como advogada, voltava para casa e estava morta, sem energia para cuidar da minha filha. Meu marido, que tinha passado o dia com ela, ao contrário, estava ótimo. Primeiro me contava como tinha sido o dia dele passeando no parque, conversando com outros pais ou mães. Depois, me entregava a criança e se trancava no escritório para escrever, enquanto eu não conseguia fazer muito mais do que colocar O rei leão para ela assistir. Decidi que queria mais tempo com a minha filha, mas entendi que só podia deixar meu trabalho e fazer isso se tivesse um universo só meu, ao qual me dedicar. E esse espaço mais à mão foi a escrita.

Ensinando Direito, eu pude ver os resultados dessa geração de crianças supernutridas, e não é bom. Cresceram acreditando que o sol brilha de seus traseiros, e eles se tornaram adultos difíceis de lidar.

P. Você é uma pessoa direta, e isso define em grande parte sua literatura, mas deve colocá-la em problemas também.

R. Sou mais ponderada nos meus livros e não costumo ter problemas com eles. A coisa fica mais complicada quando escrevo artigos ou ensaios e com minha boca grande no Twitter. Em relação aos livros, minha regra geral é não ler críticas. Meu marido faz isso para mim e me passa o que acha que eu deveria ler: as positivas e as negativas que têm críticas construtivas, inteligentes e que fazem pensar. Uma crítica desse tipo pode ser a coisa mais maravilhosa, porque instigam você a melhorar. Foi assim que deixei de escrever o que caracterizaram, em uma crítica a mim, de chick lit. Decidi que não ia escrever mais nenhum tipo de chick lit e me desafiei a buscar caminhos menos fáceis.

P. Sua declaração de amor ao seu marido no artigo de 2005 que inspirou Bad Mother foi uma catapulta de críticas à sua figura de mãe e de escritora também. Você sempre manteve o que disse naquele então?

R. Sim. Eu estava reagindo a algo específico. Sentia que todo mundo estava dizendo ‘meus filhos são minha grande prioridade’. Queria relativizar isso, e achei que devia dizer que, obviamente, cada amor é diferente e blá blá blá... Mas quis também lançar uma bomba. Agora que meus quatro filhos são adolescentes, e a quantidade de hormônios alvorotados na minha casa é grande, se eu não amasse o meu marido, estaria perdida. Não há um amor tão pouco percebido como o amor de uma mãe por seu filho adolescente. Porque a função deles é odiar você. Então, graças a Deus, meu marido e eu ainda temos um ao outro. Porque meus filhos estão bem, mas eu... bem, quase todos os dias eu tenho alguém me dizendo exatamente o que há de errado comigo. Se eu me definisse unicamente pelo amor que sinto por eles, estaria deprimida.

P. Por que as pessoas são hoje tão reféns dessa imagem da mãe devota, na sua opinião?

R. Não sei. Participei do programa da Oprah quando esse ensaio foi publicado. No programa, havia todas essas mães gritando comigo, e uma delas disse ‘em 18 anos, quando meu filho estiver crescido, posso pensar no meu marido de novo’. Eu respondi: ‘Você é louca. Primeiro de tudo, ele não vai estar mais lá em 18 anos’. Além do que, eu acredito que você não faz nenhum favor a uma criança ao fazê-la acreditar que é o centro de tudo. Eles precisam sentir que você ficará bem se eles tiverem que se ausentar por um tempo, abrir o caminho deles no mundo. Seu trabalho, como mãe, é criar uma pessoa com uma base sentimental sólida. Ensinando Direito, eu pude ver os resultados dessa geração de crianças supernutridas, e não é bom. Cresceram acreditando que o sol brilha de seus traseiros, e eles se tornaram adultos difíceis de lidar.

P. Nos Estados Unidos, as mulheres sofrem com o fato de não existir uma licença maternidade remunerada. O panorama não é fácil para uma mãe que precisa ou quer trabalhar.

R. Quando escrevi esse ensaio, virei a pior mãe do mundo. Quando estendi o assunto e escrevi um livro, todo mundo estava felicíssimo comigo. As pessoas começaram a se dar conta dessas terríveis condições, cobrar mudanças, e as coisas aos poucos estão melhorando. O que está longe de dizer que elas são boas hoje. Ainda há muita culpa e vergonha, e muitas mães se sentem terríveis o tempo todo, mas realmente acho que houve um pouco de rebelião nessa noção de abnegação materna total. Acho que há uma sensação que mães não têm direito de ter uma vida própria, de preencher a si mesmas. Mas depende também de onde você está. Há estudos saindo para dizer que filhos de mães que trabalham são mais felizes. Sei que há estudos para tudo, mas qualquer mensagem nesse sentido é um ganho. Minha mãe não gastou um minuto pensando se ela era uma boa mãe. Ela fez o que tinha que fazer e trabalhou, porque a gente não tinha dinheiro. Ela gritou comigo mil vezes, e hoje eu grito com meus filhos e passo dois dias pedindo desculpa a eles. Acho importante eu reconhecer meus erros, não é isso, mas é louco.

P. Você troca ideias com o marido, que também é escritor, sobre trabalho?

R. A gente se edita o tempo todo. Ele definitivamente me ajuda. A gente tinha o hábito de brigar, mas aos poucos desenvolvemos uma relação nesse sentido, e agora a gente pula diretamente para o momento em que um dos dois diz: “É, você tinha razão. Vou consertar isso...”. É ótimo, porque ambos estamos sempre correndo contra o tempo com os prazos de trabalho.

P. Do que trata seu novo romance, que ainda não saiu?

R. Basicamente, nele estou tentando descrever a cidade de Oakland em todas as suas formas, em um único livro. Não tenho a menor ideia se vai dar certo, então devo trabalhar nisso um par de anos mais. No meio disso, num momento de inspiração, escrevi também minhas memórias, que agora estão na fase de revisão. Não sei como descrevê-la, mas suspeito que são a coisa mais controversa que escrevi até hoje. Nem sei se meu editor, no fim, vai concordar em publicar. Com certeza, eu estaria me expondo muito. De novo.

P. O que a motivou a fazer campanha para Obama?

R. Eu explicava às pessoas que estava ansiosa pela oportunidade de ser desapontada por Barack Obama. Era tudo o que eu queria. Qualquer um me decepcionaria, mas ele menos. Em certa medida, tenho razão. Temos agora o casamento gay, o sistema de saúde mudou... São coisas maravilhosas. Mas achei que o conhecia melhor do que de fato conhecia, e de fato me decepcionei. Parece que há algo que acontece com as pessoas que conquistam esse tipo de poder. A primeira coisa que acontece com você quando você vira presidente dos Estados Unidos é que os generais chegam e lhe dão um puta susto. Eu gostaria que ele tivesse resistido um pouco mais. Estou chocada que ele não tenha desarmado a prisão de Guantánamo. Também me sinto indignada com a reação dele ao Edward Snowden, por exemplo, de processar o delator em lugar de mudar os sistemas e abusos que ele revelou. O mais apropriado de parte dele em relação ao Snowden seria gratidão e autocrítica, e não vejo ele fazendo nenhuma dessas coisas. Mas, se tivesse ganhado o John McCain ou a Sarah Palin, teria sido muito pior.

P. Em quem pretende votar nas próximas eleições à presidência dos Estados Unidos?

R. Admiro Hillary Clinton um pouco mais depois de ter passado duas semanas acompanhando uma viagem oficial dela à África, em que fui a única jornalista que conseguiu uma entrevista. Ela me inquieta. A democracia americana não é uma oligarquia, não é uma monarquia. Eu me ressinto desse turno constante das mesmas famílias no círculo do poder e, só por isso, não quero outro Bush, não quero outro Clinton. Pensar que por ser quem são eles têm o direito de ser presidente... Amo Bernie Sanders. Fui criada por um pai socialista. É um lugar em que me sinto muito confortável. Mas eu torço meu nariz e voto na Clinton, se tiver que fazer isso para não ver um republicano ganhar as eleições.

P. Você ainda se sente próxima de Israel?

R. Tenho uma relação ambivalente com Israel. Sim, me sinto próxima, mas fiquei longe por 22 anos. Ainda tenho família lá, ótimos amigos, e vários deles, como o Edgar Keret, são escritores. Nasci em Jerusalém, mas acho que Tel Aviv é uma cidade mágica. O problema é que minha discordância com o Governo de Netanyahu é tão profunda, que é difícil. Não posso acreditar que reelegeram aquele monstro.

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