“Não fizemos acordo eterno com o PT”
Eduardo Cunha, do PMDB, se articula para assumir a presidência da Câmara Para ele, a Casa não quer ser liderada por um partido de “posição ideológica forte”

Uma semana depois da eleição que garantiu uma vitória apertada da presidenta Dilma Rousseff, o PT enfrenta agora uma outra disputa árdua. Desta vez, pela presidência da Câmara dos Deputados, que reúne 513 Parlamentares e já começou a presenciar um levante, liderado pelo peemedebista Eduardo Cunha (RJ).
Cunha já recebeu bandeira branca do PMDB, aliado ao Governo, para costurar as alianças necessárias para levá-lo à presidência no início de 2015, desfazendo um acordo entre os dois partidos pela alternância da liderança existente desde 2007. Na última eleição, em 5 de outubro, o PT elegeu a maior bancada da Casa, com 70 deputados, quatro a mais que o PMDB. Os dois partidos, entretanto, diminuíram de tamanho, perderam, ao todo, 23 vagas. “Hoje somos muito menores do que já fomos porque as bancadas diminuíram. O resto da Casa tem que participar. Não adianta eu querer fazer acordo se a Casa não quer”, justifica o parlamentar.
Líder do PMDB na Câmara, ele é conhecido por suas posições conservadoras. Afirma que a Casa não quer dar a presidência ao PT, um partido de “posição ideológica muito forte”. “Estando na presidência, o poder de colocar [pautas ideológicas] em discussão será maior.” Ele, por sua vez, é conhecido como um dos maiores representantes do conservadorismo no Parlamento. Foi autor de diversas legislações antiaborto, entre elas uma de maio deste ano que busca impedir a aplicação de uma portaria que inclui o procedimento da interrupção da gestação na Tabela de Procedimentos do SUS. Para ele, a portaria legaliza o aborto no país e, por causa de sua pressão, o Ministério da Saúde a derrubou. Ele também é autor de uma legislação que prevê pena de até 20 anos para médicos que realizam o procedimento, além da cassação do registro profissional.
Membro da igreja evangélica Sara Nossa Terra, ele recebeu 232.708 votos neste ano, quando foi eleito para o quarto mandato consecutivo, o que o transformou no terceiro deputado federal mais votado pelos eleitores cariocas. Quatro anos atrás, ele tinha obtido 150.616 votos. Ao EL PAÍS, ele explicou os motivos que o levaram ao levante contra o Governo.
Pergunta: Por que o PMDB quer descumprir o acordo de rodízio?
Resposta: Esse acordo existiu em duas legislaturas, foi formatado no início delas. Não fizemos um acordo eterno de dividir com o PT nada. Fizemos um acordo em 2007 e repetimos o acordo em 2011. Não quer dizer que nós sejamos obrigados a repeti-lo sempre. Acordo é que nem contrato de locação. Você renova ou não. A gente não renovou. Hoje, o PT e o PMDB somos muito menores do que fomos porque as bancadas diminuíram. E o resto da Casa tem que participar. Não adianta eu querer fazer acordo se a Casa não quer.
P: E por que a Casa não quer? Por que o PMDB não quer?
R: O PMDB não quer por uma razão muito simples. Estamos no exercício da presidência da Câmara. A Casa não quer porque o ambiente é muito mais conflagrado. Tem temas ideológicos sendo debatidos e o PT tem uma posição ideológica muito forte. A Casa não quer o comando dela na mão do PT hoje. Prefere uma atuação mais isenta. Teria mais dificuldade de a gente impor o nome do PT na Casa. A bancada do PMDB não abre mão, não quer perder o espaço. Então a discussão de alternância, neste momento, não cabe.
P: Mas a bancada do PT não é a maior?
R: Isso não é regimental. O Aldo Rebelo foi presidente com 15 deputados. A Câmara tem um histórico que permite a disputa avulsa, não é como o Senado, onde no regimento está que a maior bancada tem o direito à presidência da Casa.
Tem temas ideológicos sendo debatidos e o PT tem uma posição ideológica muito forte. A Casa não quer o comando dela na mão do PT hoje
P: Você fala sobre essa questão ideológica do PT. A que se refere?
R: Aos conselhos populares, à regulação de mídia... Pautas que são ideológicas. Estando na presidência, o poder de colocá-las em discussão será maior.
P: Mas a gente vê que o Congresso está mais conservador. Não há um cenário de mais resistência a pautas mais progressistas?
R: Sem dúvida, mas não porque o Congresso está mais conservador. Mas porque o Congresso está mais bem representado do que é a sociedade. A sociedade é conservadora. O Congresso representa a sociedade. Hoje ele está mais próximo da sociedade do que esteve antes.
P: Diante de um Congresso assim quais questões que não tiveram espaço nas outras legislaturas que podem ter agora?
R: Temos que ter firmeza na defesa da votação de uma reforma política.
P: Mas isso o PT quer...
R: Não, não... Como a do PT a gente já refutou. A gente quer que se vote e, no máximo, a gente pode submetê-la a referendo. Mas, jamais, através de plebiscito.
P: Por que não?
R: A Casa não quer. A Casa não quer transferir o seu poder de legislar dado pela população para um mecanismo de consulta popular prévia.
P: Mas isso não é um pouco incoerente?
R: Incoerente é a gente pedir voto para se eleger, ser eleito por cidadãos que nos delegaram o poder de representá-los e depois ter que ficar perguntando a eles todas as coisas, todas as horas. Seria praticamente a mesma coisa que se a gente quisesse ter consultas populares para o que o Executivo tem de governar. O Executivo também foi eleito e tem legitimidade.
P: Muitos veículos têm abordado a postura de Dilma Rousseff diante do Congresso. Especialmente diante do aliado PMDB. Neste ano, houve muito enfrentamento, especialmente com a reforma ministerial...O PMDB se viu pouco atendido por ela? Acha que ela é pouco afeita ao diálogo com a Câmara?
R: A questão não é essa. Naquele momento o que houve é que nós abrimos mão de indicar ministros. Nos portamos com independência. Não há um único ministro indicado pela bancada do PMDB na Câmara. Ficamos com essa independência para podermos deliberar o que a gente quer. Para não ser submetido a uma chantagem que para manter os cargos tem que votar como [o Governo] quer.
P: E isso acontece muito? Essa troca de favores?
R: Provavelmente sim. Comigo não dou espaço para isso.
P: Você não declarou nessas eleições o voto em Aécio Neves (PSDB). Mas a bancada do PMDB estava rachada. Você era de qual dos lados?
R: Se eu não declarei naquele momento, não é agora que eu vou declarar.
P: Por que não?
R: Porque não. Justamente porque seria incoerente. Qualquer declaração minha vai ser interpretada como oportunista.
P: Mas o Governo te vê como uma espécie de líder informal da oposição, ao menos em off...Você tem esse papel?
R: (risos) Veja bem, o Governo até agora não disse isso. Não ouvi ninguém do Governo falar isso. Eu não vou comentar o que eu não sei.
P: Mas você não faz oposição ao Governo, então?
R: Aí é que está, o grande erro da interpretação do papel. O líder de uma bancada não exerce sua opinião. Ele exerce o que a bancada decide. Eu sou porta-voz da bancada. Se eles acham que eu sou líder informal da oposição, então eles têm que interpretar que a maioria da bancada do PMDB é de oposição. Eu só exerço a vontade deles.
P: O senhor quer ser o presidente da Câmara. Já se colocou como...
R: Eu não me coloquei. Estou discutindo ainda o processo.
P: Que tipo de atuação o senhor imagina ter como presidente?
O Congresso está mais bem representado do que é a sociedade. A sociedade é conservadora.
R: Eu não posso dizer isso porque eu não assumi a candidatura ainda. Só posso falar isso quando fizer campanha. Por enquanto estou em articulação. Não posso fazer essa declaração.
P: O senhor é visto pelas alas mais à esquerda do Congresso como um dos grandes representantes do conservadorismo. O senhor se coloca bastante contrário a pautas relacionadas, por exemplo, com a legalização do aborto...
R: Sem dúvida
P: Como o senhor vê essa questão do aborto hoje?
R: Sou ra-di-cal-men-te contra.
P: Mas o senhor acha que é preciso endurecer ainda mais a legislação?
R: A legislação tem que ser mais rígida para que os médicos sejam punidos com muito mais rigor. Aliás, tenho um projeto de minha autoria.
P: Pretende avançar com ele agora?
R: Eu pretendo avançar com o meu projeto como Parlamentar no exercício do meu mandato. Não como líder ou como qualquer outro cargo que eu venha a exercer. Eu não misturo. A minha atuação do meu mandato é uma coisa. A minha atuação de líder ou como qualquer outro cargo, é outra coisa. Eu também sou deputado, respondo aos meus eleitores. Ninguém pede voto ao eleitor para ser líder da bancada ou presidente da Câmara.
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