Crise do coronavírus se acelera no Brasil e faz América Latina concentrar boa parte dos novos casos
País já é o segundo em número de contágios globalmente, mesmo com falta crônica de testes. Argentina, com 445 mortes, vai bem melhor, mas teme por sua situação econômica
A pandemia de coronavírus se espalha pela América Latina. A região registra 51,4% dos casos considerados ativos no mundo nos últimos 14 dias, com 657.000 casos confirmados. Os especialistas advertem que a curva se intensificou e que o pico está próximo. A tendência fez soar o alarme da Organização Mundial da Saúde (OMS), que na sexta-feira declarou que a região, e sobretudo a América do Sul, “é o novo epicentro da doença”. As atenções estão voltadas para o Brasil, onde os novos positivos superaram a marca dos 20.000 na sexta-feira e 16.000 no sábado. Com 347.000 casos e mais de 22.000 mortos, o gigante latino-americano está em segundo lugar no pódio de contágios, atrás apenas dos Estados Unidos e na frente da Rússia.
A propagação do vírus no Brasil coincide com a crise política. O presidente Jair Bolsonaro está em guerra aberta contra os governadores que aplicam o confinamento em seus Estados. O líder ultradireitista vê por trás da quarentena uma mão sombria disposta a arruinar a economia brasileira e, com isso, seu Governo. As diferenças de estratégia alimentaram um coquetel explosivo. O país soma 22.013 mortes por covid-19, de acordo com o último balanço do Ministério da Saúde. O Brasil é também um dos que menos testes têm aplicado em sua população, o que torna a subnotificação superior à de nações como os EUA. Uma projeção feita pelo EL PAÍS com base em uma metodologia de médicos e epidemiologistas britânicos aponta que o número de casos no Brasil pode estar em torno de 3,7 milhões.
Além disso, há milhares de mortes possivelmente por covid-19 que jamais entrarão nas estatísticas e fariam aumentar em até 50% o número de óbitos atuais. Desde o início da pandemia, o Brasil contabilizou outras 11.730 mortes por síndrome respiratória aguda grave (SARS), uma condição causada pela covid, mas também por outras doenças. O Ministério da Saúde nunca saberá quantos desses óbitos foram causados pelo novo coronavírus. O Governo admite que isso se deve a que os pacientes foram mal analisados ou a que a amostra não foi colhida corretamente. “Como não há outra epidemia relevante no país, grande parte dessas mais de 11.000 mortes se deve à covid”, explica o epidemiologista Antônio Silva Lima Neto. Um estudo do Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME), da Universidade de Washington, nos EUA, prevê que o país possa chegar à marca de 88.000 mortes no começo de agosto, ainda que explique que a metodologia prevê uma ampla margem de erro na projeção: no cenário mais otimista, os óbitos serão 30.000 em 4 de agosto, enquanto no pessimista serão mais de 193.000. O método de análise combina estatísticas com dados de estrutura do atendimento de saúde.
Embora o Governo tenha prometido aumentar o número de testes disponíveis para 17 milhões até o final do mês, distribuiu menos da metade. As autoridades nem sequer sabem qual é o número total de exames realizados porque não puderam agregar os dados da rede de saúde privada à base que compila, somente os de laboratórios públicos.
Argentina controla mortes, mas teme por economia
A situação dos vizinhos do Brasil é diferente. No sábado, a Argentina estendeu por mais duas semanas o confinamento obrigatório vigente desde 20 de março. Manteve o vírus sob controle, com 11.353 casos detectados e 445 mortos, mas teme agora que não possa gerir o custo econômico. A atividade caiu 11,5% em março na comparação interanual, com apenas 10 dias de quarentena. Abril mostrará as cifras de uma crise sem precedentes. Com sua dívida externa em default técnico, o Governo de Alberto Fernández tenta renegociar com os credores às pressas para evitar um mal maior. Já o Chile tem uma economia robusta, mas acumula problemas sanitários. Os casos positivos superam os 62.000, e os leitos de UTI já dão sinais de saturação. As reivindicações sociais, paralisadas pela quarentena, foram retomadas com exigências de trabalho e alimentos nos bairros mais pobres da capital.
As estatísticas oficiais colocam a Venezuela como um dos países com menos casos: 994 positivos e 10 mortos. Mas os contágios aumentaram 40% na última semana, o que mostra que a situação pode mudar rapidamente. O Equador registrou 5.082 mortos, enquanto no Peru o presidente Martín Vizcarra prorrogou pela quinta vez o toque de recolher que devia finalizar neste domingo—uma medida extrema que não consegue deter a propagação do vírus. Com 115.000 positivos e 3.373 mortos, o Peru é o segundo país da região em número de infectados. A Colômbia, com 20.177 registros de coronavírus, somou 23 mortos aos 673 que tinha na sexta-feira, e 1.064 novos positivos, seu maior registro diário desde o início da pandemia. Como acontece com grandes centros como Buenos Aires, Santiago e São Paulo, Bogotá é a cidade mais atingida do país.
O México passa pelo ponto culminante da pandemia. No sábado, foram contabilizados 3.329 casos positivos, a cifra diária mais alta após o anúncio da emergência sanitária, em 30 de março. Desde então, foram registrados 7.179 mortos e quase 66.000 contágios, apesar dos poucos testes realizados. A gestão da crise gerou muitas críticas e graves denúncias jornalísticas ante a errática gestão e a suspeita de que centenas de casos são ocultados. Há uma semana, as autoridades anunciaram que conseguiram “achatar a curva”, e nos últimos dias apresentaram um plano de retorno à “nova normalidade”. Mas o país registra todos os dias recordes de falecidos, e a pandemia atinge com dureza a Cidade do México, que soma quase 1.600 mortos, o Estado do México, a área metropolitana da capital (1.200 mortos) e os Estados de Baixa Califórnia, Tabasco e Sinaloa.
Depois de muitos dias zombando dos efeitos do vírus, o presidente Andrés Manuel López Obrador propôs, no início de abril, um confinamento voluntário que durará até 1.o de junho, embora sejam os Estados e municípios os encarregados de gerir a dureza da medida. As restrições detiveram por completo a atividade econômica do país, paralisando lugares como Monterrey, Guadalajara, a zona industrial de El Bajío, o turismo de Cancún e as maquilas que atendem à demanda dos EUA. As consequências econômicas traçam um dos panoramas mais sombrios da região, com uma queda de 10% a 12% do PIB.
Enquanto crescem as estatísticas da América Latina, continua a queda na Europa, que contabiliza 23,5% dos casos mundiais. Segundo a OMS, 12% dos contagiados estão na região do Mediterrâneo e 7% na Ásia. Na África, foram registrados apenas 2,8%.
Errata: Por erro da edição, uma primeira versão desta reportagem afirmou, erroneamente, que a América Latina concentrava metade dos casos de coronavírus no mundo. Na verdade, a região concentra metade dos novos casos contabilizados nos últimos 14 dias e considerados ativos.