As lágrimas de alegria de quem venceu o coronavírus
Nesta semana, Conceição e Elizabeth ouviram dos médicos que era hora de ir para casa. Elas são parte das 84.000 pessoas atendidas em serviços médicos consideradas recuperadas
Com os braços ao alto, Adriana Lisbino eleva a voz e reza enquanto caminha de um lado para o outro ante as imponentes colunas do Estádio do Pacaembu, na zona central de São Paulo. “Quantas vidas estão aí dentro? Quantas pessoas estão sofrendo?”, diz, mirando os portões de ferro que escondem a nova rotina de um local símbolo da cidade e do futebol paulista. Pelas frestas, se veem as estruturas brancas do hospital de campanha montado em pleno gramado para receber os pacientes do novo coronavírus. Faz uma tarde fria, sem sol, e a mãe de Adriana, Conceição de Maria Silva, vai deixar um dos 200 leitos do local em breve. “O senhor arrancou ela daí hoje. Para a glória de Deus, hoje ela está livre dessa peste.”
Adriana mora com o marido e a mãe em São Miguel Paulista, um bairro pobre da zona sul de São Paulo. A “peste”, como ela chama a covid-19, que matou oficialmente quase 3.000 pessoas na cidade, já havia se imposto em sua rotina. O salão de cabeleireiro onde ela trabalha como micropigmentadora de sobrancelhas fechou por causa da pandemia —só com a ajuda da Igreja Pentecostal Casa de Belém, da qual faz parte, ela diz ter conseguido manter a casa. Depois, foi a vez de um vizinho adoecer. “O compadre morreu antes de ontem, acho que estava com 59 anos”.
É por isso que a esteticista não para de rezar e agradecer porque a mãe de 56 anos, pouco antes das 15h da última quinta-feira, entrou para a estatística dos 84.970 recuperados, os que conseguiram vencer o vírus após passar por algum ponto de atendimento pelo país, segundo a estatística oficial do Ministério da Saúde. Conceição de Maria chorou de alegria ao deixar para trás os quatro dias de internação na unidade administrada pelo hospital privado Albert Einstein, o primeiro dos três hospitais de campanha a funcionar na cidade. Na sacola, levava o cobertor, mudas de roupas, outros objetos. “Fui muito bem tratada. As pessoas são educadas, fazem o serviço com carinho, com amor pelo próximo, com dedicação. Eu achei muito bonito o jeito que eles e elas trabalham, os missionários deste hospital”, diz.
Até o desfecho feliz foram dias de agonia. Com a doença se espalhando pelo bairro —são mais de 37.000 casos confirmados em São Paulo, a maior parte na periferia, e num contexto de baixíssima testagem da população—, ela começou a ter os primeiros sintomas, sentiu falta de ar (o mais preocupante deles), febre. Foi quando eles resolveram procurar um posto de atendimento. “Viram que ela tinha mancha no pulmão", conta a filha Adriana. Uma das características da covid-19 é desencadear uma pneumonia de evolução rápida que produz “opacidades em vidro fosco”, espécie de mancha branca que vai tomando conta dos pulmões, afetados pela inflamação provocada pelo vírus. Quando esse processo começa, é uma espécie de loteria dramática. Para algumas pessoas, mesmo as que não são idosas ou não consideradas vulneráveis por ter doenças prévias, o processo é tão violento que é preciso ajuda externa para respirar: induz-se o coma para acoplar um ventilador mecânico.
Não foi o caso de Conceição de Maria. “Nem tossir eu tossi”, comemora. Ainda não há estudos definitivos sobre o tema, mas até agora tudo indica que a dona de casa carregará os anticorpos que a deixarão imune a eventuais próximas contaminações. “Agora é todo mundo se cuidar direitinho”, recomenda, enquanto entra no carro que a levará de volta para casa.
O telefone trouxe a melhor notícia
Para Elizabeth Xavier, o roteiro foi, felizmente, parecido. Em 5 de maio, quando ela completou 48 anos, um forte mal-estar a abateu. Não tinha como haver comemoração. Seu marido, o auxiliar de serviços gerais José Carlos, decidiu levá-la à unidade de pronto-atendimento do bairro, também na zona sul de São Paulo. Elizabeth, que sofre de diabetes, uma das condições que agrava o ataque do vírus, foi atendida, mas voltou para casa. Nos altos e baixos típicos dos primeiros dias de infecção, piorou dias depois. “Aí levamos voltamos na UPA. Da UPA foi para o Hospital M´Boi Mirim”, conta José Carlos.
Elizabeth precisava ser internada, mas como os hospitais estão sendo reservados para os casos mais críticos, do local de referência da zona sul ela foi trazida para a estrutura montada no Pacaembu. Foram dias em que o telefone de José Carlos não parava de tocar. “Os parentes estavam muito preocupados. Muito, muito... Me ligavam de manhã, de tarde e à noite. Eu só poderia passar notícia quando recebesse. Não adiantava eu falar X, e depois eu receber um Y”, conta ele, que recebia a ligação do hospital uma vez por dia, dando o estado e a evolução da companheira.
Na última quinta-feira, foi diferente. “Estava me preparando para trazer os pertences dela, que é celular, escova de dente, sabão. Assim que eu fechei a porta, meu celular tocou. Falaram que ela estava de alta. Foi uma maravilha!”, explica, ansioso, com os olhos no portão que costuma receber os torcedores dos clássicos do futebol paulista. “Já era para ela ter saído.”
Não demorou muito e Elizabeth Maria Xavier cruzou a passagem e deixou para trás o Pacaembu. Ela foi uma das 21 pacientes da unidade que deixaram para trás o pesadelo da doença entre quinta e sexta-feira —desde que a crise começou, 2.123 pessoas já saíram recuperadas dos três hospitais de campanha da cidade. “Agora é ficar 14 dias em casa”, disse, tímida. Aliviado pela mulher, José Carlos celebra também por estar de férias e não ter sido demitido. Ele teme pelos próximos dias no país. “Sem comércio a população está desorientada, mas e se o pai de família for trabalhar e adoecer?”
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