Exército indaga cidades do Rio sobre capacidade de cemitérios enquanto, pelo país, municípios se preparam
Projeção de mortes por covid-19 obriga prefeituras a traçar planos de contingência para alta nos sepultamentos caso ritmo da pandemia seja mantido no país
Com mais de 30.000 casos e mais de 2.000 mortes confirmadas por coronavírus, o Brasil ainda não conseguiu frear a curva de infectados em quase um mês de vigência das recomendações de isolamento social, já flexibilizado em várias localidades. O quadro tem levado prefeituras a trabalhar —ainda que evitem o tom alarmista— com o pior cenário da pandemia, em que não apenas hospitais poderiam entrar em colapso devido ao surto da doença, mas também os cemitérios por falta de capacidade para enterrar tantos corpos ao mesmo tempo, a exemplo do drama vivido por epicentros globais, como Espanha e Itália, ou do Equador, onde caixões se acumulam nas calçadas.
Desde 9 de abril, por orientação do Ministério da Defesa, o Exército envia ofícios a prefeituras do Rio de Janeiro solicitando informações sobre a quantidade de cemitérios, disponibilidade de sepulturas e capacidade de enterros diários. Nesta quinta-feira, o prefeito de Três Rios, Josimar Salles (PDT), utilizou o pedido para justificar a decisão de manter as medidas de isolamento no município, que ainda não registrou mortes por coronavírus, “diante da possibilidade de um caos na nossa saúde pública”. Segundo o Comando Conjunto do Leste, que agrupa as forças militares de Espírito Santo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, o objetivo da solicitação é coletar dados para planejar formas de atuação “com base no levantamento de cenários hipotéticos, visando mitigar os efeitos nocivos da pandemia junto à sociedade”.
Antes mesmo do documento remetido pelo Exército, gestores municipais começaram a realizar, a partir do fim de março, mutirões e adequações para abrir novas vagas nos cemitérios. Em São Paulo, que contabiliza uma morte a cada 30 minutos pelo novo coronavírus, prefeituras adotam normas discretas, a fim de não alarmar a população, ao elaborar planos de contingência para evitar um apagão do serviço funerário caso o ritmo da pandemia não desacelere no Estado. Bauru, por exemplo, iniciou obras em um de seus cemitérios municipais para abrir cerca de 200 covas. “Estabelecemos um conjunto de ações dentro do planejamento da cidade nessa luta contra a pandemia”, disse o prefeito Clodoaldo Gazzetta (PSD) em uma apresentação de dados esta semana, sem mencionar a intervenção no cemitério, que, de acordo com a prefeitura, já estava prevista no rito de manutenção.
O cemitério municipal de Diadema, na região metropolitana, que já ultrapassou a marca de 100 casos e registra sete mortes pela doença, informa que não houve crescimento expressivo dos sepultamentos nas últimas semanas. “O complexo do cemitério está trabalhando dentro da capacidade para atendimento de casos extras devido à pandemia de covid-19”, afirma a prefeitura, que considera ter reserva técnica de vagas suficiente para um eventual aumento da demanda. Em caso de necessidade, o poder público se apoia em previsão legal de utilizar o Jardim Vale da Paz, cemitério particular da cidade.
Em Itaquaquecetuba, de acordo com Flaudesto Freire, administrador do cemitério municipal, a rotina de sepultamentos permanece inalterada. A cidade de 350.000 habitantes tem 42 casos confirmados de covid-19, mas ainda não registrou óbitos pela doença. Freire que explica que o cemitério municipal, com 10.000 metros quadrados, pode comportar até 2.000 novas covas “em caso de uma catástrofe” e atualmente possui 80 sepulturas abertas. Em Guarulhos, que chegou a 25 mortes por coronavírus, o cemitério municipal segue operando dentro de sua capacidade, porém em alerta diante da hipótese de agravamento da pandemia. “Temos um plano de ação e um protocolo para os enterros de casos confirmados e suspeitos de coronavírus”, diz André Fernandes, administrador da necrópole. “Limpamos algumas quadras, procedendo com exumações para abrir mais vagas, mas, por enquanto, a situação está sob controle.”
Ao criticar o comportamento de moradores que não têm respeitado a quarentena, o secretário de segurança de Cubatão, Wanderley Mange, afirmou em entrevista à TV Câmara esta semana que o cemitério da cidade “não vai dar conta dos mortos” pela pandemia. A cidade amarga o pior índice de isolamento social do Estado, com menos de 40% da população cumprimento as recomendações. Uma das medidas sugeridas pelo secretário é um convênio do poder público com crematórios caso seja necessário desafogar o sistema funerário. Em nota, a prefeitura de Cubatão diz que não reportou problemas no cemitério municipal e que o depoimento do secretário foi hipotético, sem corresponder à realidade atual da cidade, que tem cinco casos confirmados de coronavírus.
Algumas cidades incluem em seus planos de enfrentamento à pandemia a construção de novos cemitérios. É o caso de Francisco Sá, na região norte de Minas Gerais, que detectou a urgência de outra necrópole, já que a única em operação na cidade conta com menos de 30 vagas. A primeira fase das obras emergenciais no terreno, que terá capacidade para aproximadamente 300 sepulturas, deve ser concluída até o fim de maio. “Não queremos enterrar ninguém por causa dessa epidemia, mas é preciso estar preparado para todas as circunstâncias”, afirma Mário Osvaldo Casasanta (Avante), prefeito da cidade que investiga uma morte suspeita por coronavírus.
Capital de Estado com a maior taxa de incidência de covid-19 no país, Manaus também antevê um cenário preocupante pelo avanço da pandemia. Em pronunciamento na semana passada, o prefeito Arthur Virgílio Neto (PSDB) ressaltou a iminência de um “colapso no serviço funerário” da cidade. Por outro lado, o Sindicato das Empresas Funerárias do Amazonas aponta que o risco se resumiria aos cemitérios públicos da capital, que, até o início do ano, tinham uma média de 30 sepultamentos por dia. Nesta semana, o serviço municipal registrou pico de 70 enterros. Já são 1.809 casos de coronavírus confirmados no Amazonas, que resultaram 145 mortes.
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