Para que os jovens sejam o futuro é preciso ouvir suas vozes agora
As ruas e mídias sociais são como uma porta que as juventudes vêm batendo com insistência criativa por toda a América Latina. É preciso abri-la, deixá-los entrar, e construir em conjunto as prioridades desse novo mundo
Na América Latina, região mais desigual do planeta, as inovações políticas surgem como respostas aos abismos sociais e raciais. Os jovens, como sujeitos políticos, unem agendas que extrapolam sua geração e, ressignificando tecnologias ancestrais com o mundo global digitalizado, reúnem vozes plurais para construir em conjunto esse futuro. Vimos isso no Chile, quando as juventudes impactaram a formação da primeira Constituinte paritária do mundo; na Colômbia, onde manifestações lideradas por jovens fizeram o Governo recuar em suas reformas econômicas; e na Argentina, com a Revolución de las Hijas, que, protagonizada por estudantes, levou a discussão sobre o aborto livre, seguro e gratuito à mesa das famílias—e de lá para a política institucional, em forma de lei.
No Brasil, jovens estiveram à frente das Jornadas de Junho, em 2013, e, depois, das manifestações dos estudantes secundaristas, fazendo parte também das greves globais pelo clima e se mobilizando em múltiplas ações. Nada disso é por acaso: demonstra a vontade de participar na construção do agora frente à falta de representatividade nos espaços de tomada de decisão —principalmente quando falamos de grupos tradicionalmente marginalizados, como pessoas negras, LGBTQIA+ e indígenas.
Na média das últimas três eleições, somente 7,5% dos vereadores e 3,5% dos deputados federais eleitos tinham menos de 30 anos. No mesmo período, a proporção de jovens aptos a votar representou em média 25% do eleitorado, tornando evidente a sub-representação desse grupo em cargos legislativos no Brasil.
Durante a pandemia, a pobreza e as desigualdades cresceram enquanto o acesso à educação e as opções de lazer caíram, vitimando, acima de tudo, a população mais jovem. Quando tudo isso se soma às restrições de locomoção e distanciamento social, que têm peso político e energizam a opinião pública, os jovens passam a reavaliar o curso de sua participação política. A pesquisa Juventudes e a Pandemia do Coronavírus (Rede Conhecimento Social e Atlas das Juventudes) escutou mais de 60.000 jovens no Brasil: 53% das pessoas pesquisadas acreditam que os jovens estão mais atentos à política por conta da pandemia e 72% acreditam que a pandemia vai influenciar a forma como votarão em 2022.
Mas não são os jovens brasileiros que não querem participar da política institucional: são as regras formais e informais vigentes que não os permite ingressar nesses espaços. A limitação imposta pelas estruturas no que se refere à participação desse grupo no poder institucionalizado faz, então, com que novas expressões políticas e artísticas surjam como prioridade.
Se, num primeiro momento da pandemia, as restrições de locomoção e o próprio medo de infecção limitaram a ocupação do espaço público, o impacto da crise fez com que a inação se tornasse mais custosa que a ação, trazendo, assim, incentivos para a mobilização nas ruas. Segundo estudo publicado no Journal of International Affairs, três tipos de manifestações surgiram nesse período em todo o mundo: os protestos com distanciamento social em defesa de medidas de combate a pandemia, os protestos anti-lockdown e as revoltas sociais, que emergiram com o agravamento de demandas e problemas pré-existentes.
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Clique aquiO Brasil não foi exceção. Inicialmente, impulsados pelo próprio Governo Federal, houve carreatas com críticas ao STF, ao Congresso e às medidas de lockdown decretadas pelos governadores, mas o descaso com a pandemia por parte do Governo Bolsonaro fez com que contramovimentos surgissem para disputar o poder e as narrativas das ruas. Logo vimos os protestos antifascistas e a volta dos panelaços, que se adaptaram às novas condições e ressignificaram essa tática, enquanto outros chegavam com demandas pré-existentes que foram agravadas durante a pandemia —como o combate ao racismo estrutural e à violência policial.
O ano de 2021, então, começou movimentado. Enquanto ocorriam motociatas a favor do presidente, a oposição, impulsionada pelas denúncias de corrupção no Ministério da Saúde e o descaso explícito com a vacinação, voltou às ruas em grande número. Recentemente surgiram ainda mobilizações de movimentos indígenas contra a #PL490, que altera as regras de demarcação de terras e foi reprimida com violência em Brasília.
O que tudo isso tem em comum? A primeira coisa é que quase todas elas, principalmente as de caráter democrático, tiveram ampla participação das juventudes. O segundo ponto é que as adaptações de táticas e estratégias, os novos simbolismos e expressões artísticas desses espaços foram também protagonizadas por esse grupo. E, por último, mas não menos importante, é o fato de que o desenrolar desses movimentos da juventude terá um impacto significativo nas disputas eleitorais vindouras.
Até quando vamos continuar falando que os jovens são o futuro enquanto, no presente, não damos o espaço para que suas vozes e ações sejam amplificadas? Precisamos ir além dos estereótipos e reconhecer os integrantes das novas gerações como sujeitos políticos capazes de capitanear as mudanças necessárias do agora. Fortalecer a imaginação política com a perspectiva de inovação ética e cidadã —permitindo que jovens possam fazer política nos partidos, nas eleições e dentro das instituições —é essencial para que novas lideranças sejam visualizadas e que possamos ampliar a participação e a representação social.
As ruas e mídias sociais são como uma porta que as juventudes vêm batendo com insistência criativa. É preciso abri-la, deixá-los entrar, sentar à mesa e construir em conjunto as prioridades desse novo mundo que nasce.
Larissa Dionisio é mulher latino-americana, entusiasta da educação e da comunicação intercultural, relações públicas, especialista em Educação e Cultura pela Flacso Brasil. Atualmente coordena o projeto Emergência Política Jovens, do Instituto Update, pesquisa sobre jovens inovadores na política institucional e eleitoral brasileira.
Bruno Dias é ativista social e mestre em Ciência Política pela University College London. Trabalhou com mobilização de jovens pela América Latina no TECHO Internacional. Atualmente trabalha com incidência política e desenvolve pesquisas sobre autoritarismo, movimentos sociais e juventudes.
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