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A escola que quer formar novos líderes nas periferias brasileiras

A Escola Comum é um projeto inédito, idealizado por pessoas do mundo acadêmico e do ativismo, para dar a jovens de São Paulo ferramentas com as que mudar seu entorno

Felipe Betim

Alexia Oliveira tem apenas 19 anos e já está muito segura sobre seu "projeto de vida". Ela quer abrir um cursinho pré-vestibular no bairro onde vive, Brasilândia, Zona Norte de São Paulo, "porque na periferia você não vê as pessoas nas universidades e cursos técnicos". Ela quer mostrar "que existe um caminho diferente" ao do subemprego e que seus vizinhos também "podem acessar esses espaços", geralmente reservados às classes médias e elites. Oliveira já fez um curso técnico de Gestão de Políticas Públicas e diz que lá não só aprendeu "questões básicas que deveriam estar na escola pública" como também passou a "questionar". Atualmente está se preparando para o ENEM — ela quer algo na área de Humanas, mas ainda sabe qual carreira seguir — ao mesmo tempo que segue buscando as ferramentas necessárias, uma base, para um dia levar adiante seu plano. Recentemente encontrou a Escola Comum, um inédito projeto de ensino inspirado nas escolas de governo internacionais e que pretende formar novos e jovens líderes nas periferias brasileiras.

Alunos da Escola Comum.
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O projeto pedagógico foi idealizado por um grupo de acadêmicos e ativistas — Ana Paula Vargas, Elaine Lizeo, Esther Solano, Fábio Bezerill, Rosana Pinheiro-Machado, Tulio Custódio e Will Schlmatz — que já trabalhavam com formação de lideranças e periferia. Com a Escola Comum, querem, como o próprio nome da instituição diz, transmitir os valores "do compartilhamento, comprometimento social, comunidade, coletividade e bem-comum" para as escolhas de vida de cada um dos 26 jovens que participam da primeira turma. As aulas começaram no último dia 3 de março. Os estudantes têm entre 16 e 19 anos e todos vivem nas periferias de São Paulo, possuem alto rendimento acadêmico e pertencem a famílias com renda per capita mensal de até dois salários mínimos. Tiveram que apresentar cartas de recomendação, elaborar texto e vídeo a partir da pergunta “Se você pudesse mudar o mundo o que você faria?” e passar por uma entrevista. Mulheres negras formam a maioria dos aprovados.

Todos os sábados por volta das dez da manhã, Oliveira e seus colegas chegam cheios de ideias e projetos ao centro de São Paulo, no número 2150 da avenida São João, em um imóvel conhecido como Castelinho da Rua Apa, para mais um dia de aula. Para que possam se locomover de tão longe, contam com um auxílio transporte da instituição. No último 10 de março, abarrotaram uma pequena sala para escutar duas aulas expositivas e introdutórias sobre Desenvolvimento. O professor convidado foi Humberto Laudares, PH.D em economia e com longa experiência em organizações internacionais e governos. Após se apresentar, lança a primeira pergunta para a turma: "Desenvolvimento para quê?". Um aluno arrisca: "Para evoluir". "O desenvolvimento deve ser a busca por uma melhor qualidade de vida", diz outro. Uma menina completa: "Desenvolvimento vem em varias situações. Ele pode ser pessoal, coletivo, material...". Laudares, que também faz parte dos movimentos Agora e RenovaBr, que pretendem lançar novas lideranças para a política institucional, continua a questionar: "Por que países são mais ricos que outros? Desenvolvimento é só econômico? Não, é qualidade de vida, é bem estar. As perguntas são simples, mas as respostas são muito difíceis", explica. Respostas essas que ele expõe, de uma maneira didática, ao longo de uma hora e meia de aula.

Agora é a vez da cientista social e antropóloga Rosana Pinheiro-Machado, que foi professora de Sociologia do Desenvolvimento em Oxford e hoje ensina na Universidade Federal de Santa Maria (Rio Grande do Sul). "Sou bem acadêmica, mas hoje vou fazer uma fala mais política para a gente ter tipos de percepções sobre o tema", anuncia ela, que ao longo de mais uma hora questiona padrões internacionais de desenvolvimento estabelecidos em países ricos. O dia ficou completo com a chegada do Reverendo Nello na hora do almoço — servido para todos na área externa do Castelinho — para contar sobre sua trajetória; e, depois, com um debate promovido por Tulio Custódio, sociólogo doutorando da USP e um dos fundadores da Escolha Comum, sobre o filme Pantera Negra — ao qual os alunos haviam sido levados para assistir na semana anterior.

O primeiro ano do curso seguirá com aulas expositivas de professores convidados e atividades em grupo. Assim como ocorreu no último dia 10, em que um professor com um perfil mais liberal e uma professora com um perfil mais de esquerda deram aula, o objetivo é fomentar o diálogo e o debate de ideias. "Mas é importante que estejamos sempre dentro do campo progressista", pondera Pinheiro-Machado.  A partir do segundo ano, uma equipe de 70 monitores voluntários — professores de línguas, psicoterapeutas, pessoas vinculadas ao mundo da arte e de empresas de tecnologia, entre outros — ajudarão esses jovens a ocupar o mercado, a política, as universidades, as ONGs, as instituições públicas... "Estamos deixando eles fazerem o que quiserem, queremos ajudá-los nesse caminho futuro", explica a acadêmica. "Esperamos que no final desse período tenha sido formada uma liderança cosmopolita, que saiba olhar para as diversas soluções que estão acontecendo no mundo, e que seja capaz de pensar sempre coletivamente", acrescenta. Para isso, explica, pretende-se que os alunos tenham acesso a um amplo leque de networking e que aprendam a lidar "com diversas ferramentas concretas, desde a imagem até protocolos e redes sociais".

Oliveira, a jovem de Brasilândia que quer abrir um cursinho pré-vestibular comunitário, valoriza poder aprender sobre Desenvolvimento com especialistas que atuaram na área. "Acredito que a principal ferramenta que a Escola Comum vai me dar é o conhecimento. Eu estou vendo um cara que estudou fora e que trabalha em organismos que fazem essas políticas macro. Isso é super importante", afirma. Ao ser questionada se pretende um dia entrar na política convencional, explica que tem "dificuldades com os partidos atuais". Mas garante não ser "apolítica" e se diz preocupada com a falta de representatividade de mulheres negras como ela. Contudo, se vê trabalhando "mais nos bastidores, como uma burocrata, com políticas públicas", explica.

David de Oliveira, de 18 anos, também pensa em trabalhar em projetos voltados para o bairro onde mora — Santo Amaro, Zona de Sul de São Paulo — e que logo possam ser expandidos para outros lugares. Filho de um eletricista e de uma trabalhadora doméstica, tem fé no potencial criativo das periferias e acredita ser necessário fazer uma ponte com o mundo acadêmico. Ao pensar em seu entorno, diz sonhar com uma espécie de "integração", no sentido de que as pessoas possam morar, trabalhar e fazer suas atividades diárias sem precisar necessariamente se deslocar para outros lugares. "A gente só precisa de pessoas que enxerguem isso, e eu quero fazer isso. Precisamos mostrar que podemos fazer as coisas no espaço que vivemos", afirma. Um exemplo disso são os comunicadores comunitários. "É a ideia de você fazer um espaço jornalístico e a gente poder se informar sem depender de uma grande emissora para saber o que está acontecendo". Para alcançar seus objetivos, além de frequentar a Escola Comum, estuda em um cursinho pré-vestibular com a intenção de fazer Ciências Sociais na UNICAMP ou História na USP. Ao ser questionado se gostaria de tentar as duas ao mesmo tempo, é taxativo: "Não. Além de estudar, preciso trabalhar".

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