Repressão a protestos na Colômbia sela divórcio de Duque com os jovens
Pesquisa mostra que 74% dos cidadãos de 18 a 25 anos têm uma imagem desfavorável do presidente colombiano
Os jovens da Colômbia estão na linha de frente dos protestos contra o Governo de Iván Duque que resultaram em confrontos com a força pública nas ruas. São esses manifestantes que abandonaram o Executivo, a ponto de forçá-lo a retirar a fracassada proposta de reforma tributária que detonou as mobilizações. Também eram jovens os 24 mortos contabilizados até esta quarta-feira, quando se completa uma semana de manifestações no contexto da chamada paralisação nacional, em meio a confusos episódios de brutalidade policial que foram condenados pelos organismos internacionais.
“Estão nos matando” é uma das frases mais repetidas nos cartazes das mobilizações que ocorreram na Colômbia durante o mandato de Duque, que atravessa uma pronunciada crise de popularidade. Antes, esse lema se referia principalmente ao incessante assassinato de líderes sociais em lugares remotos do país, mas agora também abrange aos jovens das cidades e os numerosos episódios de uso excessivo da força policial durante os protestos. “Quero estudar para mudar a sociedade”, é outro dos lemas mais ouvidos.
Os manifestantes foram às ruas apesar de o país atravessar o pior momento da pandemia e uma terceira onda de contágios, com os hospitais perto do colapso. “Tem gente morrendo de fome, não é só de covid… A pior pandemia é o racismo”, disse a este jornal a estudante de Direito Isamari Quito, de 20 anos, vinculada a organizações do povo negro, durante uma das primeiras marchas em Bogotá. “Basicamente é uma caçada”, avalia a universitária Luna Giraldo Gallego, na cidade do Manizales, que tem saído às ruas diariamente desde 28 de abril e em mais de uma ocasião inalou o gás lacrimogêneo do Esquadrão Móvel Antimotins, o Esmad.
As pesquisas apontam que Duque perdeu fortemente o apoio dos jovens. Numa recente medição da empresa Cifras y Conceptos, 74% dos entrevistados entre 18 e 25 anos tinham uma imagem desfavorável do mandatário. Aos 44 anos, Duque é o presidente mais jovem na história recente da Colômbia e, embora tenha chegado ao cargo com 42 anos recém-completos, sempre exibiu, desde a própria campanha, seus créditos conservadores. Esse paradoxo pairou durante todo o seu mandato, inclusive nesta última semana de crise. Apesar de o Governo ter se mostrado aberto a um processo de diálogo político em busca de uma nova reforma consensual, a mobilização não cede, e os jovens são um componente central do coquetel de descontentamento que cerca o Executivo do Centro Democrático, o partido governista fundado por Álvaro Uribe. O ex-presidente defendeu que policiais e militares têm direito a usar armas nos protestos.
Apoie a produção de notícias como esta. Assine o EL PAÍS por 30 dias por 1 US$
Clique aqui“Com quem é preciso dialogar é com aqueles que estão nas ruas, que são os jovens, que na sua maioria não estudam nem trabalham. Jovens que sentem com dor que não têm futuro e que não estão sendo ouvidos”, declarou nesta quarta-feira a prefeita de Bogotá, Claudia López, ao aludir ao difícil processo que o Governo nacional iniciou. A noite de confrontos na capital deixou quase uma centena de feridos, e durante as mobilizações da jornada um grupo de encapuzados derrubou as cercas de segurança que cercam o Capitólio, na praça Bolívar. Alguns congressistas foram retirados de maneira preventiva. A semana de protestos e distúrbios em diferentes cidades deixou 24 mortos, segundo a Defensoria do Povo, que também publicou uma lista com dezenas de desaparecidos, enquanto a Human Rights Watch recebeu denúncias de 31 mortes.
“A gente sente que este Governo, apesar de ter à frente o presidente mais jovem da história, insiste em ideias absolutamente vencidas, caducas, fadadas a serem recolhidas”, expressa Jennifer Pedraza, de 25 anos, representante estudantil da Universidade Nacional e membro do Comitê da Paralisação, que agrupa as organizações que convocam as manifestações. Antecipa que, apesar de já ter conseguido a retirada da reforma tributária, a mobilização continuará para exigir que o Executivo garanta o direito constitucional ao protesto e desmilitarize as cidades. “Sair para passeatas com este Governo tem sido uma atividade de alto risco”, lamenta. A população colombiana em geral, e os jovens em particular, afirma, estão esperando uma mudança. “Já temos muitos anos de governos repressivos, com um paradigma muito ortodoxo da economia. Isso não facilitou a vida das atuais gerações, pelo contrário, deixou-a cada vez mais difícil”. Estão unidos pelo desencanto, a rejeição à classe política e um profundo mal-estar frente ao Governo.
Na onda de protestos que já tinham sacudido o país no final de 2019, os jovens de universidades públicas e privadas foram protagonistas destacados. Com sua ação coletiva, os estudantes “obtiveram uma tarefa titânica em um país onde o cinismo e o ceticismo são a norma: conseguiram nos inspirar”, escreve a cientista política e internacionalista Sandra Borda em Parar para avanzar, seu livro sobre o movimento estudantil. Mas a atual onda de mobilizações tem diferenças. A pandemia e os confinamentos contribuíram para o aumento da desigualdade e dificultaram o acesso à educação, à saúde e até à subsistência, gerando protestos sociais muito difíceis de controlar.
São manifestações mais espontâneas e emocionais, menos controladas por organizações― sindicais ou estudantis― e potencialmente, como se viu nos últimos dias em cidades como Bogotá e Cali, mais violentas. Muitos destes jovens não estão integrados nem ao sistema educacional nem ao trabalhista. Suas famílias estão marginalizadas, sem redes de apoio. “Esta é uma manifestação pela sobrevivência. São jovens que estão muito mais no limite e, pela natureza dos bairros que habitam, têm uma relação péssima com a força pública”, avalia Borda. O diálogo convocado pelo Executivo de Duque apresenta problemas difíceis de superar com relação a estes jovens, entre eles a repressão das forças de segurança. “Você não pode convocar as pessoas que você assassina na rua para que se sentem para conversar. Há aí um enorme problema de credibilidade.”
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