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Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

A violência policial de junho 2013, agora aprimorada

A repressão se manteve e novas técnicas foram desenvolvidas com o intuito de conter manifestações

Polícia Militar reprime ato do MPL em janeiro deste ano em São Paulo.
Polícia Militar reprime ato do MPL em janeiro deste ano em São Paulo.PAULO WHITAKER (reuters)

Não só protestos de rua são alvo das balas de borracha e bombas da Tropa de Choque da Polícia Militar de São Paulo. Nos últimos anos, a cidade tem registrado o emprego de violência policial desproporcional também em outros tipos de manifestações no espaço público, como blocos de carnaval e comemorações de títulos de futebol.

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Diversos desses episódios são citados em uma Ação Civil Pública que a Defensoria Pública de São Paulo propôs em 2014. Nela, a Defensoria pede a implementação de várias medidas para mitigar a violência policial contra manifestações. Entre elas, estão a proibição do uso de bala de borracha em protestos, a elaboração de um protocolo de uso da força baseado nos padrões internacionais de direitos humanos e a vedação a qualquer imposição de limites ou condições de tempo e lugar para a realização de manifestações de rua.

A ação, que tramita na 10ª Vara da Fazenda Pública, chegou a obter uma liminar favorável em outubro de 2014, que determinava a elaboração de um protocolo de uso da força e proibia a Polícia Militar de São Paulo de usar armamento menos letal em manifestações. Entretanto, a proibição valeu apenas de 24 de outubro a 6 de novembro, quando a liminar foi derrubada por um recurso que suspendeu seus efeitos temporariamente. No dia 12 de abril desse ano, o recurso chegou a ser apreciado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, mas o desembargador Maurício Fiorito pediu vistas dos processos, adiando o julgamento.

 Ainda assim, a expectativa de um desfecho favorável à ação permanece. A iniciativa da Defensoria, que conta o respaldo de diversas organizações de direitos humanos, diz respeito a uma série de violações que, por serem sistemáticas, precisam urgentemente ter um fim.

Durante esses últimos anos, um dos principais marcos dessas violações, se não o principal, foi a repressão policial do dia 13 de junho de 2013 contra manifestantes que protestavam contra o aumento da passagem no transporte público em São Paulo. O acontecimento, que na semana passada completou três anos, serviu de gatilho para as maiores manifestações populares do país em mais de duas décadas.

Infelizmente, porém, de junho de 2013 para cá, praticamente nada se alterou no quadro de violações policiais contra manifestações. No monitoramento realizado por organizações como a Artigo 19, o que se constata é que não apenas a repressão policial se manteve (agressões físicas, uso indiscriminado de armamento menos letal, detenções arbitrárias) como foi aprimorada.

Novas técnicas foram desenvolvidas com o intuito de conter manifestações. Umas delas foi batizada de envelopamento, que consiste no cercamento de manifestantes por cordões policiais do início ao fim da manifestação. Já o Caldeirão de Hamburgo, ou Kettling, se refere à ação de policiais que fagocita uma parte da manifestação com o objetivo de deixar um grupo de manifestantes isolados dentro um cerco. Houve também a criação da Tropa do Braço, nome pelo qual ficou conhecido o grupo de policiais treinados em artes marciais que são destacados para agir contra manifestantes dispensando a utilização de armas. Sem falar ainda do surgimento do traje apelidado de Robocop, usado por policiais que acompanham manifestações, e da aquisição de novos blindados, entre os quais, um tanque que lança jatos d'água contra manifestantes.

No campo das justificativas, a polícia também inovou. Agora, o fato de organizadores não avisarem previamente os locais de concentração e trajetos de manifestações também passou a ser motivo para repressão policial. A exigência, no entanto, não encontra respaldo na legalidade.

Todos estes elementos formam um cenário que desafia frontalmente os padrões internacionais de direitos humanos, em especial aqueles relativos à liberdade de expressão e protesto. Vale mencionar que as posições de relatorias especializadas no tema tanto da ONU quanto da OEA fornecem interpretações ao texto da Convenção Americana de Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil, segundo a qual as liberdades de expressão, reunião e associação devem ser asseguradas a todos, sem distinção.

É por tudo isso que a ação civil pública proposta pela Defensoria possui grande relevância nas possibilidades de avanços frente ao desrespeito sistemático a esses padrões. No que se refere especificamente à criação de um protocolo de uso da força, há um grande potencial para que a atuação truculenta de policiais em protestos seja limitada na frequência que se constata hoje.

O julgamento da ação, ainda sem data para ocorrer, se constitui em uma oportunidade histórica para que os compromissos com os direitos humanos sejam garantidos quando o assunto é manifestação da rua. Assim, a depender da decisão de alguns magistrados, é possível que os abusos policiais que nos acostumamos ver em protestos dê espaço a um efetivo respeito ao direito à liberdade de expressão e de reunião.

Camila Marques é coordenadora do Centro de Referência Legal da Artigo 19 e Mariana Rielli é integrante do centro da mesma organização. Artigo 19 é uma organização independente de direitos humanos que trabalha em vários países. Seu nome vem do Artigo 19 da Declaração Universal de Direitos Humanos, que garante a liberdade de expressão e informação.

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