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“Confrontos com a polícia cresceram porque a criminalidade está mais violenta”

Secretário reconhece que letalidade da PM "é alta", mas justifica que policiais são cada vez mais recebidos a tiros. SP teve baixa de homicídios, mas metodologia de dados é questionada

Gil Alessi
O secretário de Segurança Pública, Alexandre de Moraes.
O secretário de Segurança Pública, Alexandre de Moraes.Fernando Cavalcanti

Ao assumir o comando dos 130.000 homens das três polícias do Estado - militar, civil e técnico científica - em janeiro de 2015, Alexandre de Moraes, 47, começou a dirigir "a maior força policial do mundo”. O seu desafio é reduzir a sensação de insegurança que domina o Estado e enfrentar a letalidade da polícia. Moraes precisa lidar com um antigo problema: a polícia que mata nas periferias. As chacinas de Osasco e Barueri, ocorridas em 13 de agosto de 2015, são um exemplo disso: sete policiais e guardas-civis teriam se articulado para vingar a morte de um colega. O resultado foi um banho de sangue que deixou 19 mortos e cinco feridos. O secretário encara as cobrança enquanto ao método usado para calcular os homicídios no Estado. Na antessala de seu gabinete na região central de São Paulo, uma pequena estante abriga a coleção completa de suas obras – pouco mais de uma dezena de livros sobre direito constitucional e direitos humanos – Moraes, que é professor de Direito nas universidades de São Paulo e Mackenzie, recebeu o EL PAÍS na última terça-feira.

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Pergunta. Em janeiro deste ano nós tivemos no Estado um índice de 8,73 homicídios por 100.000 habitantes, o que representa uma queda [no ano passado eram 10,06 em 2014]. Mas a metodologia usada, que contabiliza chacinas com múltiplas vítimas como sendo apenas um caso de homicídio, é questionada. Outros países contam crimes dessa natureza individualmente. Nosso dado não fica distorcido? 

Resposta. As mortes decorrentes de intervenção policial, por serem consideradas lícitas, são excluídas dos dados de homicídios dos Estados Unidos e da União Europeia [Eurostat]. O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime e o FBI, por exemplo, excluem de seus índices os homicídios dolosos em legítima defesa praticados por qualquer cidadão. Japão e Reino Unido não incluem os latrocínios no cálculo de suas taxas de homicídios. A divulgação das estatísticas da Secretaria de Segurança Pública contempla o número de vítimas de homicídios total [com todas a vítimas de chacinas]. Dessa forma se pode calcular as taxas em diferentes recortes. [A Secretaria informou que a metodologia utilizada é a mesma desde 2001, e que qualquer alteração feita agora provocaria a perda da série histórica, que permite as comparações ano a ano].

P. Existe uma corrente acadêmica segundo a qual o Primeiro Comando da Capital colaborou com a redução dos homicídios ao mediar os conflitos nas periferias da cidade. Graham Willis, da Universidade de Cambridge, defende essa teoria.

R. Sem querer ofendê-lo, mas essa tese é ridícula. Essa tese mostra que ele não tem conhecimento da área. Ridícula e preconceituosa com relação ao Brasil. Porque se nós pegarmos o mesmo período [2007-2011] em Nova York e em São Paulo, vamos ver que em São Paulo os homicídios caíram 84%, e em Nova Iorque 75%, curvas semelhantes. E nunca ninguém foi falar que os homicídios lá caíram por causa da máfia, do crime organizado. Então é algo preconceituoso porque acha que no Brasil não é possível fazer um combate efetivo de um determinado crime. Nós temos dados que mostram esse absurdo. Na capital, só ano passado, apreendemos três vezes mais em toneladas de droga do que em 2014, e prendemos quase 10% a mais. Obviamente nós prendemos gente do crime organizado e apreendemos a droga que é o grande alimento e combustível dessas organizações. Como se explica que ao mesmo tempo em que você ataca fortemente o crime, diminui o homicídio? Que acordo é esse: ‘Pode prender a gente, pode confiscar nossa droga e nós vamos diminuir o homicídio’. É algo que não tem lógica. Hoje, do PCC, as 14 principais lideranças estão presas.

P. As polícias mataram no ano passado 798 pessoas, aproximadamente duas pessoas por dia. Esse não é um número alto?

De 2013 para 2014 houve um aumento de mais de 40% nos confrontos com a polícia, o que mostra que a criminalidade está mais violenta

R. A letalidade policial, em um número assim, é alta. Tanto que uma das prioridades quando assumi foi baixar esse índice. Lembrando que são contabilizadas como letalidade policial as mortes lícitas, ou seja, no confronto, segundo o entendimento do Ministério Público e da Justiça, que arquivaram os processos. Tomei uma série de medidas quando assumi, principalmente a resolução 40, que foi elogiada até por membros de partidos da oposição ao Governo do Estado. [De acordo com a resolução] Imediatamente após qualquer evento de letalidade policial vão ao local o comandante do batalhão, o delegado da região, o corregedor, uma equipe especial do IML e a grande novidade, nós comunicamos na hora o Ministério Público, para que, se ele quiser, compareça para realizar o controle externo da atividade policial, que é atribuição dele.

P. As mortes decorrentes de intervenção policial podem ser evitadas?

Sigilo de documentos

Uma polêmica que envolve o secretário Alexandre Moraes atualmente são os sigilos impostos a alguns dados da Secretaria. Em outubro do ano passado foi imposto o sigilo de até 15 anos para vários assuntos da Polícia Militar do Estado, que vão de informações administrativas a financeiras da corporação, passando por manuais de conduta da PM. A assessoria de imprensa da Polícia Militar informou que "a classificação dos graus de sigilo dos documentos foi realizada após criteriosa análise de uma comissão criada para esse fim". Disse também que os critérios para a classificação levam em consideração diversos fatores, como, por exemplo, a segurança de pessoas e as estratégias operacionais que impõem controle de acesso a algumas informações específicas contidas em cada documento.

Posteriormente o governador Geraldo Alckmin proibiu o sigilo prévio a documentos e informações, disse que os pedidos serão analisados "caso a caso", e determinou que o sigilo só poderá ser aplicado após análise fundamentada segundo os termos da Lei de Acesso à Informação. A expectativa é que dados sensíveis dos boletins de ocorrência, como endereço, telefones e nomes de vítimas e/ou autores de crimes sejam mantidos em segredo. "Nenhuma informação necessária vai deixar de ser fornecida", afirmou o secretário.

R. Existe um porcentual que nunca pode ser evitado, que é quando a Polícia é recebida a tiros em uma ocorrência e responde. Tem um percentual que pode sempre ser evitado, se você chegar com mais polícia e chegar mais rápido – isso tem um efeito dissuasivo no criminoso, que acaba optando pela fuga ou por se render. E tem aquele percentual, eu diria que a maior parte, que vai depender muito do momento: pode evitar, pode não evitar. Se o policial souber que isso vai ser olhado de uma forma mais detalhada depois da ocorrência, ele também vai se segurar, vai pedir reforço, vai evitar ações que podem levar à letalidade. Por isso que no ano passado diminuímos a letalidade em 10%. Mas desde a resolução 40 [segundo a qual após episódios com morte envolvendo policial o comandante do batalhão, a corregedoria, o delegado local e o MP são convocados para comparecer ao local], ela caiu mais de 30%.

P. Que outras medidas a secretaria adota para reduzir a letalidade da Polícia?

R. Pedi um mapeamento dos policiais que, nos últimos cinco anos, se envolveram em pelo menos três eventos com morte. Se há um terceiro [envolvimento em morte] aciona-se um gatilho para que ele seja afastado do local onde estava trabalhando, indo para um local imediatamente inferior do ponto de vista do combate, até para preservá-lo. Nós movimentamos quase 140 policiais desde junho. Há um desgaste para o policial que se envolve em troca de tiro. Queremos baixar esse número. Mas é importante dizer que de 2013 para 2014 houve um aumento de mais de 40% nos confrontos com a polícia, recebida a tiros quando chega para a ocorrência. Isso mostra que a criminalidade está mais violenta.

P. Existem grupos de extermínio atuando na Polícia Militar?

R. Se houvesse policiais que se unissem para matar mendigos, ou prostitutas, traficantes, isso seria um grupo de extermínio. Se nós analisarmos todos os homicídios, as chacinas onde houve participação de PMs nos últimos tempos, nós não encontramos essas características. Primeiro que são grupos esparsos, sem identidade de propósitos, os motivos são diferentes. São criminosos que momentaneamente estão travestidos de policiais, criminosos de farda, que ou mataram por vingança, como ocorreu nas chacinas de Osasco e Barueri, ou às vezes matam porque já estão envolvidos em atividades criminosas, como ocorreu na chacina da Pavilhão 9, em virtude de briga de tráfico.

P. O que você acha da proposta de desmilitarizar a PM?

Não há nada pior do que estar com a farda do Estado, ser policial, uma autoridade, e praticar crimes

R. Eu sou uma pessoa extremamente legalista. Eu sigo a Constituição. Ela diz que temos duas polícias, uma preventiva e ostensiva, que é a PM, e uma judiciária de investigação eu é a Civil. Há um erro muito grande em dizer que a PM é a polícia da ditadura. O comandante geral que eu indiquei ao Governador e ele escolheu [Coronel Ricardo Gambaroni], fez na semana passada 51 anos. Ele nasceu em 64. Durante a ditadura ele engatinhava. Grande parte da tropa nasceu depois da redemocratização. Então não podemos confundir policia da ditadura com Polícia Militar. Toda polícia ostensiva tem um treinamento de hierarquia e disciplina. O que fazemos em SP há duas décadas é trabalhar a cultura de respeito aos Direitos Humanos, a cultura de trabalho conjunto entre as duas instituições.

P. Qual o perfil dos homicídios em São Paulo?

R. Nós terminamos o ano passado, com 3.962 vítimas de homicídio. Latrocínio, que é o roubo seguido de morte, foram cerca de 360. Um número bem menor. A motivação desses homicídios: 20% briga doméstica, 30% é bebida, briga de bar. Já dá 50%. De 20 a 25% são mortes provocadas por dívida de tráfico. E tem 20% que a motivação não é possível determinar.

P. Então 50% dos assassinatos de São Paulo não são cometidos por bandidos, mas sim pelo chamado ‘cidadão de bem’?

R. Sim. Dos homicídios sim. Latrocínio é 100% bandido. Isso aí é no mundo todo e na história. Por isso o homicídio é julgado pelo tribunal do júri, e não pelo juiz. Porque é um crime que todo mundo pode praticar em um momento de raiva. É difícil você falar, e a criminologia comprova isso, ‘todo mundo pode um dia na vida praticar um estupro’. Ou ‘todo mundo pode praticar um latrocínio’. Negativo. Mas todo mundo está sujeito a cometer um homicídio.

P. Existe uma parcela da população que costuma dizer que Direitos Humanos no país só valem para bandidos. Essa visão é nociva para a democracia?

R. Essa concepção equivocada é uma das maiores ameaças ao Estado de Direito e à democracia. Os direitos humanos, cada um deles, [tiveram] sua construção histórica para nos proteger dos abusos do Estado, do arbítrio do Estado quando este se excede. Aquele que pratica um crime será julgado e processado, mas precisa ter as garantias fundamentais. Nenhum direito humano vai atrapalhar ninguém que tenha praticado um crime, de ser penalizado. O que acontece é que temos uma legislação fraca, velha e arcaica, o que acaba gerando essa impressão, e aí se ataca erroneamente uma garantia fundamental que todos nós temos que ter.

P. Você costuma dizer que as leis no país são arcaicas. O que isso quer dizer?

Alexandre de Moraes.
Alexandre de Moraes.Fernando Cavalcanti

R. Você prende alguém por roubo qualificado: a pessoa entrou numa casa, ameaçou, bateu, e foi condenado a cinco anos de prisão. Aí com 11 meses a pessoa está na rua. Isso atrapalha o combate à criminalidade. Essa impunidade é alimento para o crime. Você não precisa aumentar penas ou desrespeitar as garantias constitucionais, agora quem, dentro da regra, é condenado, tem que cumprir. No último ano pode ter um livramento condicional.

P. O resultado de manter as pessoas presas por mais tempo não seria uma maior deterioração do sistema prisional?

R. O Brasil prende muito, mas prende mal. É uma herança nossa das ordenações portuguesas, mas que Portugal já abandonou, já se modernizou, e nós continuamos com isso. Fizemos uma opção por prender quantitativamente. A pessoa praticou um roubo com fuzil, o outro pulou o muro e furtou um botijão de gás. Vamos prender todo mundo. O estelionatário: vamos prender. Prendemos muito. O encarceramento precisa ser a última possibilidade. E prendemos mal, porque soltamos rápido todo mundo.

P. É possível vencer a chamada guerra contra as drogas? A política proibicionista não tem surtido muito resultado...

R. A questão da droga se intensificou a partir da década de 1970. Os países até então não se preocupavam muito com essa questão de combate ao tráfico, porque era menor. E nós tivemos duas correntes que se formaram: a norte-americana, que é mais dura e repressiva, e a europeia, que é pena alternativa, tratamento. A verdade é que nenhuma das duas deu resultado satisfatório. E como se chega a essa conclusão? Vendo o aumento do poder do tráfico de entorpecentes, do volume de dinheiro que gira no tráfico, o aumento de usuários. Quem falar que sabe como resolver o problema está mentindo...

Quem falar que sabe como resolver o problema [das drogas] está mentindo

P. Muitas vezes a diferença entre traficante e usuário não acaba sendo o CEP? Um morador da periferia pego com dois cigarros de maconha é traficante, enquanto que um jovem pego com a mesma quantidade no centro é usuário...

R. Quem em última analise vai decidir se é traficante ou usuário? Não é a polícia. Quem decide é o Judiciário quando mantêm a prisão ou não. Para evitar esse problema, nós lutamos pela instalação em SP das audiências de custódia. Elas acabam com a questão da polícia naquele momento decidir sobre isso, porque em 24h você leva o detido para o juiz, e é o magistrado quem vai analisar. Como solucionar isso: primeiro é a audiência de custódia, no ano passado tivemos quase 14.000 delas. Na questão do tráfico, o número de vezes que o juiz desclassificava um traficante para usuário não chegou a 8% dos casos. Quer dizer, a polícia não está também exagerando, prendendo usuário como traficante.

Fernando Cavalcanti

P. Mas o Judiciário pode estar apenas referendando aquilo que a polícia apresenta.

R. Aí não é um problema de ilegalidade. Se o juiz está mantendo um eventual exagero, aí é uma questão judiciária.

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