O acesso às armas é a única resposta de Bolsonaro para melhorar a segurança pública?
Mesmo a valorização das polícias, categoria que o Governo diz ter como prioridade, avançou pouco para além de discursos. Programa contra homicídios tem resultados pouco expressivos e problemas orçamentários
O presidente Jair Bolsonaro já sinalizava, desde a época de sua campanha, que o tema da segurança pública ganharia destaque na agenda do Executivo federal. No entanto, o país ainda não viu ser apresentada uma agenda efetiva para a área que vá além da obstinação presidencial pela facilitação do acesso às armas de fogo e munições, avançando contra evidências científicas. Em mais de dois anos de mandato, são mais de 30 atos normativos e diversos episódios controversos sobre o tema. Podemos nos perguntar se, diante de desafios tão complexos na segurança pública, sobretudo considerando o contexto de pandemia que ainda perdura, a flexibilização do acesso às armas de fogo é realmente a única resposta que o Governo federal tem para o problema da violência e da criminalidade ou se há outras motivações por trás dessa corrida armamentista e para enfraquecer os mecanismos de controle desses arsenais.
Precisamos há anos enfrentar um debate sobre gestão e governança na segurança pública, cooperação federativa, integração das polícias, valorização de profissionais da segurança, priorização do esclarecimento e da redução de homicídios, o uso de planejamento e inteligência policial e políticas de prevenção voltadas às populações mais vitimizadas. No entanto, até agora, o monitoramento contínuo das ações do Executivo realizado pelo Instituto Sou da Paz revela que não estamos avançando para isso. Já se completando dois anos e meio de mandato, o balanço da política de segurança que temos é, majoritariamente, o acúmulo de medidas que flexibilizam o acesso às armas de fogo e munições, investimentos no punitivismo penal, fomento de uma política de confronto policial —sendo que essas três áreas vão no sentido contrário das evidências científicas— e ações emergenciais não duradouras.
Além da pandemia do coronavírus, em 2020 convivemos com outra velha epidemia conhecida no Brasil: os elevados índices de homicídios. Com queda observada de 2017 a 2019, no último ano vimos as taxas de homicídio aumentarem novamente no país e registrarem queda no primeiro trimestre de 2021, em um vaivém que ninguém consegue explicar com precisão. O principal programa apresentado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública para enfrentar essa realidade, o chamado Em frente, Brasil, lançado em agosto de 2019, tem resultados pouco expressivos, problemas orçamentários e de gestão e nenhuma perspectiva de ser escalonado para abarcar uma parcela significativa dos municípios com mais homicídios do país.
Apoie a produção de notícias como esta. Assine o EL PAÍS por 30 dias por 1 US$
Clique aquiSem uma agenda governamental clara sobre o tema e com as trocas de ministros à frente da pasta permeadas por polêmicas e imbróglios políticos, o país ainda carece de um Plano Nacional de Segurança Pública que seja um projeto estratégico e estrutural para a área, capaz de oferecer condições para a consolidação de políticas efetivas e resultados concretos no enfrentamento da criminalidade violenta. O Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), um avanço institucional regulamentado em 2018 e que prevê importantes diretrizes para a condução da política de segurança, mal começou a ser implantado. O SUSP só vai começar a caminhar se houver um esforço de integração e coordenação liderado pelos órgãos federais, sendo fundamental, dessa forma, maior interlocução entre o Ministério da Justiça e Segurança Pública com os Estados e um uso mais estratégico das ferramentas de financiamento federal. O Governo federal precisa assumir o seu papel de indutor de políticas estruturantes nos Estados e municípios.
Da mesma forma, a valorização dos policiais, categoria que esse mesmo Governo diz ter como prioridade, também avançou pouco para além de discursos, já que não há um plano ou projeto de modernização das forças de segurança. O aceno que o presidente dá a essas categorias, especialmente às polícias militares, parece ser apenas para garantir uma base de sustentação ao seu Governo. Na direção oposta do que se esperaria de uma política de segurança e de profissionalização das polícias, ao invés de formular diretrizes para orientar e conduzir as operações policiais de forma a minimizar a letalidade policial e respeitar o princípio de preservação da vida, o presidente frequentemente silencia ou até instiga a violência policial, que atinge sobretudo a população jovem e negra, além dos próprios policiais.
Ainda, problemas complexos da segurança pública, como a situação dos presídios e a violência contra a mulher, entraram tardiamente na agenda como consequência do agravamento da crise sanitária instaurada no país. Em 2020, algumas medidas positivas de combate à pandemia foram implementadas pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), mas não foram suficientes para conter a crise do coronavírus no ambiente prisional, que atingiu a marca de mais de 50.000 casos de infecção e desencadeou uma série de denúncias sobre a gestão desse problema pelo Executivo federal. Sobre o tema da violência contra a mulher, o Governo formulou um Protocolo Nacional de Investigação e Perícia nos Crimes de Feminicídio, mas que foi mantido sob sigilo que compromete princípios da administração pública e o controle social.
Enquanto o país ainda carrega o drama de milhares de vidas interrompidas em razão da pandemia, fazendo urgir a necessidade por políticas públicas sérias e comprometidas com a vida, o Governo federal mostra que uma de suas prioridades é investir em políticas que produzirão mais mortes evitáveis.
Carolina Ricardo é diretora-executiva do Instituto Sou da Paz.
Carolina Souto é assistente de advocacy do Instituto Sou da Paz.
Natália Pollachi é gerente de projetos do Instituto Sou da Paz.
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