Democracia e Segurança Pública: são pra geral, ou não são pra ninguém
É preciso se indignar e agir. Não dá para aceitar que o caminho é armar individualmente as pessoas
O que está acontecendo com a democracia brasileira? Ela está em risco? Essa é uma pergunta que pode ser respondida sob inúmeros prismas. Eu gostaria de discuti-la sob o prisma, das políticas de segurança pública, do monopólio do uso da força pelo Estado e da desigualdade.
Desde janeiro de 2019, mais de 30 atos normativos, entre decretos e portarias, foram publicados pelo Executivo Federal para flexibilizar o acesso às armas de fogo para diferentes grupos e categorias no país. Antes essas publicações vinham acompanhadas de uma tentativa de prover segurança, mas no último ano já assumem explicitamente a intenção de viabilizar supostas “liberdades individuais” pela força. Com isso, mais de um milhão de novas armas foram parar nas mãos de civis entre 2019 e 2020.
Ao mesmo tempo, se vê uma preocupante e antidemocrática politização excessiva das instituições de segurança, com membros das forças públicas utilizando seus cargos e fardas para disseminar mensagens políticas. A isso se soma um discurso que legitima o uso excessivo da força para combater o crime, incitando o confronto e uso de violência por parte das polícias. Em 2019, mais de 6 mil pessoas foram mortas em confrontos com as polícias no país. Enquanto isso, o governo se furta da sua responsabilidade de oferecer condições dignas de trabalho aos policiais, coordenando junto aos Estados e municípios ações de prevenção e combate inteligente ao crime.
Essas ações colocam em risco nossa democracia. No atual contexto brasileiro, de ampla polarização social, de facilitação do acesso a armas e de fechamento do espaço cívico, o surgimento de grupos armados dispostos a fazerem usos dessas armas para defender um governo ou sua visão pessoal é uma possibilidade real. Basta ver as reações violentas dos grupos que negam a pandemia ou que acreditam que o STF precisa ser fechado.
Uma polícia que prioriza o uso da força também coloca em cheque a democracia, uma vez que gera mortes injustas, incita ciclos de vingança e a descrença na capacidade de o estado responder à violência, estimulando a lógica do salve-se quem puder. Sem contar o fortalecimento de milícias formadas por membros das instituições de segurança que passam a usar do seu lugar institucional para gerar medo e controle de territórios.
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Clique aquiTudo isso é marcado por uma profunda desigualdade. Quem mais morre de forma violenta no país são os jovens negros. Com a justificativa de tentar entregar segurança pública a uma parte da população, quem mais morre em decorrência da violência policial são esses mesmo jovens negros. Em 2019, 74,4% das vítimas de mortes violentas eram negras e, quando mortas pela polícia, esse percentual sobe para 79%. As vítimas de balas perdidas também são crianças e jovens negros. Neste cenário, nossa democracia está em risco também pela desigualdade social e racial que marca a forma como essas políticas são distribuídas.
É preciso se indignar e agir. Não dá para aceitar que o caminho é armar individualmente as pessoas. É preciso cobrar ação inteligente e articulada do estado para promover segurança pública. É preciso cobrar investimentos e condições para que as polícias possam agir com base em dados e investigações de qualidade e ver resultados das suas ações. Por fim, é preciso desenvolver ações para enfrentar o racismo que pautam as ações de segurança.
Para chamar a atenção sobre esse desafio e propor caminhos para enfrentá-lo, o Instituto Sou da Paz lança a Campanha “É pra geral”. O Brasil só vai avançar quando democracia e segurança pública caminharem juntas e forem ofertadas para todas as pessoas. Sem distinção. Afinal, democracia e segurança pública, é pra geral.
Carolina Ricardo – Diretora Executiva do Instituto Sou da Paz
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