Violência contra a mulher: silêncios oprimem e matam
Um país que prioriza o fim da violência contra a mulher não silencia nem promove cortes sucessivos de recursos para políticas de proteção
Há certa confusão sobre a função do Dia Internacional da Mulher. A data não pretende ser uma celebração do que se considera “feminino” ou um momento de congratulações. O 8 de Março é sobre ressaltar todas as injustiças, desigualdades e violências ―visíveis e invisíveis, às quais seguimos expostas todos os dias―, e propor avanços. A violência contra a mulher tem padrões muito peculiares e particularmente complexos. Na maior parte das vezes, o agressor é uma pessoa do círculo de confiança da pessoa agredida; frequentemente, ela vê motivos para proteger seu agressor; atinge sobremaneira crianças e jovens; a violência física costuma ser precedida de abusos verbais e psicológicos.
Quando se trata de segurança pública, uma sociedade mais saudável não depende apenas de repressão a crimes. É necessário desenvolver políticas que compreendam a origem da violência e, dessa forma, evitem que um crime ocorra. O objetivo não deve ser simplesmente punir todos os crimes, mas, principalmente, ter cada vez menos crimes para punir. O mundo ideal precisa de menos impunidade, mas principalmente de menos vítimas.
Para combater a violência contra a mulher não precisamos, portanto, apenas de punição dos culpados: precisamos de dados que informem justamente as raízes da violência e permitam intervenções diretas nesses fatores. Quando iniciamos um projeto com o objetivo de reunir em um único lugar dados sobre violência contra a mulher, esperávamos colaborar com o poder público no combate à violência; ajudar a sociedade a compreender a gravidade do problema; e apoiar mulheres que sofreram ou sofrem violências, para que não se sintam sozinhas.
Os resultados desse trabalho estão presentes na Plataforma EVA - Evidências sobre Violências e Alternativas para mulheres e meninas. Contudo, tão importante quanto os dados obtidos é a ausência deles. As enormes lacunas mostram que não se dá a devida importância a essa questão.
Governos que priorizam a redução da violência contra a mulher sabem informar, em primeiro lugar, o número de mulheres que passou pelos sistemas públicos, para além do número de boletins de ocorrência ou de entradas em hospitais (uma mesma mulher pode passar por cada uma dessas situações diversas vezes, enquanto muitas não o fazem nenhuma e sofrem caladas e sozinhas). Sabem também informar a relação dos agressores com as pessoas agredidas, e o perfil das vítimas: raça, faixa etária, se dependem economicamente dos seus agressores, se têm filhos e o grau de escolaridade.
Um país que prioriza o fim da violência contra a mulher não aceita nem promove cortes sucessivos de recursos para políticas de proteção. Não é leniente com (e muito menos fonte de) toda sorte de ofensa direcionada a mulheres usando seu gênero como forma de tentar diminuí-las. Não chama denúncias de assédio, violência psicológica, desigualdade salarial e abandono paterno de “exageros”.
A dura conclusão é que a maior parte dos gestores e agentes públicos ainda não reconhece, ou não compreende, a importância da produção de dados de qualidade para a formulação de políticas públicas voltadas para a prevenção da violência e a proteção das mulheres. Temos poucos exemplos do contrário, como o Dossiê Mulher, elaborado pelo Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro. Por mais raros que sejam, exemplos como esse mostram que é possível produzir as informações necessárias para apoiar políticas públicas com capacidade para interromper ciclos de violência contra mulheres no Brasil.
Muito do que aprendemos com os dados públicos está disponível na plataforma EVA. Mas os silêncios na informação ―os números não produzidos, não compartilhados, não consolidados― também nos ensinaram bastante. Para vencermos a violência contra mulheres precisamos romper todos os silêncios, inclusive o dos dados.
Carolina Taboada e Terine Husek são pesquisadoras do Instituto Igarapé.
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