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Pandemia de coronavírus
Opinião
Texto em que o autor defende ideias e chega a conclusões basadas na sua interpretação dos fatos e dados ao seu dispor

A pandemia da ignorância

Minha mãe não morreu de covid-19, mas dos efeitos colaterais da pandemia. Precisava ser internada às pressas mas não havia vaga num hospital privado. Feliz de ter tomado a segunda dose da vacina, precisou esperar 24 horas por uma vaga de UTI. Mas não deu tempo

Maria Lúcia recebe a segunda dose da vacina.
Maria Lúcia recebe a segunda dose da vacina.Acervo pessoal

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FILE PHOTO: A woman holds a small bottle labeled with a "Coronavirus COVID-19 Vaccine" sticker and a medical syringe in front of displayed Novavax logo in this illustration taken, October 30, 2020. REUTERS/Dado Ruvic/File Photo
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Minha mãe tinha 77 anos. Ativa, estava feliz com a segunda dose da vacina. Já tinha programado passar algum tempo novamente em Mangaratiba, no litoral sul do Rio de Janeiro, já que a nossa Copacabana estava muito triste, segundo ela. Não deu. A pandemia a levou na tarde do dia 14. Não foi o vírus, foi o caos, o descontrole, o medo, a vida sem sinais de perspectivas positivas. Teve uma infecção no intestino, que evoluiu para uma soboclusão. E que exige atendimento imediato. Mas faltam vagas nos CTIs de toda a cidade. Com os hospitais lotados de paciente com covid-19, o medo de procurar uma unidade médica para qualquer outra coisa fala mais alto, somando-se a tudo isso a longa e surreal espera pela vacina.

O resultado é desastroso. Tenho certeza de que minha mãe estaria viva hoje se a vacina tivesse chegado antes, se a pandemia estivesse sob controle, se as pessoas tentassem entender a gravidade do momento. Deveríamos criar a lista de vítimas da pandemia, todos que estão perdendo a vida por falta de tratamento, que não conseguem fazer cirurgias eletivas, que morrem na fila por uma Unidade de Tratamento Intensivo, mesmo sem estar com o vírus. É tudo a mesma coisa.

Minha mãe precisou esperar quase 24 horas por um leito de terapia intensiva na rede privada. A agonia que compartilhamos com milhares de pessoas que morrem sem a chance de respirar. E não consigo entender, não cabe na minha velha cabeça, como é mais importante pensar no bar que não vende, do que garantia de ter clientes e funcionários vivos. O negócio pode se reerguer, já a vida não se compra no cartão de crédito.

Eu queria seriamente entender o que se passa na cabeça dos gestores desse país. Aquele de Brasília eu entendo: negacionista, irresponsável, genocida, tudo isso com o apoio de políticos e seguidores que insistem em arrumar subterfúgios para justificar esse massacre imposto a todos nós. O projeto Pandemia da Ignorância está em curso, se perpetuando com as decisões desastradas de alguns prefeitos e governadores, alimentada por seguidores inebriados que nem conseguem entender que empurrar o país para um buraco, principalmente moral, que estamos cavando dia-a-dia, a cada pessoa sem máscara nas ruas, a cada recusa de se manter no isolamento, a cada templo aberto pela ganância de seus líderes, a cada negligente que organiza e participa de eventos clandestinos, todos vocês estão com sangue nas mãos, todos estão solidificando essa loucura que vivemos.

O pior país do planeta, com os piores gestores da pandemia, com empresários que querem manter seus lucros acima da vida, com milhões precisando de ajuda, com sombrias perspectivas de luz. Sim, perdemos o caminho da luz, nos enfiamos cada vez mais nas trevas. Hoje à noite os bares estarão abertos, o mergulho na praia está garantido, a academia estará lá para manterem a forma, as unhas pintadas. Minha mãe não vai mais precisar disso. A ignorância venceu a sensatez e como milhares de pessoas vou ter que aprender a viver sem Maria Lúcia, sem a vovó Lúcia, sem a dona do pedaço.

Claudia Silva é jornalista.

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