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Crise do coronavírus provoca cancelamento em massa de exames e de cirurgias de doenças graves, como câncer

O Ministério da Saúde recomenda o adiamento de cirurgias eletivas e alguns tipos de transplante. Médicos criticam adiamento de casos graves e associação vê “oportunismo” de planos de saúde

Hospitais cancelam cirurgias e outros procedimentos em decorrência do coronavírus.
Hospitais cancelam cirurgias e outros procedimentos em decorrência do coronavírus.Europa Press

A professora Gracielena Aguiar, de 56 anos, descobriu em novembro um câncer colorretal em estágio dois. Imediatamente, entrou em contato com sua operadora de saúde para solicitar a liberação da cirurgia em São José dos Campos (SP), onde vive. “Recebi a autorização do plano privado na semana passada, mas o hospital cancelou a operação, mesmo meu caso sendo grave”, conta. O Hospital Santos Dumond suspendeu a realização de procedimentos cirúrgicos para que os leitos da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) fiquem disponíveis para pacientes graves com Covid-19. “Até agora, não recebi nenhuma orientação médica sobre começar agora a quimioterapia ou não. Inicialmente, faria esse tratamento depois da cirurgia”, lamenta Gracielena.

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A pandemia de coronavírus provocou o cancelamento de cirurgias, suspensão de tratamentos e até transplantes de órgãos em todo o Brasil. O Ministério da Saúde recomendou, na semana passada, o adiamento de cirurgias eletivas —procedimentos que não precisam ser realizados em caráter de urgência— e publicou um ofício com recomendação para suspender a captação e transplante de córnea e ossos, bem como a busca de tecidos para transplantes. Os transplantes de órgãos sólidos, como coração e pulmão, devem ser mantidos. O Estado do Rio Grande do Norte já suspendeu a captação de órgãos. Na quarta-feira, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, informou que o adiamento de cirurgias eletivas já desocupou 30% dos leitos de UTI do país.

No Ceará, um dos Estados de referência no transplante de órgãos no país —no ano passado, foram 1.535 procedimentos, com um aumento superior a 100% entre 2008 e 2019, de acordo com a Secretária de Saúde do Estado—, só estão suspensos os transplantes com doador vivo (como o de rim, por exemplo). "Mantemos os outros transplantes, sempre explicando o risco-benefício da cirurgia para o paciente. A verdade é que tem pessoas que, se não morrerem em decorrência da Covid-19, podem falecer pela falta do transplante”, explica a médica Eliana Régia, coordenadora da Central de Transplantes do Ceará.

José Huygens, especialista no transplante de fígado e presidente da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos, explica que a suspensão desses procedimentos tem acontecido em todo o mundo em decorrência do coronavírus, mas alerta que, no Brasil, a avaliação deve ser feita “dia a dia”, à medida em que o panorama de contágio evolui. “O que temos visto é um cancelamento generalizado, mas alguns serviços médicos têm UTIs exclusivas para o setor cirúrgico, que devem ser usadas para isso. Há pessoas que não podem esperar. Já outras, que fazem, por exemplo, hemodiálise e estão estáveis, podem esperar três ou quatro meses”, diz ele.

É o caso do estudante Gustavo Ribeiro, de 20 anos, que há cinco anos espera por uma cirurgia no Hospital na Santa Casa de Santos, depois de romper o ligamento do joelho direito. “Depois de todo esse tempo, consegui fazer os exames pré-operatórios no mês passado. Mas, na sexta-feira (20/03), me ligaram para dizer que a consulta para marcar a cirurgia estava cancelada por conta do surto de coronavírus e que não há previsão de remarcação”, lamenta.

O médico Ederlon Rezende, membro do conselho consultivo da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) e diretor do serviço de terapia intensiva do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo diz que, nesse centro de saúde, estão “esticando a corda até onde dá” para realizar as cirurgias necessárias. “O adiamento não é uma atitude simples. É tranquilo adiar uma cirurgia estética, mas, no caso de um paciente com câncer, a operação pode ter impacto importante de sobrevida. Por isso, equipes cirúrgicas estão tentando operar o máximo”, diz.

Rezende critica que casos graves, como o da professora Gracielena, sejam deixados em segundo plano. “Não faz sentido também deixar 10 leitos vagos agora, esperando pacientes com Covid-19 e ter pessoas com câncer sem ser operadas. Essa gestão é refinada, deve-se olhar caso a caso com sabedoria, porque vidas estão em jogo”.

Endometriose

Em meio aos adiamentos e cancelamentos, pacientes que não configuram casos graves, mas que sofrem com fortes dores, em alguns casos crônicas, ficam no limbo do atendimento. É o caso de mulheres com endometriose, por exemplo. O ginecologista e obstetra Tomyo Arazawa, especialista nessa enfermidade em São Paulo, teve que cancelar nos últimos dias cirurgias de pacientes até de outros Estados que tinham viagem marcada para operar-se com ele na capital paulista. Ele explica que a maioria dos casos de endometriose se enquadra como cirurgia eletiva e que operar as pacientes em meio a uma pandemia poderia aumentar o risco de infecções durante o pós-operatório. “O que recomendamos, neste momento, é o tratamento medicamentoso e mudanças no estilo de vida para aliviar a dor”, diz.

Arazawa acrescenta, no entanto, que quando há ruptura de cisto de ovário, que provoca dor aguda, ou quando o quadro de endometriose compromete os rins trata-se de casos graves. “Para essas pacientes, não se pode postergar a operação”.

Em ofício enviado à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), a Federação dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios de São Paulo (FEHOESP) criticou o cancelamento desse tipo de cirurgia, além da suspensão de exames e outros atendimentos. A entidade afirma que algumas operadoras de saúde, proibiram, “de forma oportunista”, todos os atendimentos que não sejam urgentes.

"Os planos de saúde não devem interferir, de forma generalizada em todos os procedimentos, visto que existe uma solicitação médica. Estão tentando interferir em processo que não é de sua competência, responsabilidade ou alçada”, afirma Luiz Fernando Ferrari, vice-presidente do Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo.

Procurada pela reportagem, a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Ambramge) afirma que “não há motivação financeira nesse sentido” e que “não se trata de cortar gastos, mas de seguir as orientações do Ministério da Saúde e da ANS”.

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