_
_
_
_
Pandemia de coronavírus
Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

Nas favelas, até a pandemia de coronavírus é invisível

Dados levantados pela ONG Redes da Maré apontam que a covid-19 já pode ter matado ao menos 35 pessoas no Complexo da Maré. Porém, apenas oito óbitos foram contabilizados oficialmente

Helicóptero da polícia sobrevoa o Complexo de Favelas da Maré, no Rio de Janeiro.
Helicóptero da polícia sobrevoa o Complexo de Favelas da Maré, no Rio de Janeiro.CHRISTOPHE SIMON (AFP)

Às 18 horas do dia 14 de maio, o Painel Rio COVID-19 confirmava 1.509 óbitos provocados pelo novo coronavírus na cidade do Rio de Janeiro. Desde o início da pandemia, há preocupação com sua escalada em potencial nas favelas e periferias. A previsão de que a mortalidade poderá ser maior nesses territórios é fundamentada em fatores da desigualdade socioeconômica: a intensa circulação de moradores que não podem parar de trabalhar; a proximidade e o tamanho dos domicílios, becos e travessas contribuindo para o contato entre as pessoas; a dificuldade de acesso aos recursos para prevenção ou tratamento da doença, entre outros.

Mais informações
Eliana Sousa Silva, fundadora da ONG Redes da Maré
“Quem só via a favela pela violência, passou a enxergá-la a partir do coronavírus”
Brasilândia, bairro periférico de São Paulo
Periferia lidera as mortes por coronavírus na cidade de São Paulo, e as mulheres adultas são as mais infectadas
A local volunteer hands soap to a resident in an effort to avoid the spread of the new coronavirus in the Rocinha slum of Rio de Janeiro, Brazil, Tuesday, March 24, 2020. (AP Photo/Leo Correa)
Sem ações específicas, 86% dos moradores de favelas vão passar fome por causa do coronavírus

É consenso que as famílias em situação de maior vulnerabilidade necessitam de medidas específicas e priorizar as favelas é um caminho efetivo para enfrentar o avanço da pandemia. No conjunto de favelas da Maré, a organização não governamental Redes da Maré iniciou em março, com apoio de parceiros locais e externos, uma série de ações para minimizar a crise do coronavírus. Uma das frentes de atuação, chamada De Olho no Corona!, acolhe demandas dos moradores com confirmação ou suspeita de contaminação, orientando o acesso aos serviços de saúde e à rede assistencial pública ou privada.

Os dados levantados nesta ação apontam um número bem maior de casos e de óbitos em comparação à contagem oficial. Até agora, 35 óbitos estão associados, pelos familiares, à covid-19 na Maré, a maioria já confirmada por testagem. Porém, oficialmente, foram contabilizados oito óbitos. É sabido que a subnotificação vem acontecendo em muitas localidades, dada a escassez de testes e de outras formas de diagnóstico, mas outro fator chama nossa atenção: casos confirmados e óbitos de moradores estão sendo notificados em bairros vizinhos.

O Painel Rio COVID-19 mostra os registros por bairro de residência da vítima. Enquanto a Maré, com 129.770 moradores, aparece com seis óbitos para cada 100.000 habitantes, sendo a 139ª taxa de mortalidade entre os 162 bairros cariocas, o bairro vizinho de Bonsucesso, com 18.711 moradores, apresenta a maior proporção da cidade: 118 óbitos por 100.000 habitantes (dados populacionais do IBGE, 2010, disponíveis em Data.Rio/Instituto Pereira Passos).

Esse viés decorre, em muito, pela falta de endereços padronizados nas favelas e pelo desconhecimento de que a Maré é, desde 1994, um bairro formal, e não uma localidade pertencente a Bonsucesso ou Ramos. Porém, muitas vezes, o status administrativo da região é ignorado nos cadastros das concessionárias de serviços públicos e de órgãos oficiais, inclusive de escolas e unidades de saúde, o que prejudica as estatísticas que servem de base para estudos e planejamento das políticas públicas.

Tornar visível nas estatísticas oficiais a incidência da covid-19 na Maré pode ser decisivo para frear a propagação da doença e, portanto, a preservação de vidas. O que se espera neste momento é que o poder público avance sobre as favelas para um combate bem distinto daquele que está acostumado a protagonizar cotidianamente com suas forças de segurança, ao que tudo indica, a única política pública para a qual as favelas não são invisíveis.

*Eliana Sousa Silva é diretora da ONG Redes da Maré, pesquisadora em segurança pública e professora visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP.

Dalcio Marinho é geógrafo, coordenador do Censo Maré e mestre em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais.

Informações sobre o coronavírus:

- Clique para seguir a cobertura em tempo real, minuto a minuto, da crise da Covid-19;

- O mapa do coronavírus no Brasil e no mundo: assim crescem os casos dia a dia, país por país;

- O que fazer para se proteger? Perguntas e respostas sobre o coronavírus;

- Guia para viver com uma pessoa infectada pelo coronavírus;

- Clique para assinar a newsletter e seguir a cobertura diária.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_