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Com Bukele, El Salvador vira laboratório do bitcoin

País centro-americano se tornou o primeiro do mundo a adotar a criptomoeda como divisa oficial

Um salvadorenho tira selfie em um caixa eletrônico habilitado para trocar bitcoins por dólares em San Salvador.
Um salvadorenho tira selfie em um caixa eletrônico habilitado para trocar bitcoins por dólares em San Salvador.Rodrigo Sura (EFE)
Lorena Arroyo

Os olhos dos amantes da tecnologia de todo o mundo estão voltados para El Salvador nesta terça-feira. O pequeno país centro-americano, de pouco mais de 6,4 milhões de habitantes, tornou-se o primeiro do mundo em adotar o bitcoin como moeda corrente, conforme estipula uma lei aprovada em junho, após rápida tramitação no Parlamento controlado pelo partido do presidente Nayib Bukele, sem que se dessem muitas explicações aos salvadorenhos. A decisão de legalizar a circulação dessa moeda, que será a divisa oficial junto com o dólar norte-americano, foi tomada há três meses, poucos dias depois de o mandatário anunciar seu plano numa conferência internacional sobre dinheiro virtual, em Miami.

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A bitcoinização de El Salvador começou com uma queda do sistema e com grupos de salvadorenhos manifestando-se contra a adoção da criptomoeda, enquanto Bukele pedia paciência para superar os problemas técnicos. “Melhor devagar e com boa letra”, escreveu o mandatário na sua conta do Twitter. “Como toda inovação, o processo do bitcoin em El Salvador tem uma curva de aprendizagem. Todo caminho para o futuro é assim, e não se conseguirá tudo em um só dia, nem em um mês. Mas devemos romper os paradigmas do passado. El Salvador tem direito a avançar para o Primeiro Mundo”, havia dito o presidente na segunda-feira.

Em contraste com o entusiasmo com que o Governo Bukele promove o uso da moeda virtual ― uma medida muito bem acolhida entre a comunidade geek (amantes da tecnologia) do mundo todo ―, muitos salvadorenhos veem com preocupação o fato de seu país virar um laboratório mundial da moeda virtual, com a incerteza que isso significa. Além disso, as regras de funcionamento não estão totalmente claras. O presidente disse que o uso do bitcoin será opcional, mas no texto legal consta que “todo agente econômico” será obrigado a aceitá-la “como forma de pagamento quando assim lhe for oferecido por quem adquire um bem ou serviço”.

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Para poder usar o bitcoin, os salvadorenhos deverão baixar uma carteira virtual chamada Chivo Wallet (wallet é carteira em inglês, e chivo é uma gíria salvadorenha equivalente a bacana). Com esse aplicativo, os cidadãos poderão sacar dólares em 200 caixas eletrônicos (puntos Chivo) que o Governo instalou em todo o país. Além disso, quem baixar o aplicativo em seu celular receberá um bônus equivalente a 30 dólares em bitcoins, que não poderão converter em dólares.

A lei indica, além disso, que a taxa de câmbio entre essas duas moedas “será estabelecida livremente pelo mercado”, o que gerou preocupação entre cidadãos e especialistas, dada a volatilidade de uma moeda que não é de uso oficial em nenhum outro país do mundo. Bukele continua gozando de altíssimos níveis de popularidade, superiores a 70%, mas a decisão de adotar o bitcoin, que ele anunciou numa conferência em Miami e em inglês, gerou desconfiança dentro e fora do país.

Um grupo de salvadorenhos participa de uma manifestação contra a adoção do bitcoin como moeda oficial de El Salvador.
Um grupo de salvadorenhos participa de uma manifestação contra a adoção do bitcoin como moeda oficial de El Salvador. MARVIN RECINOS (AFP)

Várias pesquisas divulgadas nas últimas semanas mostram que a maioria da população rejeita a medida. Uma delas, do Instituto Universitário de Opinião Pública da Universidade Centro-Americana, indicava que dois em cada três salvadorenhos gostaria que a Lei do Bitcoin fosse revogada. Além disso, 78,3% diziam não ter a intenção de baixar o Chivo Wallet, enquanto 71,2% disseram que preferiam continuar usando o dólar, que já é a moeda corrente no país desde o começo do século.

Por outro lado, diversos grupos de cidadãos saíram às ruas nos últimos meses para pedir a revogação de uma medida que consideram imposta e que gerará “insegurança jurídica”, podendo também “ser utilizada para extorquir os usuários e facilitar a lavagem de dinheiro e ativos”, como disse Idalia Zúniga, do Bloco de Resistência e Rebeldia Popular, em um desses protestos.

Bukele argumenta que a adoção da criptomoeda beneficiará economicamente os salvadorenhos, especialmente os que recebem remessas do exterior. Em agosto, o mandatário afirmou que os cidadãos de seu país no exterior pagam anualmente “400 milhões de dólares em comissões” para enviar dinheiro aos seus familiares. “Só essa economia será um benefício enorme para nossa gente (ou ao menos para quem assim desejar)”, escreveu ele no Twitter.

Segundo fontes oficiais, as remessas beneficiam a 1,63 milhão de cidadãos. Só em 2020, os envios dos salvadorenhos no exterior somaram mais de 5,9 bilhões de dólares (30,5 bilhões de reais), o que representa mais de 20% do produto interno bruto do país. E enquanto os salvadorenhos que mandam e recebem remessas navegam na incerteza sobre como será seu uso, Bukele, que continua recebendo críticas da comunidade internacional por seus golpes de autoritarismo, opta por atribuir as críticas exclusivamente a seus rivais políticos.

“A oposição torpe sempre joga xadrez de um passo. Apostaram tudo em meter medo na população sobre a Lei do Bitcoin, e talvez consigam algo, mas só até 7 de setembro. Uma vez em vigor, as pessoas verão os benefícios, [os que se opuseram] ficarão como mentirosos e perderão em dobro”, escreveu o mandatário no fim de agosto. Nesta segunda-feira, nessa mesma rede social, ele começou a preparar o terreno com mensagens em que anunciava a compra das primeiras moedas de bitcoin; até agora, foram adquiridas 400, a um valor de mercado de 21 milhões de dólares (108,6 milhões de reais). Enquanto isso, as primeiras horas de circulação da criptomoeda não parecem ter resolvido as dúvidas dos salvadorenhos sobre seu uso, nem a incerteza do mundo, que continua à expectativa de como funcionará o experimento de Bukele.

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