Afeganistão, um país em uma encruzilhada geoestratégica

O regresso do Talibã ao poder marcou o fim de 20 anos de presença dos EUA e de seus aliados no país asiático. A intervenção estrangeira, porém, não conseguiu encerrar o conflito de um Estado-chave da região para a qual convergem os interesses do Ocidente e de potências como China, Rússia, Paquistão, Índia e Irã

Rodrigo SilvaIgnacio Gallego José A. Álvarez

A fronteira do Afeganistão com o Paquistão (conhecida como Linha Durand, criada no final do século 19 para delimitar os interesses britânicos e russos na região) é muito montanhosa: ali há a cordilheira de Hindu Kush, que vai do centro do território afegão ao noroeste paquistanês. O pico mais alto é o Noshaq, com 7.492 metros acima do nível do mar.

Um grande número de rios nasce nessas montanhas e chega aos países limítrofes, levando água a essas nações. A maior parte da população afegã vive em torno de Cabul e do rio que chega à cidade. A população rural representa quase 75% do total. O restante do país é constituído por vales e amplos desertos.

Uma população muito jovem

O Afeganistão tem 38,9 milhões de habitantes (2020, Banco Mundial). Por sexo, os números são semelhantes: os homens representam 51,3% do total e as mulheres, 48,7%. A taxa média de natalidade é de cinco filhos por mulher.

A idade média é de 19 anos e 42,5% da população tem 14 anos ou menos. A expectativa de vida é de 65 anos.

Mapa da divisão étnica

O Afeganistão é um grande mosaico de etnias. A majoritária é a pashtun, à qual pertence 42% da população. Os talibãs são predominantemente desse grupo étnico, assim como figuras políticas, como o ex-presidente Ashraf Ghani, que fugiu para os Emirados Árabes Unidos no dia em que os fundamentalistas entraram em Cabul.

Os pashtuns estão espalhados por boa parte do país, principalmente no sul e sudeste. Além do Afeganistão, essa etnia também tem raízes profundas no Paquistão, país vizinho que foi acusado em várias ocasiões de fornecer apoio logístico ao Talibã na década de 1990, além de ter sido um dos poucos que reconheciam a ex-ditadura dos radicais (1996-2001) como legítima.

Há décadas a violência étnica está presente no país. O Conselho de Segurança das Nações Unidas recebeu queixas na década de 1990 sobre crimes de guerra cometidos pelo Talibã contra tadjiques, uzbeques, hazaras e outras minorias.

Cultivo de ópio, principal fonte de renda

O Afeganistão produz 70% (cerca de 3.300 toneladas por ano) do ópio total no mundo (Relatório Mundial sobre Drogas, UNODC 2016). Para grande parte de sua população rural, o cultivo de ópio é a única fonte de renda.

Segundo as Nações Unidas, em 2020 o Talibã obteve 393 milhões de euros (2,43 bilhões de reais) com a comercialização do ópio.

Mineração, uma indústria em expansão

Existem cerca de 1.400 tipos de minerais no Afeganistão, incluindo ferro, cobre, lítio, cobalto e terras raras. O lítio, usado para fabricar baterias de celulares e computadores, tem uma demanda extremamente alta. Terras raras são um grupo de elementos químicos usados na fabricação de produtos tecnológicos e armas.

Um relatório do Governo afegão, em 2017, estimou a riqueza mineral do país em cerca de 3 trilhões de dólares (15,75 trilhões de reais).

As reservas minerais, que não foram exploradas nos últimos anos, são um grande atrativo para os demais, principalmente China, Rússia e Paquistão, que estão negociando com o Afeganistão para obter melhores condições de acesso a essas matérias-primas.

Pobreza e emprego

O Afeganistão é um dos países mais pobres do mundo: 47% de sua população vive na pobreza e 30% passa fome.

A taxa de desemprego gira em torno de 60% da força de trabalho. O salário médio mensal é de 17.600 afganis (cerca de 1.150 reais). As mulheres estão em pior situação. Sua participação na tomada de decisões é limitada e seu acesso ao mercado de trabalho é insignificante.

O drama humano

O avanço e a conquista do Afeganistão pelo Talibã fizeram disparar o número de pessoas deslocadas internamente no país, segundo demonstra o relatório da Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), divulgado em 16 de agosto. Desde o início do ano, 550.780 pessoas foram obrigadas a deixar suas casas no Afeganistão por causa do avanço dos fundamentalistas; 60% delas são meninas e meninos, de acordo com a agência. Desde 2012, um total de 3.795.750 pessoas passou por essa situação.

Afegãos refugiados e requerentes de asilo em outros países somavam cerca de 2,2 milhões de pessoas em 31 de dezembro de 2020, de acordo com o ACNUR. No entanto, a grande maioria está em países vizinhos, sendo 90% no Paquistão (1.448.100) e no Irã (780.000).

A Europa, portanto, não é o destino em que a maioria dos afegãos chegou em busca de asilo ao longo dos anos. Em 2020, dos 472.000 pedidos recebidos, 44.200 eram de pessoas com origem no Afeganistão (10,6%) de acordo com a Comissão Europeia.

Em relação às chegadas irregulares de imigrantes às fronteiras do bloco europeu: em 2020, houve 125,1 mil travessias, das quais 10.133 (8,1%) tiveram origem no país asiático.

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