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Milhares de afegãos tentam fugir do Talibã, e caos se instala no aeroporto de Cabul

Desespero com a volta dos talibãs ao poder causa tumulto em aeroporto. Pelo menos cinco pessoas morreram tentando pegar algum avião para escapar do Afeganistão

Passageiros lotam aeroporto de Cabul, no Afeganistão, para sair do país. No vídeo, afegãos se agarram à fuselagem de um avião que estava prestes a decolar.Vídeo: SHAKIB RAHMANI / AFP | REUTERS
Ángeles Espinosa
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Chaman (Pakistan), 09/08/2021.- Pakistani security officials stand guard as people stranded at the Pakistani-Afghan border wait for its reopening after it was closed by the Taliban who have taken over the control of the Afghan side of the border at Chaman, Pakistan, 09 August 2021. Taliban'Äôs shadow governor for Kandahar province on 05 August issued a statement that announced the closing down of the border with Pakistan at Chaman, and said Islamabad should relax rules for crossing the frontier. (Abierto, Afganistán) EFE/EPA/AKHTER GULFAM
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O pânico causado pela entrada do Talibã em Cabul motivou cenas de caos na capital afegã. Milhares de cidadãos, temendo a possibilidade de ficarem presos sob as garras dos extremistas islâmicos, tratam de alcançar o aeroporto na vã esperança de conseguir sair do país. Pelo menos cinco pessoas morreram na manhã desta segunda-feira quando a pista de pouso foi invadida. Enquanto isso, continuam surgindo relatos de saques e abusos, apesar de o Talibã ter reiterado a seus combatentes que eles devem respeitar a propriedade alheia.

Com os voos comerciais suspensos e o aeroporto tomado pelos 6.000 soldados enviados pelos Estados Unidos para assegurar a saída de seus cidadãos, surgiu o rumor (falso) de que não havia exigência de vistos para quem embarcasse para o Canadá. Foi a gota d’água para que os desesperados afegãos se lançassem em avalanche sobre as pistas. Não ficou claro se os cinco mortos foram pisoteados ou alvejados pela milícia. Um funcionário norte-americano citado pela Reuters admitiu que os soldados tinham disparado para o ar na tentativa de dispersar a multidão.

As cenas de caos no aeroporto contrastam com a calma que o Talibã afirma reinar no resto do país. Em entrevista ao canal Al Jazeera, Mohammad Naim, porta-voz do escritório político da milícia em Doha (Qatar), deu como encerrada a guerra civil no país. Entretanto, seus planos ainda não estão claros. O grupo fundamentalista tem pela frente a árdua tarefa de deixar de ser uma guerrilha amparada por forças locais (sobretudo rurais) para se tornar uma autoridade que controle e administre todo um país (incluídos os núcleos urbanos, muito mais complexos).Seus 60.000 milicianos (segundo estimativas do Centro para o Combate ao Terrorismo de West Point, EUA) conseguiram se espalhar por 90% do território graças sobretudo à rendição das forças armadas afegãs, já que a maioria de seus 300.000 integrantes preferiu entregar as armas ao invés de lutar. Mas tanto os deslocamentos internos de civis como as tentativas de muitos destes de abandonar o país indicam que o Talibã não goza de um apoio generalizado.

O próprio número dois do movimento, o clérigo Abulghani Baradar, reconheceu a magnitude da tarefa em um vídeo difundido na noite deste domingo. Depois de qualificar a rápida vitória sobre o Governo afegão como “feito sem comparação”, afirmou que o verdadeiro teste começa agora. “Trata-se de como servimos e damos segurança ao nosso povo, e asseguramos seu futuro o melhor possível”, disse, cercado por outros dirigentes talibãs―todos eles homens da etnia pashtun. Essa homogeneidade casa mal com a pluralidade da sociedade afegã e está na raiz da desconfiança que o grupo motiva.Por enquanto, encorajados pela rapidez de seu avanço (dominou o país em pouco mais de uma semana depois da retirada dos militares norte-americanos), parecem ter descartado formar um Governo de transição. Não está claro como se dá a transferência de poderes, ou se os funcionários da administração de Ashraf Ghani permanecem em seus postos. Na entrevista à Al Jazeera, Naim disse que logo ficará clara a forma do novo regime, dando a entender que o grupo tenta formar um governo. “Não queremos viver isolados”, disse, para em seguida defender relações internacionais pacíficas.

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Mas a lembrança de sua ditadura (1996-2001) traz receios a muitos afegãos. Naquela época, os islamistas conseguiram frear a guerra civil, mas impuseram um código moral que condenou os afegãos ao isolamento. Seu mandato foi especialmente cruel com as mulheres (confinadas ao lar e obrigadas a esconder seu corpo e rosto sob a burca nas raras vezes em que podiam sair) e as minorias. Agora, seus dirigentes tentam projetar uma imagem mais moderada, mas as notícias provenientes das primeiras cidades que caíram sob seu poder, como Herat e Kandahar, são desanimadoras. Lá, os relatos são de que as mulheres estão sendo impedidas de sair para seus trabalhos e frequentar as universidades.Tampouco os países ocidentais confiam no Talibã. Apenas a Rússia e a China responderam positivamente aos apelos do grupo e mantiveram suas embaixadas abertas. A maioria dos Governos já iniciou ou prepara a saída de seus cidadãos – algo que a Suécia inclusive já concluiu. Ao mesmo tempo em que aceleram a retirada, 60 países, entre eles os EUA e os europeus, emitiram um comunicado proclamando que os afegãos “merecem viver seguros e com dignidade” e pedindo aos novos governantes que autorizem quem assim desejar a sair do país. Não está claro, entretanto, para onde essas pessoas poderiam ir, já que poucos têm como conseguir vistos.

Além disso, muitos dos refugiados internos desde o início da ofensiva Talibã foram parar em Cabul, onde sobrevivem de forma precária em casas de familiares e parques. A OCHA (agência humanitária das Nações Unidas) identificou 17.600 indivíduos que precisam de assistência, 2.000 dos quais foram registrados em um só dia. Entretanto, desde domingo a organização paralisou sua atividade “diante da incerteza da situação em Cabul”.

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