A inevitável queda da leal esposa de El Chapo

Emma Coronel, mulher do maior chefe das drogas do México, Joaquín ‘El Chapo’ Guzmán, é detida sob acusação de narcotráfico e de ter ajudado o marido a fugir da prisão em 2015

Emma Coronel en Estados Unidos
Emma Coronel, na Corte Distrital de Nova York, em 23 de janeiro de 2019.JUSTIN LANE (EFE)
Elena Reina
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Para passar pelo controle de segurança da Corte de Nova York, ela tinha que tirar os sapatos de salto alto. Emma Coronel, esposa do narcotraficante mais poderoso do mundo, Joaquín El Chapo Guzmán, monopolizou todos os holofotes da imprensa de celebridades durante 11 semanas de um julgamento que terminou com a condenação do seu marido à prisão perpétua, em 2019. Por seus trajes ajustados às suas curvas, chegou a ser conhecida nos Estados Unidos como a Kardashian de Sinaloa. Era a esposa daquele que havia sido o homem mais procurado, o chefão mais perigoso. E chegou a participar de um reality show nos Estados Unidos onde outros herdeiros do império da droga falavam de Coronel como uma inspiração. Alguns eram filhos ou sobrinhos de grandes nomes do narcotráfico colombiano ou mexicano. Mas ela era A Esposa, a Mrs. El Chapo. Nesta segunda-feira, a curiosidade mórbida sobre a vida íntima do traficante, que tão bem alguns canais de TV dos EUA souberam explorar, esbarrou na realidade. Coronel foi detida no aeroporto internacional Dulles (Virgínia), que atende à cidade de Washington. É acusada de participar do tráfico internacional de drogas.

Coronel, de 31 anos, cidadã norte-americana e mexicana, deverá ser julgada por tráfico de cocaína, metanfetaminas, heroína e maconha, segundo um comunicado do Departamento de Justiça dos Estados Unidos. Sua primeira audiência em um tribunal federal do Distrito de Columbia estava prevista para esta terça, por videoconferência. Além disso, é acusada de ter ajudado El Chapo a protagonizar uma das fugas mais midiáticas da história, quando escapou da penitenciária de segurança máxima de El Altiplano, no México, em meados de 2015, usando um túnel que ligava o chuveiro da sua cela a uma casa de segurança, dotado de trilhos e de uma motocicleta. Segundo as autoridades norte-americanas, Coronel tramara com pessoas de confiança de Guzmán outra fuga em 2017, pouco antes da extradição do chefe para os Estados Unidos.

Coronel conheceu Guzmán Loera, El Chapo, numa festa em uma fazenda. Ela tinha 17 anos e acabava de ganhar o concurso de Miss Sinaloa. Ele tinha 51 e já era o senhor da maior organização criminal do mundo. Enquanto ela dançava na fazenda com seu namorado da época, um homem se aproximou e lhe disse que “o senhor” queria dançar com ela. “Claro, respondi. Porque nos ranchos, mesmo que você tenha um namorado, precisa dançar com todas as pessoas que convidarem”, contou numa entrevista ao canal de TV Telemundo. Isso sem contar que, no contexto do império criminal mexicano, dizer não ao chefão dos chefões custaria muito caro. Coronel é a terceira esposa de Guzmán, a quem sempre defendeu: “É um homem bom, não é violento, nem grosseiro, nunca o vi dizer um palavrão. Suas meninas o adoram e perguntam constantemente por ele”, disse nessa mesma entrevista. “Não me consta que trafique drogas. Sou apaixonada por ele”, insistia diante das câmeras.

Também é a suposta sobrinha de Ignacio Coronel, um dos lugares-tenentes de seu marido. “Não somos parentes”, esquivou-se naquela entrevista. O sobrenome Coronel é muito pesado na história criminal do México. Ignacio Coronel também conhecido como o Rei do Cristal, foi o número três do cartel de Sinaloa, abaixo de El Chapo e de Ismael El Mayo Zambada —o único membro do grupo daquela época que ainda não foi detido. Durante pelo menos 12 anos, foi responsável pelo maior volume de tráfico de metanfetaminas para os Estados Unidos, até que foi abatido em 29 de julho de 2010, na localidade de Zapopan, Estado de Jalisco, durante um tiroteio com o Exército mexicano. Um de seus filhos, Alejandro Coronel Mardueño, possível primo de Emma, foi sequestrado e assassinado também em 2010, quando tinha apenas 16 anos, por seus rivais do clã Beltrán Leyva, o que desatou uma onda de violência no país.

Um dos momentos mais tensos para Emma Coronel durante o julgamento de El Chapo ocorreu em janeiro de 2019. A promotoria, tendo a esposa do traficante presente na audiência, apresentou uma série de mensagens interceptadas pelo FBI entre o traficante, sua esposa e a amante dele. Em uma dessas mensagens, o então líder do cartel de Sinaloa lhe pedia que comprasse tintura para o bigode e falava que uma das filhas gêmeas do casal, María Joaquina, não tinha nada de medo. “Vou dar de presente para ela uma AK-47 para que possa ir comigo”, brincava.

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As palavras de Emma Coronel sobre o suposto desconhecimento do negócio de seu marido desmoronaram durante o julgamento. Nas mensagens, Joaquín Guzmán lhe dava instruções precisas sobre a maneira como deveriam se comunicar. Aconselhava-a, por exemplo, a usar celulares Blackberry, por sua criptografia, e que entrasse em contato com o técnico do cartel para que a ajudasse. Em outra comunicação, Coronel diz a El Chapo que tem a impressão de que a polícia se apresentaria na casa dela. “Você tem uma arma?”, pergunta o traficante. “Sim, uma sua, a que você me deu”, responde ela. Guzmán lhe pede então que a esconda em um lugar seguro e a aconselha a manter uma vida normal, porque sabia que a utilizariam para localizá-lo. As mensagens foram trocadas entre o final de 2011 e começo de 2012.

E revelaram um segredo de polichinelo, a infidelidade do traficante. O FBI mencionava uma de suas colaboradoras, Agustina Cabanillas Acosta, que foi detida numa ação policial de fevereiro de 2012, e a quem o chefe se dirigia como “meu amor”. Segundo as mensagens, El Chapo discutiu também com Cabanillas Acosta sobre envios e venda de cocaína e maconha nos Estados Unidos.

Capitalizar a fama

Coronel tratou de capitalizar a fama gerada em torno de sua imagem, sempre à sombra de seu marido, impulsionando uma marca de roupas e merchandising de todo tipo: bonés, moletons, capas para celular e camisetas. O nome El Chapo Guzmán foi registrado no Escritório de Patentes e Marcas dos Estados Unidos, e seu logotipo era a cabeça de um leão junto a essas três palavras. Não foi a única da família a criar um negócio deste tipo, fazendo concorrência com outra filha do traficante (ele tem ao menos 10 filhos reconhecidos), Alexandrina Guzman Salazar, que fez o mesmo com El Chapo 701, uma alusão ao número que identificava o traficante na prisão.

Em uma chamada do canal VH1, a participação de Mrs. El Chapo no reality show com parentes de traficantes famosos era mencionada com expectativa. Posicionada na proa de um luxuoso iate branco, Coronel aparecia sorridente, vestida de branco, com óculos de sol que tampavam metade do seu rosto. “Quando o chefão dos chefões chama, você não pode dizer que não”, afirmava um dos protagonistas, Michael Corleone Blanco —filho mais novo da narcotraficante colombiana Griselda Blanco de Trujillo. Bem-vindos a Cartel crew, anunciava o locutor. “É uma verdadeira latina, leal a seu homem”, acrescentava Blanco. Nos próximos dias, a Justiça norte-americana avaliará até que ponto chegava a lealdade dela a um dos traficantes mais poderosos do mundo, responsável por introduzir centenas de toneladas de drogas nos Estados Unidos.

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