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Crise política no Peru abre debate sobre reforma da Constituição

Tribunal Constitucional evita se pronunciar sobre o uso do recurso usado para destituir Vizcarra, enquanto nas ruas cresce a pressão para que se elabore uma nova Carta Magna

Manifestante durante um protesto neste sábado em Lima.
Manifestante durante um protesto neste sábado em Lima.SEBASTIAN CASTANEDA (Reuters)
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People pay tribute at the site where two youngsters were wounded -and later reported dead- during clashes against police while protesting the government of interim President Manuel Merino, in downtown Lima, on November 15, 2020. - Peru's President Manuel Merino resigned Sunday, just five days after taking office, sparking celebrations in the capital Lima following street protests against him -in which two people were reported dead and at least 112 injured- and the ousting of his popular predecessor. (Photo by Luka GONZALES / AFP)
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“Reforma constitucional” e “nova Constituição” eram as frases que se podiam ler nos cartazes das mobilizações de sábado à noite no centro de Lima para exigir justiça pela morte de dois jovens manifestantes durante a violenta repressão aos protestos contra o Governo interino de Manuel Merino, há uma semana. Merino chegou a ser presidente do Peru durante algumas horas, depois que o Congresso depôs Martín Vizcarra. A crise política e uma decisão do Tribunal Constitucional abriram um debate sobre a Carta Magna e sobre se esta representa um contrapeso ao Parlamento. A Constituição data de 1993 e foi aprovada depois do golpe de Alberto Fujimori, durante o regime autoritário que ele encabeçou.

Em setembro, quando o Congresso usou a figura constitucional da “vacância presidencial por permanente incapacidade moral” para cassar Vizcarra, os grupos políticos que promoviam essa medida não conseguiram os votos suficientes. Naquela ocasião, pretendiam destituir o presidente devido a uma investigação do Ministério Público por suspeita de favorecer um amigo para sua contratação por um ministério. A iniciativa da maioria do Congresso se diluiu quando a imprensa revelou que Merino, então presidente do Congresso, tinha mantido contato com comandantes militares para discutir a eventual saída de Vizcarra do seu cargo.

Depois disso, o Executivo – ainda sob a presidência de Vizcarra – apresentou ao Tribunal Constitucional uma “ação de competência”, por considerar que o Legislativo tinha feito um uso indevido da figura da “vacância presidencial”. O político acabou sendo destituído pelos deputados em 9 de novembro, depois de uma segunda moção de vacância, mas o Tribunal Constitucional ainda poderia se pronunciar para que no futuro o Congresso determine a qualificação de “permanente incapacidade moral” com base em alguns critérios, e não apenas por somar 87 votos favoráveis. A corte decidiu na quinta-feira, por quatro votos a três, que não se pronunciará sobre a questão.

“De fato, há mudanças a introduzir na Constituição: não pode continuar como está, isso está claro”, afirmou o novo presidente do Peru, Francisco Sagasti, em uma entrevista publicada no domingo pelo jornal La República. “Já vemos as lacunas que há: por exemplo, o Tribunal Constitucional devolve o tema ao Congresso em termos de esclarecer o que é a incapacidade moral permanente. O que tem a população em conjunto tem de decidir é se isto é uma mudança total da Constituição, ou modificações”, acrescentou. Sagasti não está de acordo com a realização de um referendo junto com as eleições gerais de abril de 2021, pois o processo inclui 24 candidatos presidenciais, além da renovação do Congresso. “Complicar com um tema adicional seria bastante difícil”, disse.

Na tarde e noite de sábado, centenas de jovens voltaram à praça San Martín e ao Parque Universitário, em Lima, onde instalaram altares com letreiros nos quais constam suas reivindicações e o seu estado de espírito perante o ocorrido. Um manifestante que carregava um enorme cartaz de cartolina com a frase “Reforma Constitucional” disse que se referia à necessidade de aprovar um novo documento, não uma simples emenda.

José, amigo de Inti Sotelo, um dos dois jovens que morreram em 14 de novembro durante a agressão da Polícia Nacional com balas de borracha e gás lacrimogêneo, disse ao EL PAÍS que continuariam se manifestando nas ruas, “também para que se tenha uma nova Constituição”. “Pensavam que estavam tratando com a geração dos anos oitenta, mas somos a de 2020, somos universitários, isto é outro tempo e não vai ficar assim”, afirmou, sobre o pedido para que os responsáveis pelas mortes durante os protestos pacíficos não fiquem impunes.

Enquanto isso, nas livrarias de Lima, as obras sobre a Constituição estão novamente nas vitrines entre as novidades. “Estão pedindo-a mais como resultado do que está acontecendo”, contou a vencedora de um estabelecimento do bairro de Miraflores, perto de outro dos memoriais em homenagem aos jovens mortos nos protestos, agora chamados de Heróis do Bicentenário.

Em frente ao Palácio de Justiça, como parte das passeatas juvenis do sábado, um grupo de nove artistas instalou uma escultura votiva em homenagem às vítimas, Inti Sotelo e Bryan Pintado. “a mídia nacional não está falando muito disto, vários de nós, vinculados à arte, participamos dos protestos; um dos que participaram na preparação deste pedestal tem um ferimento de bala de borracha no pescoço. Achamos importante que as pessoas tenham um lugar de homenagem desta luta”, disse a artista Natalia Documet. A instalação, encabeçada por um punho – o dos emojis do WhatsApp –, inclui cartazes levados por pessoas convocadas pelo Instagram: um deles reivindica uma nova Constituição.

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