Renúncia do presidente e o bloqueio da eleição no Congresso mergulham o Peru em um vazio de poder
Parlamento não alcançou um consenso para eleger um novo representante, após impedirem a nomeação da esquerdista Rocío Silva Santisteban
O Peru se debruça sobre um vazio de poder. A renúncia do presidente interino Manuel Merino, neste domingo, e o bloqueio da eleição de seu substituto no Congresso mergulham o país em uma situação de acefalia dos Poderes Executivo e Legislativo. O Parlamento não alcançou um consenso para eleger seu novo presidente, que assumiria como mandatário interino em substituição a Merino, forçado a renunciar após seis dias de grandes protestos populares contra ele.
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O político assumiu interinamente a presidência do país na terça-feira, depois que o Parlamento destituiu Martín Vizcarra, investigado por ter supostamente recebido subornos em 2014, quando era governador regional de Moquegua (sul). Uma primeira chapa de candidatos à mesa diretora do Congresso, que teria levado à presidência do país uma deputada de esquerda, a escritora Rocío Silva Santisteban, não alcançou os votos necessários, apesar das manifestações iniciais de apoio dos partidos que integravam a lista. Enquanto os deputados votavam, milhares de jovens manifestantes esperavam o desenlace às portas do Congresso: alguns se enrolavam na bandeira peruana, outros levavam cartazes em memória de Inti Soletolo e Bryan Pintado, que morreram na noite de sábado vítimas da repressão policial contra os protestos que pediam a renúncia de Merino.
Os líderes das bancadas tornarão a votar em outra chapa para a mesa do Congresso nesta segunda por volta de 14h (16h em Brasília). Merino deixou o cargo pressionado pela indignação popular com a violência policial que causou as duas mortes, além de deixar 63 feridos hospitalizados e uma dezena de desaparecidos na noite de sábado, jornada com maior participação nos protestos contra o Gabinete interino e o Congresso. Depois do banho de sangue e diante do silêncio das autoridades que não se responsabilizavam pela tragédia, os ministros de Merino renunciaram, e seus aliados políticos lhe deram as costas.
Ele ficou sem escolha. Na madrugada de sábado começaram a chover as renúncias no Governo interino que acabava de ser formado. E, se ele não deixasse o cargo, o Congresso convocaria uma sessão para destituí-lo em questão de horas. “Neste momento em que o país atravessa uma das suas maiores crises políticas, apresento minha renúncia ao cargo de presidente da república”, declarou em uma mensagem televisionada à nação. Imediatamente depois, ouviram-se panelaços e buzinas em vários bairros de Lima. O deputado, que até uma semana atrás era o presidente do Poder Legislativo, havia sido um dos promotores da destituição de Vizcarra depois que o Ministério Público abriu uma investigação por corrupção contra ele.
O próprio Merino se despediu neste domingo com uma mensagem contra a corrupção, que se converteu um problema estrutural que afeta todas as formações políticas peruanas e encurralou todos os presidentes eleitos no país desde 1985. O próprio Merino foi acusado de corrupção em todos os cargos públicos que ocupou pelo partido centro-direitista Ação Popular. Recebeu, por exemplo, acusações por contratos que beneficiaram familiares próximos e foi questionado por não declarar conflitos de interesse. Mesmo assim, proclamou: “Acredito na luta frontal com a corrupção, os corruptos não podem nos representar, acredito que o poder seja para servir aos outros e não a poderes subalternos”.
A saída de Vizcarra para ser substituído interinamente nos meses que faltam até as eleições presidenciais de abril de 2021 foi aprovada no Congresso, numa manobra legal, mas duramente rejeitada e considerada ilegítima pela sociedade civil. Desatou imediatamente uma onda de mobilizações que tiveram um caráter transversal e foram intensificando a pressão no decorrer dos dias. Ao mesmo tempo, a comunidade internacional resistiu a reconhecer abertamente Merino como presidente. Dos países da região, apenas o Paraguai o fez. A Organização dos Estados Americanos (OEA) remeteu-se ao pronunciamento do Tribunal Constitucional e de organizações de defesa dos direitos humanos, como a Human Rights Watch (HRW), advertindo contra os riscos que esta nova etapa representava para o Estado de direito.
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